Economia e Negócios

Bolsas em queda e dólar nas alturas: como pânico nos mercados globais afeta o Brasil?

No Brasil, o Ibovespa recuou 0,46%, após chegar a cair mais de 2% na mínima do dia

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 06/08/2024
Bolsas em queda e dólar nas alturas: como pânico nos mercados globais afeta o Brasil?
Economistas veem Selic estável em 10,5% por mais tempo e dólar pressionado, em meio a um aumento da percepção de risco global | Getty Imagens

A semana começou com bolsas de valores em queda em todo o mundo e disparada do dólar, em meio a um temor crescente de que a economia dos Estados Unidos possa entrar em recessão.

A bolsa de Tóquio, no Japão, caiu 12% na segunda-feira (5/8), no pior resultado em 37 anos, criando uma reação em cascata nas demais bolsas asiáticas, como Coreia do Sul (-8,8%), Taiwan (-8,35%), Singapura (-4,07%) e Índia (-2,6%).

Nos Estados Unidos, os índices Nasdaq (-3,43%), S&P 500 (3%) e Dow Jones (-2,6%) também registraram quedas.

Já no Brasil, o Ibovespa recuou 0,46%, após chegar a cair mais de 2% na mínima do dia, e o dólar fechou em alta de 0,53%, a R$ 5,74, após chegar a R$ 5,86 na máxima da segunda-feira.

Mas o que essa piora generalizada dos mercados financeiros significa para o Brasil?

E como a perspectiva de uma desaceleração da economia americana afeta o cenário para juros e dólar por aqui?

Conversamos com três economistas para entender melhor o que vem por aí.

Recessão nos EUA?

Os agentes do mercado financeiro vêm acompanhando atentamente a dinâmica de inflação nos países de economia avançada, na expectativa de encontrar sinais que permitam aos bancos centrais começarem o processo de flexibilização da política monetária – isto é, de corte de juros.

Nos últimos anos, bancos centrais de todo o mundo subiram suas taxas de juros, para conter a alta inflacionária que resultou de grandes choques como a pandemia de covid-19 e as guerra na Ucrânia.

Quando os juros sobem, fica mais caro para famílias e empresas pegarem empréstimos, o que funciona como um freio para consumo e investimentos, desacelerando a economia e a inflação.

O oposto ocorre quando os juros caem.

Um operador de ações da Bolsa de Nova York trabalha enquanto observa numa televisão o presidente do Fed, Jerome Powell, discursando

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Agentes do mercado financeiro observam atentamente o desempenho da economia americana, na expectativa do aguardado corte de juros pelo Fed

Nos Estados Unidos, os mercados começaram o ano esperando que o primeiro corte de juros pelo Fed (Federal Reserve, o banco central americano) viria em março, expectativa que foi adiada para junho e agora para setembro.

Na sexta-feira (2/8), no entanto, um dado de emprego muito abaixo do esperado – criação de 114 mil vagas de trabalho em julho nos EUA, ante expectativa de 185 mil – ligou os sinais de alerta nos mercados, com a leitura de que a economia americana pode já estar mais fraca do que se pensava.

Com isso, alguns analistas passaram a avaliar que o Fed pode ter perdido o momento certo de começar a cortar juros, o que forçaria a autoridade monetária dos EUA a fazer uma sequência de cortes mais abrupta nos próximos meses.

"É isso que está acontecendo: os mercados tensos, as taxas de juros caindo, as bolsas caindo, tudo em reação à perspectiva de uma desaceleração econômica mais forte [nos EUA]", observa Flávio Serrano, economista-chefe do Banco BMG.

"E a percepção de risco maior faz com que as moedas, principalmente em países emergentes, sofram um pouco", acrescenta.

Assim, crescem as apostas de que o Fed pode fazer três cortes de juros de 25 pontos-base (0,25 ponto percentual) até o fim do ano, do atual patamar de 5,25% a 5,5% ao ano.

"Mas já se discute se não seria o caso de começar com 50 pontos de corte [em setembro], considerando que o Fed pode ter esperado demais, e agora a desaceleração econômica exigirá cortar mais rapidamente para evitar problemas maiores", diz Serrano.

Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia na Tendências Consultoria, avalia, no entanto, que ainda é cedo para se falar em uma recessão nos Estados Unidos.

"É preciso esperar novos indicadores, porque sempre existe uma volatilidade nos dados", diz Ribeiro.

"Até porque vimos dados muito bons até o segundo trimestre – o próprio PIB [Produto Interno Bruto] dos Estados Unidos veio acima do esperado –, então ainda há sinais de resiliência da atividade americana. Por isso não é óbvio afirmar que o cenário mais provável é de recessão por lá."

E o Brasil com isso?

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, essa piora do cenário externo preocupa, num momento em que o Brasil também lida com turbulências internas, principalmente devido às preocupações quanto ao equilíbrio das contas públicas do governo federal.

"Isso deveria significar para o governo olhar para o fiscal com mais atenção ainda, para evitar que o país seja contaminado com intensidade por uma possível recessão nos Estados Unidos", diz Vale.

Ele lembra que isso aconteceu em 2008 e 2009, quando houve a última grande recessão americana.

Naquele momento, o Brasil estava em ótimas condições, avalia Vale, o que permitiu ao país ter apenas uma recessão curta, seguida por uma recuperação rápida.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falando ao pé do ouvido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante evento no Palácio do Planalto em julho

Crédito,Reuters

Legenda da foto,'Temos um cenário fiscal muito pior do que em 2008, com dificuldade de melhorar isso nos próximos anos, o que significa que tendemos a sentir com bastante intensidade a volatilidade externa', observa Sergio Vale, da MB Associados

"Agora é diferente, temos um cenário fiscal muito pior do que em 2008, com dificuldade de melhorar isso nos próximos anos, o que significa que tendemos a sentir com bastante intensidade a volatilidade [externa]", observa o economista.

Um possível repercussão disso seria o dólar se manter pressionado por mais tempo, o que pode vir a afetar a inflação.

Um real desvalorizado por um período longo afeta os preços de bens importados – como componentes utilizados pela indústria, por exemplo – mas também de produtos cujos preços são balizados por cotações internacionais, como os combustíveis.

Os preços dos alimentos também podem ser afetados, já que um real desvalorizado favorece as exportações, reduzindo a oferta interna das commodities exportadas.

"Esse é o grande receio que se tem hoje: quanto mais tempo o câmbio fica nesse patamar elevado, maior a pressão em inflação, mais trabalho o Banco Central vai ter em relação à taxa de juros e, lá na frente, tudo isso que está acontecendo pode significar crescimento mais baixo."

Assim, após dois anos de crescimento acima de 2% em 2023 e 2024, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caminha para uma segunda metade de mandato com altas do PIB abaixo desse patamar em 2025 e 2026, projeta o economista-chefe da MB Associados.

Cenários para Selic e dólar

Diante deste cenário, os três economistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que o mais provável é o Banco Central brasileiro optar por "jogar parado".

Isto é, manter a Selic no patamar atual de 10,5% até o final deste ano.

Isso porque a combinação de uma maior percepção de risco no mundo, junto à incerteza fiscal no Brasil, além das incertezas relacionadas à eleição americana e à transição na presidência do próprio Banco Central aqui no Brasil não devem dar espaço para o BC reduzir juros, mesmo num cenário de cortes pelo Fed, avalia Alessandra Ribeiro, da Tendências.

Os economistas divergem, no entanto, quanto ao que pode acontecer em 2025.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto

Crédito,Rovena Rosa/Agência Brasil

Legenda da foto,Roberto Campos Neto (foto), conclui seu mandato à frente do BC no fim deste ano; sucessão é um dos fatores de incerteza para a política monetária no Brasil à frente

Serrano, do BMG, acredita que o BC pode retomar os cortes da Selic já em março do próximo ano, levando a taxa a 9,5% ao final de 2025.

Já Ribeiro, da Tendências, passou a apostar em uma taxa básica de juros estável em 10,5% até o final do próximo ano – isso devido à questão fiscal no mercado interno e à aposta da casa no favoritismo de Donald Trump nas eleições americanas.

Na visão da economista, a agenda econômica do republicano – que inclui cortes de impostos para empresas e famílias americanas, o que aceleraria a economia dos EUA, mas pioraria a situação fiscal por lá – pode limitar uma queda do dólar no médio prazo, mantendo a pressão sobre a inflação por aqui.

Mais pessimista, Vale, da MB Associados, já vislumbra até a possibilidade de o BC ter de voltar a subir a Selic em algum momento.

Isso só mudaria, na visão do economista, se acontecer uma recessão forte nos EUA, que afete também o Brasil, o que então abriria espaço para o BC baixar os juros.

"Para o Brasil, há um cenário muito difícil à frente, que deve significar juros a 10,5% por mais tempo e um câmbio que deve permanecer pressionado pela questão fiscal e os riscos externos nos EUA e no Oriente Médio, onde pode haver uma escalada no conflito com Israel", diz Vale.

O economista não descarta que o câmbio chegue a bater em R$ 6 em algum momento deste semestre, embora ele acredite que a taxa deva fechar o ano num patamar mais próximo a R$ 5,40.

No boletim Focus, do Banco Central, a mediana das projeções dos economistas aponta para uma Selic a 10,5% no fim deste ano e 9,75% em 2025, e um dólar no patamar de R$ 5,30 para ambos os anos.