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A doutora em Matemática que foi ouro no ciclismo com vantagem tão grande que enganou 2ª colocada

Anna Kiesenhofer não precisa pedalar mais nenhum quilômetro na vida se não quiser. A austríaca já atingiu o auge. Relativamente desconhecida antes de Tóquio 2021, ela ganhou o ouro olímpico do nada

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC BRASIL 28/07/2021

"Já acabou? Eu tenho que continuar pedalando?"

Anna Kiesenhofer não precisa pedalar mais nenhum quilômetro na vida se não quiser. A austríaca já atingiu o auge. Relativamente desconhecida antes de Tóquio 2021, ela ganhou o ouro olímpico do nada.

Ela é matemática de profissão, com dois diplomas e um doutorado, e não faz parte de a nenhuma equipe profissional e ciclismo.

A ciclista de 30 anos teve um desempenho incrível — com pulmões e pernas no limite — conseguindo chegar mais de um minuto à frente da campeã mundial de 2019, a holandesa Annemiek van Vleuten.

A vantagem de Kiesenhofer foi tão grande que a holandesa não percebeu que havia ficado em segundo, comemorando na linha de chegada como se tivesse vencido, para depois reconhecer: "Eu me equivoquei".

A comunicação por rádio não é permitida no ciclismo olímpico, como é o caso nas corridas de rua profissionais.

"Este é um exemplo do que acontece quando você participa de uma corrida importante como essa sem comunicação", disse Van Vleuten.

"Eu não acho que ninguém prestou atenção nela. Eu não a conheço. Achamos que estávamos indo bem. Achamos que estávamos indo rumo ao ouro."

De ciclista amadora a campeã olímpica

Embora sua medalha em Tóquio tenha sido uma surpresa, Anna Kiesenhofer já havia dado sinais de ser uma ciclista que não deve ser subestimada.

Depois de estudar Matemática na Universidade Técnica de Viena e, em seguida, obter outro diploma da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, ela completou um doutorado na Catalunha em 2016, onde fez parte de uma equipe amadora de ciclismo.

Atualmente, trabalha na Universidade de Lausanne, na Suíça, onde combina pesquisa com ensino.

A austríaca iniciou a carreira de ciclista em 2014, após sofrer lesões que frustraram seu sonho de virar triatleta.

Com sua equipe catalã, sediada perto de Girona, ele conquistou a classificação para a Copa Nacional da Espanha em 2016.

Naquele mesmo ano, ela se inscreveu no International Women's Tour de l'Ardèche, na França, que incluiu uma etapa no icônico Mont Ventoux.

Kiesenhofer conseguiu vencer a etapa de 94,9 km com quase quatro minutos de vantagem. Ela terminou em segundo lugar na classificação geral.

Anna Kiesenhofer

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Na temporada seguinte, aos 26 anos, ela assinou com a equipe feminina da Lotto Soudal, mas depois de uma série de problemas em provas ficou sem contrato e parou com o ciclismo por um ano.

Ela voltou ao esporte em 2019, vencendo o campeonato nacional austríaco de corrida de rua e contra-relógio, título que repetiu duas vezes.

Apesar desses resultados, Kiesenhofer foi para Tóquio sem contrato profissional, mas agora escreveu seu nome nos livros de história de seu país, sendo a primeira pessoa do seu país a ganhar uma medalha olímpica no ciclismo.

Kiesenhofer também se tornou a primeira medalhista de ouro da Áustria desde os Jogos de Atenas de 2004.

Ao final da prova, ela provavelmente mal percebeu a magnitude de sua conquista, tendo desabado completamente exausta no chão do circuito.

"Eu estava apenas tentando atingir a linha de chegada. Minhas pernas estavam completamente exaustas", disse.

"Eu nunca me cansei assim em toda a minha vida. Eu mal conseguia pedalar. Sentia como se tivesse zero de energia nas pernas. É tão incrível. Realmente sacrifiquei muito hoje. Não esperava acabar assim."

Anna Kiesenhofer

CRÉDITO,REUTERS

Como ela surpreendeu o mundo do ciclismo

Kiesenhofer foi uma de cinco ciclistas que dispararam na frente do resto do pelotão assim que a corrida de 137 km começou.

Chris Boardman — campeão olímpico em Barcelona 1992 e comentarista de ciclismo da BBC — opinou na ocasião que as chances de sucesso dessa disparada eram de "uma em mil".

Com 70 km à frente das demais, o grupo foi reduzido a três: Kiesenhofer, Anna Plichta, da Polônia, e Omer Shapira, de Israel.

Quando faltava cerca de 40km, Kiesenhofer apertou o ritmo e deixou as adversárias para trás.

A holandesa Van Vleuten, que havia sofrido um terrível acidente na Rio 2016, quando era a favorita, escapou do pelotão em uma disparada solitária.

Ela havia sofrido uma queda mais cedo na corrida, mas, faltando 25km para o fim, tinha conseguido se recuperar.

Foi então que ela e suas companheiras de equipe saíram em perseguição às líderes e conseguiram alcançar Plichta e Shapira.

No pódio: Medalha de ouro Anna Kiesenhofer (centro), prata Annemiek Van Vleuten (à esquerda) e bronze Elisa Longo Borghini.

CRÉDITO,GETTY IMAGES

A prova terminaria com uma longa volta em uma pista de automobilismo e, antes de entrar nela, Kiesenhofer acelerou, deixando Plichta e Shapira para trás.

Vendo a polonesa e a israelense à distância, Van Vleuten aumentou o ritmo com cerca de 10 km pela frente, motivada por uma possível vitória. Van Vleuten estava convencida de que chegaria primeiro à linha de chegada.

Mas ela não havia se dado deu conta de que Kiesenhofer já estava muito à frente.

Depois de cruzar a linha de chegada, a austríaca caiu no chão em lágrimas, estupefata com o resultado da maior vitória de sua carreira.

Em seguida, Van Vleuten e a italiana Elisa Longo Borghini chegaram, conquistando prata e bronze.