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Como se saber se bebida está adulterada — e outras dúvidas sobre intoxicação por metanol

Foram registrados ao menos 22 casos envolvendo contaminação pela substância no Estado — 5 confirmados e 17 em investigação

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 30/09/2025
Como se saber se bebida está adulterada — e outras dúvidas sobre intoxicação por metanol
Até agora, o Estado de São Paulo registrou 22 casos de suspeita de contaminação | BBC

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, anunciou nesta terça-feira (30) que a Polícia Federal (PF) abriu uma investigação para apurar o aumento de casos de intoxicação por metanol em São Paulo.

Foram registrados ao menos 22 casos envolvendo contaminação pela substância no Estado — 5 confirmados e 17 em investigação. As autoridades investigam cinco mortes como suspeitas de relação com o metanol, segundo o secretário estadual da Saúde, Eleuses Paiva.

A principal suspeita é de que as vítimas tenham ingerido bebidas alcoólicas contaminadas.

Nesta terça, a Vigilância Sanitária e a Polícia Civil de São Paulo fecharam dois dos bares na capital paulista onde vítimas teriam consumido as bebidas contaminadas — o bar Ministrão, nos Jardins, e o Torres, no bairro da Mooca.

Em coletiva de imprensa na terça, Lewandowski afirmou que a situação é grave e que é possível que a rede de distribuição dessas bebidas atue também em outros Estados, não apenas em São Paulo.

A hipótese de que os episódios tenham envolvimento do crime organizado também deve ser pauta da investigação da PF, segundo as autoridades.

Confira, a seguir, perguntas e respostas sobre os casos de intoxicação por metanol.

O que as investigações apontam até agora?

Até agora, o Estado de São Paulo registrou 22 casos de suspeita de contaminação.

Cinco pessoas morreram. Até o momento, em apenas um desses casos há confirmação de que a morte se deu após a ingestão de bebida adulterada.

Segundo o governo do Estado, todos os casos são de pessoas que, segundo as suspeitas, consumiram bebidas adulteradas na capital.

Na terça-feira (30/9), uma força-tarefa fez uma ação de fiscalização em três bares da capital paulista localizados nos Jardins, Zona Oeste, e na Mooca, Zona Leste. Foram apreendidas garrafas de bebidas sem rótulos.

Uma das vítimas com suspeita de intoxicação relatou ao programa Fantástico, da TV Globo, ter perdido a visão após o consumo de três caipirinhas. As bebidas foram compradas em um dos bares fiscalizados pela polícia nesta terça.

Outras vítimas também relataram a diversos meios de comunicação terem perdido a visão e terem sofrido convulsões, problemas nos rins, AVC (acidente vascular cerebral), além de outros sintomas.

Segundo o UOL, os casos estão ligados ao consumo de diferentes tipos de bebida, como gim, uísque e vodca. As bebidas foram compradas em diferentes lugares, como bares e adegas.

Ainda não se sabe se o metanol foi adicionado a bebidas falsificadas, ou se é um caso de contaminação durante a produção normal de um destilado — apesar das declarações dadas pelas autoridades até o momento apontarem para a primeira opção.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em reunião sobre casos de intoxicação por metanol

Crédito,Arthur Pacheco /Governo do Estado de SP

Legenda da foto,O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em reunião sobre casos de intoxicação por metanol

Em coletiva de imprensa nesta terça, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que as investigações conduzidas pela Polícia Civil do Estado começam com a interdição cautelar de todos os estabelecimentos onde houve o consumo das bebidas com suspeita de adulteração.

A partir daí, as autoridades averiguam qual a origem das bebidas vendidas nos comércios.

Ainda segundo Tarcísio, nos últimos dias foram apreendidas 50 mil garrafas com suspeita de adulteração.

Artur Dian, delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, afirmou ainda que uma operação foi deflagrada no município de Americana, no interior do estado, e dois indivíduos foram presos por suspeita de falsificação e adulteração de bebidas.

Em paralelo, o Ministério da Justiça informou que a PF abriu sua própria investigação para apurar a origem do metanol supostamente usado para batizar as bebidas alcoólicas.

Ainda não há casos suspeitos de intoxicação em outras partes do país mas, segundo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, "tudo indica que há distribuição para além do Estado de São Paulo".

Há relação do caso com o PCC?

A suspeita de uma ligação entre a venda de bebidas adulteradas e o crime organizado foi levantada após a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) afirmar em nota que o metanol utilizado para adulterar bebidas alcoólicas poderia ser o mesmo importado ilegalmente pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para "batizar" combustíveis (quando se mistura alguma substância mais barata junto ao produto original para ampliar o lucro).

Para a ABCF, "o fechamento nas últimas semanas de distribuidoras e formuladoras de combustível diretamente ligadas ao crime organizado, que importam metanol de maneira fraudulenta para adulteração de combustíveis, conforme já comprovado por investigações do GAECO e do MP de SP, podem ser a causa dessa recente onda de intoxicações e envenenamentos de consumidores que ao tomar bebidas destiladas em bares e casas noturnas, apresentaram intoxicação por metanol."

Segundo a organização, "ao ficar com tanques repletos de metanol lacrados e distribuidoras e formuladoras proibidas de operar, a facção e seus parceiros podem eventualmente ter revendido tal metanol a destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas".

O governo de São Paulo e a Polícia Federal, porém, divergem sobre o suposto envolvimento do grupo.

O diretor-geral da PF, Andrei Augusto Passos Rodrigues, afirmou que o órgão investiga a ligação do crime organizado com os casos.

Ele também justificou a atuação da PF no caso afirmando que é possível haver conexões com investigações recentes do órgão em São Paulo e no Paraná sobre a cadeia de combustíveis, já que parte da importação de metanol passa pelo porto de Paranaguá.

Os ministros da Saúde, Alexandre Padilha, e da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o diretor-geral da PF, Andrei Augusto Passos Rodrigues, em coletiva de imprensa

Crédito,Ministério da Justiça e Segurança Pública

Legenda da foto,Os ministros da Saúde, Alexandre Padilha, e da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o diretor-geral da PF, Andrei Augusto Passos Rodrigues, em coletiva de imprensa

Já o governador Tarcísio de Freitas afirmou que não há "evidência nenhuma" da participação do PCC no esquema de bebidas adulteradas.

"Tem esse negócio em São Paulo, tudo que acontece é o PCC. Muito tem se especulado sobre a participação do crime organizado nessa adulteração. Só para deixar claro, não há evidência nenhuma de que haja crime organizado nisso. Os inquéritos apontam que as pessoas que trabalham nessas destilarias clandestinas não têm relação com o crime organizado nem entre si. São pessoas que fraudam rotineiramente bebidas e, como temos falado, é um problema estrutural", disse o governador.

O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP), também afirmou que "a hipótese de envolvimento da facção está totalmente descartada".

Como se proteger de bebidas adulteradas e identificar falsificações?

Diante dos casos recentes, associações como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) compartilharam dicas para a população se proteger e até a identificar uma bebida falsificada ou adulterada:

  • Faça as compras de bebidas em locais de confiança;
  • Desconfie de preços muito abaixo do mercado;
  • Desconfie do líquido se ele apresentar micropartículas e sujeiras;
  • Exija nota fiscal, para garantir que a bebida tenha sido distribuída por fornecedores confiáveis;
  • Verifique o lacre. Se estiver violado, a bebida pode ter sido adulterada;
  • Rótulos mal colados ou informações borradas também podem ser sinais de falsificação;
  • Procure na embalagem o registro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA);
  • No caso dos destilados, procure o selo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Se não estiver na embalagem, normalmente perto da tampa, significa que a bebida não foi fiscalizada por autoridades brasileiras.

O que é metanol?

O metanol é um produto químico industrial encontrado em fluidos anticongelantes e de limpadores de para-brisa.

Não se destina ao consumo humano — e é altamente tóxico.

Tomar até mesmo pequenas quantidades pode ser prejudicial. Algumas doses de bebida alcoólica clandestina que contenham a substância podem ser letais.

O metanol tem a aparência e o sabor do álcool, e os primeiros efeitos são semelhantes — ele pode fazer com que você se sinta embriagado e enjoado.

Inicialmente, as pessoas podem não perceber que há algo errado.

O dano acontece horas depois, quando o corpo tenta eliminá-lo do organismo, metabolizando-o no fígado.

Este processo gera subprodutos tóxicos chamados formaldeído, formiato e ácido fórmico. Eles se acumulam, atacando nervos e órgãos, o que pode levar à cegueira, ao coma e à morte.

"O formiato, que é a principal toxina produzida, age de forma semelhante ao cianeto e interrompe a produção de energia nas células, e o cérebro parece ser muito vulnerável a isso", explica Christopher Morris, professor da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.

"Isso leva a danos em certas partes do cérebro. Os olhos também são diretamente afetados, e isso pode causar cegueira, o que é visto em muitas pessoas expostas a altos níveis de metanol."

Mulher olha prateleiras de bebidas em estabelecimento

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Doses de bebida alcoólica clandestina que contenham a substância podem ser letais

A toxicidade do metanol está relacionada à dose que você toma — e à forma como seu corpo lida com ela.

Assim como acontece com o álcool, quanto menor o seu peso, mais você pode ser afetado por uma determinada quantidade.

O médico Knut Erik Hovda, da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), que monitora envenenamentos por metanol, diz que a conscientização varia muito entre os turistas e a equipe de saúde em diferentes partes do mundo — e isso pode significar atrasos no diagnóstico.

"Os sintomas geralmente são muito vagos até que você fique realmente doente", afirmou ele à BBC.

Como é tratada a intoxicação por metanol?

A intoxicação é uma emergência médica e deve ser tratada em um hospital.

Há tratamentos à base de medicamentos que podem ser administrados, assim como diálise para limpar o sangue.

Alguns casos podem ser tratados com álcool (etanol) para "competir" com a metabolização do metanol. Mas isso deve ser feito rapidamente e sob supervisão médica.

"O etanol atua como um inibidor competitivo, impedindo em grande parte a metabolização do metanol, mas retardando-a consideravelmente, permitindo que o corpo libere o metanol dos pulmões e um pouco por meio dos rins, um pouco pelo suor", explica Alastair Hay, professor especialista em toxicologia ambiental da Universidade de Leeds, no Reino Unido.

Hovda afirma que obter ajuda logo após o consumo de metanol é crucial para as chances de sobrevivência.

"Você pode aliviar todos os efeitos se chegar ao hospital cedo o suficiente, e se o hospital tiver o tratamento necessário", diz ele.

"Você pode morrer com uma proporção muito pequena de metanol, e pode sobreviver com uma proporção bastante substancial, se conseguir ajuda."

"O antídoto mais importante é o álcool comum."

Outros casos pelo mundo

Recentemente, tragédias envolvendo bebidas alcoólicas adulteradas por metanol ocorreram em países como Rússia, Turquia, Laos e Kuwait, causando dezenas de mortes e muitos casos de hospitalização.

Na Rússia, dezenas de pessoas foram contaminadas com metanol após ingerirem vodca produzida ilegalmente — ao menos 25 mortes já foram relatadas nos últimos dias.

Em Istambul e Ancara, na Turquia, bebidas clandestinas intoxicaram centenas de pessoas desde o início de 2025, com pelo menos 160 mortes confirmadas.

No Laos, seis turistas de diferentes nacionalidades morreram após consumirem bebidas contaminadas em Vang Vieng. O ocorrido levou ao fechamento de fábricas suspeitas e a proibição de certas marcas de vodca e uísque locais consideradas riscos à saúde pública.