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Qual o impacto da morte do presidente do Irã nos rumos do país
A morte de Raisi num acidente de helicóptero no domingo (19/5) bagunçou a crescente especulação sobre quem vai substituir o aiatolá Ali Khamenei
Ebrahim Raisi sempre esteve perto do poder no Irã e foi amplamente cotado para ascender ao topo.
No entanto, uma reviravolta dramática garantiu um outro destino a ele.
A morte de Raisi num acidente de helicóptero no domingo (19/5) bagunçou a crescente especulação sobre quem vai substituir o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo de 85 anos, cuja própria saúde tem sido o foco de intenso interesse durante muito tempo.
Não se espera que o trágico destino do presidente linha-dura do Irã perturbe a direção política do país ou chegue a abalar a República Islâmica.
Mas os acontecimentos das últimas horas vão testar um sistema onde os conservadores de linha dura dominam todos os ramos do poder.
"O sistema fará uma enorme exibição da morte [de Raisi] e seguirá os procedimentos constitucionais para mostrar funcionalidade, enquanto procura um novo recruta que possa manter a unidade conservadora e a lealdade a Khamenei", avalia Sanam Vakil, diretor do Oriente Médio e Norte da África da organização britânica Chatham House.
Os opositores de Raisi comemorarão a queda de um antigo procurador acusado de ter um papel decisivo na execução em massa de presos políticos durante a década de 1980 — algo que ele sempre negou. Eles esperam que o fim inesperado do governo apresse o fim do próprio regime.
Já para os conservadores que estão no poder no Irã, o funeral de Estado será uma ocasião carregada de emoção. Essa também será uma oportunidade para que comecem a enviar sinais de continuidade.
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"Raisi era um sucessor em potencial porque, tal como o próprio Khamenei quando se tornou líder supremo, era relativamente jovem, muito leal, um ideólogo comprometido com o sistema e com nome reconhecido", detalha Vakil sobre o opaco processo de seleção, onde vários vários nomes participam da disputa — incluindo o próprio filho de Khamenei, Mojtaba Khamenei.
Mesmo antes de a morte de Raisi ser oficialmente confirmada, o aiatolá compartilhou uma publicação no X (o antigo Twitter) dizendo que "o povo iraniano não deve preocupar-se, pois não haverá perturbações nos assuntos do país".
O desafio político mais imediato que o Irã enfrentará será a realização de eleições presidenciais antecipadas.
Por ora, o poder foi transferido para o vice-presidente Mohammad Mokhber, mas novas eleições devem ser realizadas dentro de 50 dias.
Este apelo aos eleitores surgirá poucos meses depois das eleições parlamentares de março terem revelado a participação mais baixa da história num país que outrora se orgulhava do alto engajamento público em votações.
As eleições recentes, incluindo a disputa de 2021 que levou Raisi à presidência, foram marcadas pela exclusão sistemática de rivais moderados e pró-reforma pelo órgão de supervisão eleitoral.
"Eleições presidenciais antecipadas poderiam proporcionar a Khamenei e aos altos escalões do Estado uma oportunidade de inverter essa trajetória, para dar aos eleitores um caminho de regresso ao processo político", avalia Mohammad Ali Shabani, editor do site de notícias Amwaj.media, com sede em Londres.
"Porém, infelizmente, até agora não vimos nenhuma indicação de que o Estado esteja pronto e disposto a tomar tal medida", complementa ele.
E, mesmo dentro das fileiras de Raisi, parece não haver um sucessor óbvio.
"Existem diferentes campos dentro deste grupo conservador, incluindo indivíduos que são mais linha-dura e outros considerados mais pragmáticos", salienta Hamidreza Azizi, membro visitante do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança, com sede em Berlim.
Azizi acredita que os eventos recentes vão intensificar a atual disputa por posições de destaque no novo parlamento e em governos locais.
Quem quer que assuma o cargo de Raisi herdará uma agenda proibitiva e um poder limitado.
Afinal, a palavra final na República Islâmica pertence ao Líder Supremo.
A política externa, especialmente na região, é da responsabilidade do Corpo da Guarda da Revolução Islâmica (IRGC), que detém um poder crescente.
O presidente não tomou a dianteira meses atrás, quando o Irã enfrentou tensões sem precedentes com Israel devido à devastadora guerra entre Israel e o Hamas.
À época, uma perigosa retaliação feita pelo Irã fez soar o alarme em muitas cidades, sobretudo em Teerã, sobre o potencial de uma espiral de violência cada vez mais arriscada.
Mas, enquanto Raisi lidava com os negócios do dia-a-dia, os iranianos lutavam para dar conta das dificuldades financeiras associadas às sanções internacionais paralisantes, bem como à má gestão e à corrupção.
A inflação disparou para mais de 40%. O rial (a moeda local) despencou em valor.
Sob a sua supervisão, a República Islâmica também foi abalada por uma onda extraordinária de protestos em setembro de 2022, após a morte sob custódia de Mahsa Amin, de 22 anos, que foi detida pela polícia moral por supostamente violar o rigoroso código de vestimenta do país.
Semanas antes da onda de manifestações, Raisi ordenou um endurecimento na "lei do hijab e da castidade" do Irã, que obriga as mulheres a se comportarem e a se vestirem modestamente, incluindo cobrir a cabeça com lenços.
Mas os protestos liderados por uma geração jovem de mulheres, que lutaram contra uma série de restrições, concentraram a fúria nas verdadeiras fontes de poder, como o Líder Supremo e o próprio sistema.
Grupos de direitos humanos dizem que a repressão aos protestos deixou centenas de mortos e milhares de detidos.
"Eleito com a participação mais baixa já registrada nas eleições presidenciais da história iraniana, Raisi não teve o mandato popular do seu antecessor", diz Shabani, em referência ao líder reformista Hassan Rouhani.
A popularidade inicial de Rouhani foi parcialmente alimentada pelo marco nuclear de 2015, que desmoronou quando o presidente americano Donald Trump retirou os EUA do acordo três anos depois.
As negociações indiretas entre a administração do atual presidente Joe Biden e a equipe de Raisi registraram poucos progressos recentemente.
"Raisi evitou grande parte da ira dirigida a Rouhani pelos opositores da República Islâmica, em parte porque ele era simplesmente visto como menos influente e eficaz", contextualiza Shabani.
A queda do helicóptero também matou o Ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir-Abdollahian, que desempenhou um papel ativo na tentativa de apresentar a versão de Teerã ao mundo e encontrar formas de aliviar o impacto punitivo das sanções.
Durante a diplomacia em torno da guerra Israel-Hamas, Amir-Abdollahian foi a voz ao telefone e o rosto nas reuniões com os aliados do Irã, bem como com os ministros de países árabes e ocidentais que se mostravam ansiosos por acalmar as tensões.
"Ele era um canal útil para transmitir mensagens", comentou uma importante fonte da diplomacia.
"Mas Amir-Abdollahian tendia a ser bastante protocolar, uma vez que o poder não estava nas mãos do Ministério das Relações Exteriores do Irã."
"A morte súbita de um presidente é normalmente um acontecimento com consequências. Mas, apesar de ser visto como um potencial Líder Supremo, faltava a Raisi apoio e uma visão política clara", pontua o analista Esfandyar Batmanghelidj, CEO da organização Bourse and Bazaar, do Reino Unido
"Agora, os operadores políticos que o elegeram irão se ajustar e avançar sem ele."