Política

Neri Geller diz que foi feito de "bode expiatório" em leilão mal organizado

Ex-secretário diz que presidente Lula foi "mal orientado" na pauta

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM GLOBO RURAL 12/06/2024
Neri Geller diz que foi feito de 'bode expiatório' em leilão mal organizado
Geller reforçou que não houve ilegalidade no pregão nem qualquer tipo de favorecimento ao seu ex-assessor | Wenderson Araujo

O ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, disse que o leilão para a compra de arroz importado, que resultou na sua exoneração, publicada nesta quarta-feira (12/6), foi um "equívoco político" conduzido de forma desorganizada pela cúpula do governo.

"Não sou culpado por esse equívoco que foi cometido. Não posso ser penalizado por um erro político cometido na condução desse leilão", afirmou Geller em entrevista à Band News.

O ex-secretário reclamou de ser usado como "bode expiatório" do episódio por conta de suas ligações com operadores diretos do certame.

Ele disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi "mal orientado" na pauta. Geller afirmou que o governo federal não seguiu as orientações técnicas e que a decisão de realizar o leilão não partiu dele, mas do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e da Casa Civil.

O ex-secretário reforçou que não houve ilegalidade no pregão nem qualquer tipo de favorecimento ao seu ex-assessor, Robson França, que comanda a bolsa e a corretora que intermediaram a venda de 116 mil toneladas de arroz a R$ 580 milhões.

Demissão

Geller voltou a negar que tenha pedido exoneração ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Publicamente, Fávaro disse ontem que Geller pediu demissão e ele aceitou.

O ex-secretário explicou que Fávaro ligou para ele do Palácio do Planalto para informar sobre a decisão de seu "afastamento" após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas que os dois iriam conversar mais tarde, o que não ocorreu.

A exoneração foi publicada nesta quarta-feira (12/6) no Diário Oficial da União. Inicialmente, a saída seria reportada "a pedido", mas Geller pediu para que o texto fosse retificado.

Sobre a relação dele com Robson França, presidente da Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e dono de corretoras que intermediaram 44% do volume de arroz e dos valores negociados no certame, Geller disse que não pode "tolher o direito" do seu ex-assessor de atuar no mercado.

Ele negou qualquer tipo de favorecimento no certame aos conhecidos ou fraude.

"Zero [favorecimento]. O Robson é advogado e tem escritório de consultoria. Não posso tolher o direito de tocar a vida dele. Não tenho grau de parentesco, ele exerce corretagem desde o ano passado. Ele participou de 10, 15, 20 leilões até ano passado. Aqueles valiam, esse não vale mais?", questionou na entrevista.

"Se lá atrás não teve problema, agora nesse edital porque ele é politizado eu vou servir para sair como bode expiatório dessa questão? Não, não vou aceitar. Que a Polícia Federal, que a Justiça averigue se tem qualquer irregularidade", acrescentou.

Geller disse que o edital de compra do arroz foi feito dentro dos parâmetros legais e que o pagamento das operações só ocorreria após o depósito de garantias, de 5% do valor da importação, e a concretização da entrega do cereal nos armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Robson França também é sócio de Marcelo Geller, filho do ex-secretário, em outro negócio. Na entrevista, Geller disse que a empresa não está ativa nem participou do certame.

"Estava sendo ventilado que meu filho teria participado do leilão, que ele abriu uma corretora em agosto do ano passado. Conversei com meu filho e ele categoricamente falou que essa corretora não foi ativada do ponto de vista de operacionalização, não fez nenhuma operação, não participou de nenhum leilão publico nem privado", pontuou.

"Se tiver ilegalidade, se tiver qualquer irregularidade, que seja punido com rigor. Mas eu estou muito tranquilo porque até onde tenho informações, o edital foi confeccionado dentro dos parâmetros legais", completou.

"Saio com a cabeça erguida, com a confiança do setor e com a certeza de que o presidente Lula vai continuar fazendo um bom trabalho para viabilizar quem produz", finalizou.

Geller repetiu algumas vezes que está "muito tranquilo" com a situação e cobrou investigação e punição aos envolvidos, em caso de irregularidades comprovadas. Ele lembrou o apoio e lealdade que deu a Lula desde a campanha eleitoral, que lhe rendeu críticas do agronegócio, e destacou que não torce pela queda de Fávaro do ministério.

"Se lá atrás não teve problema [em outros leilões públicos], agora nesse edital, porque ele é politizado, eu vou servir para sair como bode expiatório dessa questão? Não, não vou aceitar. Que a Polícia Federal, que a Justiça averigue se tem qualquer irregularidade", afirmou na entrevista.

"Sem dúvidas [o leilão foi desorganizado]. Primeiro porque se politizou muito o assunto por parte da oposição em um momento difícil do Rio Grande do Sul. Faltou organização, orientação. Se buscar nos anais das reuniões que fizemos, as posições técnicas não foram seguidas. Foi de forma açodada para fazer com que o arroz chegasse nas periferias dos grandes centros", argumentou Geller.

Segundo ele, não houve "má fé" da parte de ninguém, mas a condução foi equivocada em alguns momentos.

"Foi decisão da Casa Civil com Fávaro, com certeza. Como se deu, não consegui acompanhar, assunto foi puxado para o gabinete, o que é natural. Quem decidiu não fomos nós. Nós orientávamos tecnicamente que se fizesse alíquota zero de fora do Mercosul", afirmou.

Geller disse que o leilão foi feito de forma atropelada, açodada e sem ouvir o setor. "Acho que o presidente [Lula] foi mal orientado nessa questão da importação. O arroz tem preço globalizado, a importação mexe no preço no primeiro momento, depois não mexe (...) Acho justo se preocupar com preço do arroz, com a inflação, pois atinge a massa mais pobre da sociedade", ponderou na entrevista.

Articulação com setor produtivo

Durante a entrevista, Neri Geller disse que o ministro Carlos Fávaro precisa melhorar a articulação com o setor produtivo e com a bancada ruralista, mas que não torce pela queda do ministro.

"Não vou sair atirando no ministro Fávaro, mas que a relação do Congresso Nacional precisa ser melhorada, sim. E a bancada mais forte hoje é a Frente Parlamentar da Agropecuária", afirmou na entrevista. "Não estou torcendo pela queda do ministro. Estou torcendo para que ele pacifique, dialogue mais, converse, não centralize as ações, que confie a equipe técnica, no andar de baixo", argumentou.

Ele disse que o governo "precisa cuidar e corrigir rumos da articulação política". O recado não foi para o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, mas para outros ministérios, ressaltou.

Geller era o nome forte da Pasta na articulação com o setor produtivo e com a bancada ruralista. Na entrevista, ele disse que posições técnicas da sua equipe foram ignoradas na decisão de realização do leilão para compra de arroz, como a disponibilidade de arroz no país.

O ex-secretário disse que defendeu a retirada da Tarifa Externa Comum (TEC) para pressionar a queda dos preços do arroz no Mercosul, quando as cotações atingiram patamares especulativos, mas que as compras públicas deveriam ser escalonadas.

O primeiro leilão, para compra de 100 mil toneladas, foi cancelado. O segundo, que negociou 263,3 mil toneladas, foi anulado após suspeitas de irregularidades.