Sem sinais de que está achatando, a curva da pandemia do coronavírus no Brasil não para de se inclinar para cima, apesar dos esforços das autoridades de saúde. Na quarta-feira (29), ao atingir o patamar de mais de 6 mil novos casos confirmados por dia, o Brasil subiu para o 2º lugar na velocidade da infecção, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), tabulados pela Universidade Johns Hopkins.
Mas, diferentemente dos norte-americanos, nosso país sofre de falta crônica de testes e insumos para fabricação de novos testes. Por isso, esses números na realidade são ainda maiores. A notícia é ruim em todos os ângulos que os dados apontam.
Não apenas a velocidade do coronavírus é preocupante no Brasil, como também a aceleração dessa velocidade, tanto na curva de infectados quanto na de mortos. O país vem subindo em todos os parâmetros monitorados pela equipe de dados da CNN.
Duas semanas atrás estávamos em 14º lugar em velocidade de infecção e 12º em número de infectados, quando ainda tínhamos 14.475 casos confirmados. Mas com as sucessivas taxas de evolução mantidas pelo vírus, o país pulou para 2º lugar na velocidade, embora ainda mantenha 11º lugar em infectados. Atualmente o país possui 85.380 casos confirmados e 5.901 mortos.
A face mais dura da epidemia de COVID-19 se dá na curva de mortos. De segunda para terça ela se acelerou em 51%, quando atingiu o patamar de 400 mortes diárias de maneira consistente. Ou seja, essa foi a aceleração do vírus em um único dia na velocidade em que tira a vida dos brasileiros. Na mesma terça-feira, chegamos a ficar em 3º lugar no mundo nesse quesito, atrás do Reino Unido e dos Estados Unidos. Desde este dia o Brasil entrou para o grupo dos 10 países mais afetados pela doença, que mais tiveram mortos desde o início da epidemia. Nesse passo, o país pode, potencialmente, se tornar o 4º epicentro da pandemia. A OMS já manifestou preocupação quanto ao caso brasileiro.
Todos os dias infectados e mortos são incrementados acima de 8%, nesta semana, cumulativamente. Esse avanço é exponencial e não dá sinais de desaceleração. A taxa de letalidade brasileira também vem subindo, e hoje está em 7%. Esse número é alto devido a problemas de notificação, já que vários estados estão enfrentando dificuldades para contabilizar os mortos por COVID-19. Como os testes estão sendo direcionados para os mortos e doentes graves, o efeito matemático sobre a taxa é deixá-la maior do que realmente é. O número real é desconhecido e muda todos os dias.
Além disso, há também subnotificação dos mortos, já que muitas pessoas estão sendo enterradas como vítimas de pneumonia ou de síndrome respiratória aguda grave.
Para Marco Aurélio Safadi, professor de pediatria e infectologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a situação atual do país era esperada pelo crescimento que vinha se desenhando. “Vemos que há locais do país que estão muito frágeis, já com o sistema de saúde colapsando”, diz.
Para o especialista, uma das lições claras dos outros países a ser seguida no Brasil é que há um tripé de combate à epidemia: medidas de isolamento, medidas de higiene, como lavar as mãos e o uso de máscaras, e testagem ampla da população. “E não me refiro a testes rápidos de anticorpos, mas sim aos testes moleculares, que atestam a presença do vírus”, ressalta.
É neste último pilar que o Brasil tem tido mais dificuldade em seguir. Na Itália, há 31,6 testes por cada 1.000 habitantes, segundo dados compilados pelo site Our World in Data, da Universidade de Oxford. Nos EUA, são 17,51/1.000. No Reino Unido, 8,83/1000. Até o dia 26 de abril, de acordo com o boletim epidemiológico mais recente brasileiro, foram realizados 224.196 exames, ou 1,06 exame a cada mil habitantes.
“A testagem ajuda a isolar os casos e os contatos desses casos e tem impacto na transmissão do vírus na comunidade, principalmente na fase de ascensão. Pode-se dizer que essa é nossa maior fragilidade”, disse o especialista.
Safadi ressalta ainda que o momento do país ainda é de ascensão no número de casos e mortes, e lembra que a doença passou a atingir as camadas mais vulneráveis da população. “Vemos que ela migrou para um núcleo social menos privilegiado, mais carente, em que o impacto é sempre maior. É mais difícil de implementar as medidas de quarentena, e a população fica mais vulnerável.”