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Rafah em pânico com bombardeios de Israel; ONU diz que ofensiva terrestre será “massacre”
Israel elabora plano de ataque terrestre em Rafah; líderes mundiais condenam ação militar que tem matado civis palestinos
O pânico aumenta em Rafah e palestinos desesperados decidem se devem fugir do último refúgio em Gaza, enquanto Israel elabora planos para uma ofensiva terrestre que o chefe de ajuda humanitária das Nações Unidas alertou que poderia levar a “um massacre”.
Um número crescente de países e organizações internacionais estão agora lutando para convencer Israel a parar a sua planejada ofensiva. O primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, acusou o país de ficar “cego de raiva”.
O governo da África do Sul fez um “pedido urgente” ao Tribunal Internacional de Justiça na terça-feira (13) para determinar se as ações militares prolongadas de Israel na cidade do sul de Gaza exigem que “use o seu poder para evitar novas violações iminentes dos direitos dos palestinos em Gaza”.
Israel tem bombardeado Rafah com ataques aéreos há semanas e diz que está comprometido com uma ofensiva terrestre, já que a outra alternativa “é se render ao Hamas e sacrificar 134 pessoas”, disse o porta-voz militar israelense, tenente-coronel Peter Lerner, à CNN na terça-feira (13), referindo-se aos israelenses feitos reféns em Gaza. “Essa não é uma opção da perspectiva de Israel”, disse ele.
Ainda não está claro como ou quando uma ofensiva terrestre se desenrolaria, e essa incerteza está aumentando a ansiedade entre os palestinos em Rafah sobre para onde ir e o que fazer.
“Estamos perdidos. Não sabemos para onde ir. Estamos cansados. Temos andado por aí sem saber para onde ir”, disse Mo’men Shbair, um palestino deslocado em Rafah, acrescentando que reza para que o mundo pressione Israel para acabar com a guerra e “nos libertar”.
O chefe de ajuda das Nações Unidas, Martin Griffiths, alertou na terça-feira que tal ofensiva poderia levar a “um massacre” e deixar os esforços humanitários em Gaza “às portas da morte”.
Ele instou Israel a ouvir as advertências da comunidade internacional contra “as consequências perigosas” de uma invasão terrestre, dizendo que “a história não será gentil” se esses apelos forem ignorados.
Escolha impossível para 1,3 milhão de pessoas
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu instruiu na semana passada os militares do país a planejarem a “evacuação da população” de Rafah, depois de dizer que as Forças de Defesa de Israel “iriam em breve para Rafah, o último bastião do Hamas”.
O porta-voz das Forças de Defesa de Israel (FDI), Lerner, disse que os militares pretendem criar um plano que evacue os civis “fora de perigo” e diferencie os civis dos militantes do Hamas. No entanto, ainda não apresentou o seu plano de evacuação ao governo, disse ele à CNN.
Mais de 1,3 milhão de pessoas estão agora amontoadas em uma extensa cidade de tendas, junto à fronteira egípcia, em Rafah, o único espaço nominalmente seguro para os palestinos que fogem do norte e do centro de Gaza. As famílias já vivem com grave escassez de alimentos, água, medicamentos e abrigo, e com o risco diário de serem mortas pelo fogo israelense.
A África do Sul chamou Rafah de “o último refúgio para as pessoas sobreviventes em Gaza” e sugeriu que a ofensiva de Israel ali “constituiria uma violação grave e irreparável tanto da Convenção do Genocídio” como da ordem judicial de janeiro do Tribunal Internacional de Justiça que exigia que Israel tomasse “todas as medidas” para prevenir o genocídio em Gaza.
A ação militar israelense em Rafah “já levou e resultará em mais mortes, danos e destruição em grande escala”, afirmou o governo no seu pedido à Corte Mundial.
Os residentes enfrentam agora uma escolha impossível: permanecer na cidade e correr o risco de ficarem presos em uma sangrenta ofensiva terrestre israelense ou tentar fugir de Rafah, arriscando as suas vidas para fugir para cidades devastadas pela campanha de bombardeios de Israel, onde as restantes populações dizem serem forçados a beber água de banheiro e comer grama para permanecerem vivos.
Os palestinos em Rafah “suportaram um sofrimento inimaginável” depois de estarem “em movimento durante meses, enfrentando bombas, doenças e fome”, disse Griffiths da ONU em um comunicado na segunda-feira (12). “Para onde eles deveriam ir? Como eles deveriam permanecer seguros? Não há mais para onde ir em Gaza”.
Funcionários das Nações Unidas, do Tribunal Penal Internacional, bem como de um número crescente de países, incluindo os Estados Unidos, a União Europeia, o Reino Unido, a Arábia Saudita, o Egito, a Jordânia, o Catar e outros, expressaram preocupação com uma ofensiva terrestre e o seu impacto sobre a população civil.
A China apelou na terça-feira a Israel para parar as suas operações militares e fazer “todo o possível” para evitar baixas civis. “Nos opomos e condenamos os atos contra civis e o direito internacional”, disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China em nota.
A China apelou repetidamente a um cessar-fogo imediato em Gaza, instando Israel a por fim ao que chamou de “punição coletiva” ao povo de Gaza.
O ministro das Relações Exteriores italiano, Antonio Tajani, disse que a resposta de Israel ao Hamas é “desproporcional” e que “há muitos civis palestinos mortos que não são militantes do Hamas”.
E o rei da Jordânia, Abdullah II, disse durante uma visita à Casa Branca que uma operação terrestre em Rafah representaria uma devastação. “Não podemos permitir um ataque israelense a Rafah. Não podemos ficar parados e deixar que isso continue”, disse ele.
Algumas das palavras de condenação mais fortes de um líder estrangeiro vieram do primeiro-ministro da Irlanda, que disse ao parlamento irlandês que estava “muito claro” para ele que Israel “não está ouvindo nenhum país do mundo”.
“Existe um sério risco de ocorrer um massacre em Rafah se acontecer um ataque terrestre”, alertou Varadkar. “Eles [Israel] ficaram cegos de raiva. E acredito que eles vão tornar a situação muito pior para a sua própria segurança a longo prazo, se seguirem o caminho que estão seguindo”.
O procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, disse que seu escritório está “investigando ativamente quaisquer crimes supostamente cometidos” por Israel e estava “profundamente preocupado com o relato de bombardeio e potencial incursão terrestre das forças israelenses em Rafah”.
“Vivemos em terror”, dizem palestinos em Rafah
Embora Rafah seja considerada o último refúgio dos palestinos em Gaza, a cidade tem sido alvo de ataques aéreos e bombardeios israelenses há semanas.
Mais de 100 pessoas foram mortas quando ataques israelenses “extremamente intensos” atingiram vários locais em Rafah na segunda-feira, de acordo com a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino.
Na segunda-feira, o porta-voz das FDI, Daniel Hagari, disse que “houve uma onda de ataques da Força Aérea Israelense” em Rafah “para permitir” que as forças israelenses resgatassem dois reféns mantidos em cativeiro desde o ataque de 7 de outubro, “e para atingir terroristas do Hamas na área”.
Os ataques em curso causaram pânico em Rafah, com os palestinos tentando agora freneticamente decidir se devem ficar ou evacuar.
“A noite passada foi realmente terrível; vivíamos em terror como se fosse o Dia do Juízo Final”, disse um homem deslocado em um vídeo publicado pela Organização Mundial da Saúde.
“Havia tiros em todas as direções e não tínhamos para onde ir. Eles nos disseram que essa área era segura, eles nos disseram que Rafah estava segura. O bombardeio ocorreu em todas as direções, sem saber para onde virar ou para onde ir. Sentimos que íamos morrer”.
Outras pessoas deslocadas disseram que estão fugindo de Rafah e se dirigindo para Al-Maghazi, no centro de Gaza, e Khan Younis, no sul do enclave.
“Estamos voltando para Al-Maghazi por medo – estamos deslocados de uma área para outra”, disse a palestina Nahla Jarwan. “Onde quer que vamos, não há segurança. Nem em Al-Maghazi, nem em Rafah, nem em qualquer lugar”, acrescentou. “Estamos cansados de fugir de uma cidade para outra. As pessoas estão cansadas”, disse Nahla.
Os dois homens argentinos, que têm nacionalidade israelense e foram resgatados no ataque de segunda-feira (12), ficaram reféns durante 128 dias após a sua captura durante a violência do Hamas, que matou cerca de 1.200 pessoas e fez mais de 240 reféns.
Após o resgate de segunda-feira, o número total de reféns em Gaza é de 134, segundo Hagari. Desse número, 130 reféns são do ataque de 7 de outubro – com 29 mortos e 101 que se acredita estarem vivos. Os outros quatro estavam detidos em Gaza antes do ataque.
Netanyahu tem estado sob crescente pressão pública em Israel para garantir a libertação dos reféns em Gaza, com algumas famílias criticando abertamente as táticas do governo.
“Só a continuação da pressão militar, até à vitória completa, resultará na libertação de todos os nossos reféns”, disse Netanyahu após a libertação dos dois homens.