Brasil
Brasília faz 60 anos, encontra novas vocações, mas mantém desigualdade
21/04/2020
Outras vocações
A trajetória de Wilson, na Brasília que se inaugurava, foi bastante diferente dos rumos que os filhos tomaram quando Brasília se amadurecia, perdia a vegetação original e criava mais jeito de cidade. O filho mais velho, Alexandre Dunguel Pereira (49 anos), por exemplo, é formado em Publicidade. Chegou a trabalhar em repartição pública, mas há 20 anos é empresário, apesar das recomendações da mãe - que sempre o informa de concursos públicos que estão com inscrições abertas. Junto com outros dois sócios na mesma faixa etária, também criados em Brasília, Dunguel abriu uma firma para soluções em comunicação e tecnologia. Com o tempo, se especializaram em monitoramento de mídia. Hoje a empresa mantém a sede em Brasília, dispõe de filiais no Rio e em São Paulo, tem cerca de 100 clientes - a maioria empresas privadas e 80% fora da capital federal - e emprega 90 pessoas nas três praças. “Acabou que esse percurso pela iniciativa privada foi se abrindo e se tornou um bom caminho”, diz o empresário. As diferenças das jornadas do pai e do filho ilustram como Brasília, apesar de ser a sede da administração pública federal, com o tempo encontrou outras vocações econômicas. De acordo com estudo da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), no Distrito Federal, predomina o setor de serviços, e menos de um terço (27%) dos empregos estão nas repartições da administração pública, na defesa ou seguridade social. O setor de serviços atende a empresas e famílias com alto poder aquisitivo. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio real no 4º trimestre de 2019 em Brasília foi o maior do país: R$ 3.980, 43% acima da média nacional (R$ 2.261) e 28% acima de São Paulo (R$ 2.866), que concentra 31% da massa de rendimento do Brasil.Fincando raízes
Dunguel, como o pai, acha Brasília “ótima para viver”. E apesar de ter um trabalho que pode ser feito remotamente de qualquer lugar, ainda mora, trabalha e cria a sua filha na cidade. “A gente vai fincando raízes. Eu sou filho de Brasília.” Segundo ele, o Plano Piloto de Lúcio Costa ficou preservado “em alguns aspectos” conforme pensou o urbanista. “Aqui tem muito verde e espaço aberto.” Nesses lugares, é comum ver animais silvestres. Apesar do entusiasmo, Alexandre Dunguel, tem suas críticas. Acha que sua filha, Gabriela (12 anos), não desfruta da mesma autonomia e independência que ele tinha na mesma idade. “As gerações atuais não têm a mesma iniciativa que a gente tinha de pegar um ônibus. A gente sente um pouco sequestrado dessa liberdade, por conta da violência urbana, mas isso não é só Brasília.” O professor de Sociologia da UnB Arthur Trindade, especializado em políticas de combate à criminalidade e ex-secretário de Segurança Pública no Distrito Federal, avalia que, apesar da preocupação da sociedade local, Brasília tem uma situação de crimes letais “semelhante a grandes cidades norte-americanas.” Na comparação entre as unidades da Federação, o Distrito Federal está entre as cinco unidades com menor taxa de homicídio por 100 mil habitantes: 20,1 – quase a metade do Rio de Janeiro (38,4) e menos de um terço do Rio Grande do Norte (62,8), a pior situação do país como aponta o Atlas da Violência 2019, editado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo Arthur Trindade, o maior problema de segurança em Brasília está nos crimes contra o patrimônio, como furtos e roubos de carro. O especialista alerta, no entanto, que a situação varia dentro do DF. O Plano Piloto, onde moram Alexandre e Wilson, tem situação de segurança melhor que outros lugares, como as antigamente chamadas cidades-satélites ou os novos assentamentos urbanos distritais. “São coisas bem diferentes. Cada região administrativa tem uma situação distinta.” O problema da violência cresce nas proximidades do Distrito Federal, na região metropolitana de influência chamada de Entorno, formada por municípios de Goiás. Essas localidades funcionam como cidades dormitórios de Brasília, as pessoas moram lá e trabalham no centro da capital. O professor aponta que “o impacto da violência no Entorno é bem menor que o imaginário supõe. [No caso das estatísticas de homicídio,] as pessoas matam e morrem nos seus bairros.”Desigualdade
As diferenças apontadas pelo sociólogo quanto à violência entre as regiões administrativas do Distrito Federal e entre o DF e o Entorno também podem ser medidas com relação à desigualdade. Dados da Codeplan contabilizam que no Lago Sul, onde vive 1% da população do DF, a renda per capita é de R$ 8.317,19. Na Ceilândia, onde moram 15% da população local, a renda per capita é de R$ 1.120,02 – 7,42 vezes menor que a do Lago Sul. No Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA), a renda per capita é de R$ 569,97 - 14,59 vezes menor que a do Lago Sul. Na área, vive 1,2% da população do DF, inclusive os moradores que residiam próximos ao Lixão da Estrutural, o maior aterro sanitário da América Latina em funcionamento até dois anos atrás.Região administrativa | Estimativa populacional (quantidade %) | Rendimento per capita |
Lago Sul | 29.754 (1%) | R$ 8.317,19 |
Sudoeste/Octogonal | 53.770 (1,9%) | R$ 7.093,21 |
Plano Piloto | 221.326 (7.7%) | R$ 6.770,21 |
Lago Norte | 33.103 (1,1%) | R$ 6.394,04 |
Park Way | 20.511 (0.7%) | R$ 5.959,65 |
Jardim Botânico | 26.449 (0.9%) | R$ 5.872,08 |
Águas Claras | 161.184 (5,6%) | R$ 4.409,06 |
SIA | 1.549 (0,1%) | R$ 3.809,40 |
Cruzeiro | 31.079 (1,1%) | R$ 3.754,74 |
Guará | 134.002 (4,6%) | R$ 3.642,72 |
Vicente Pires | 66.491 (2,3%) | R$ 2.698,48 |
Núcleo Bandeirante | 23.619 (0,8%) | R$ 2.380,94 |
Sobradinho II | 85.574 (3,0%) | R$ 2.358,03 |
Taguatinga | 205.670 (7,1%) | R$ 2.208,21 |
Sobradinho | 60.077 (2,1%) | R$ 2.127,06 |
Gama | 132.466 (4,6%) | R$ 1.597,05 |
Candangolândia | 16.489 (0,6%) | R$ 1.415,65 |
São Sebastião | 115.256 (4,0%) | R$ 1.359,60 |
Riacho Fundo | 41.410 (1,4%) | R$ 1.310,51 |
Planaltina | 177.492 (6,2%) | R$ 1.139,82 |
Brazlândia | 53.534 (1,9%) | R$ 1.120,02 |
Ceilândia | 432.927 (15%) | R$ 1.120,02 |
Samambaia | 232.893 (8,1%) | R$ 992,41 |
Santa Maria | 128.882 (4,5%) | R$ 979,18 |
Itapoã | 62.208 (2,2%) | R$ 930,66 |
Recanto das Emas | 130.043 (4,5%) | R$ 857,74 |
Varjão | 8.802 (0,3%) | R$ 834,23 |
Paranoá | 65.533 (2,3%) | R$ 826,39 |
Fercal | 8.583 (0,3%) | R$ 815,93 |
Riacho Fundo II | 85.658 (3,0%) | R$ 795,03 |
SCIA | 35.520 (1,2%) | R$ 569,97 |
Distrito Federal | 2.881.854 (100%) | R$ 2.461,47 |
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