O jornal inglês Financial Times destaca crescimento econômico de MT e a nova fronteira agrícola e republicada pelo Jornal Folha de S. Paulo, em edição de quarta feira, 17.
A reportagem é assinada pelo jornalista Bryan Harris, e tem a tradução de Paulo Migliacci, da Folha. Na reportagem o jornalista cita a produção de soja no estado e o apetite da China pela produção mato-grossense.
Veja a Reportagem
Rodrigo Pozzobon sorri como se não conseguisse acreditar completamente em sua boa sorte. É o sorriso dentuço e atordoado de um homem que acaba de encontrar um tesouro.
De certa forma, ele o fez. Mais de 1.000 km a oeste dos grandes estados costeiros do Brasil – e mais perto, em linha reta, do Oceano Pacífico do que do Rio de Janeiro–, o agricultor está desfrutando de um boom que atraiu pouca atenção entre seus concidadãos e menos ainda no mundo mais amplo. Pozzobon, 35, é um dos reis da soja no Brasil.
Calçando mocassins de camurça e vestindo uma camiseta alinhada, ele passaria facilmente por integrante da turma da Faria Lima –a elite de São Paulo, que vive, trabalha e se diverte em torno do distrito financeiro da cidade.
Mas Pozzobon nasceu e se criou no estado de Mato Groso, no extremo oeste do Brasil, e tem raízes profundas por lá. Seu pai trabalhava a terra para uma cooperativa na década de 1980, antes de estabelecer uma fazenda própria. Hoje, Pozzobon filho tem duas fazendas e duas casas. São Paulo só lhe é útil para ocasionais viagens de fim de semana.
“Não consigo me imaginar vivendo em qualquer outro lugar”, ele diz em inglês, antes de começar a falar em português, quando seu entusiasmo excede seu conhecimento do idioma. “Os lucros aqui são bons demais”.
Nos últimos 20 anos, Mato Grosso, um estado com área quase duas vezes maior que a da Espanha, se tornou um dos maiores produtores mundiais de uma safra tão lucrativa que os moradores locais a chamam de “ouro verde”. É um boom estimulado por mudanças geopolíticas, da ascensão da China, com sua demanda insaciável por produtos alimentícios, à chegada de líderes populistas como o presidente Jair Bolsonaro, que é ídolo para muita gente no Mato Grosso.
O boom também foi alimentado pelo tipo de destruição ambiental e pela extração descontrolada de recursos que vêm maculando a imagem internacional do Brasil nos últimos anos. Mato Grosso agora é dominado por plantações agrícolas vastas e planas, que lembram a região meio-oeste dos Estados Unidos.
Em sua porção norte, onde essa paisagem se encontra com a floresta amazônica, o estado se tornou um dos pontos focais do desflorestamento ilegal.
Mas esses não são assuntos que pesem demais nos pensamentos de Pozzobon. Riqueza e progresso são as palavras de ordem, e ele se sente otimista. “Poderíamos esbofetear a China e ela ainda viria comprar nossa soja, porque não tem outra opção”, ele diz. “Não há outro lugar de que comprar”.
Estados litorâneos como o Rio de Janeiro e a Bahia dominaram o Brasil por séculos. No século 20, a ascensão de São Paulo, um polo industrial, e a construção de Brasília como centro político transferiram para o interior o foco da maior nação da América Latina.
Agora ele está mudando de novo, para áreas no passado vistas como inacessíveis. Bem distante da depressão econômica que solapou a vitalidade de lugares como o Rio de Janeiro e São Paulo, Mato Grosso representa um território de fronteira em expansão, que vem desempenhando papel crucial na determinação do futuro do país.
Sua ascensão também está mudando a ideia central sobre o Brasil. A euforia da primeira década do milênio –quando o crescimento descontrolado das commodities fez do país o queridinho dos investidores internacionais– passou há muito tempo. O crime e a pobreza dispararam.
A corrupção continua enraizada e as instituições democráticas são frágeis. Bolsonaro –capitão reformado do exército e dado a ocasionais vulgaridades– conta com muito apoio no Brasil, mas sua retórica quanto ao meio ambiente e os direitos humanos está fazendo do país, aos poucos mas constantemente, um pária na comunidade internacional.
Com o Brasil prejudicado por uma crise de identidade, aqueles que vivem e trabalham em Mato Grosso propõem uma narrativa diferente. Sua terra de fronteira oferece uma história de esperança e oportunidade.
Trata-se de, como afirma Francisco Olavo Pugliesi de Castro, da Famato, uma associação que representa os produtores agrícolas do estado, “um novo Brasil que nem mesmo os brasileiros conhecem”.
A rodovia BR-163 atravessa o Brasil, com poucas interrupções, do sul ao norte. Dentro do Mato Grosso, o trajeto da estrada é reto, e dirigir deveria ser tarefa simples. Não é.
Um fluxo ininterrupto de carretas disputa a supremacia automotiva contra uma frota de picapes brancas –um símbolo de sucesso para os ricos proprietários rurais da região. Os motoristas estão cientes da localização das poucas câmeras de controle de velocidade na região e, nos intervalos entre elas, não existem regras. Imagine uma espécie de "Mad Max" agrícola.
O surpreendente é que o ruído desaparece, a alguns minutos de distância da rodovia. Se você virar para o leste ou para o oeste, se verá embrenhado em terra arável ininterrupta, uma planície que se estende por centenas de quilômetros. Nos quadrantes remotos do estado vivem comunidades indígenas, em terras demarcadas que são cobiçadas por aqueles que os indígenas denominam “kajaiba” [homens brancos].
A rodovia é uma peça de infraestrutura vital –se bem que precária– que permite que os reis da soja brasileiros levem seu produto ao mundo externo. Ela conecta as cidades de rápido crescimento em Mato Grosso, como Sinop, Sorriso e Nova Mutum, a Cuiabá, no sul, e às artérias fluviais da Amazônia, 1.000 quilômetros mais ao norte.
Encontrei-me com Pozzobon em Lucas do Rio Verde, uma cidade em expansão e planejada cuidadosamente, que está classificada entre os municípios mais desenvolvidos do Brasil. Lucas, como a cidade é conhecida pelos moradores locais, conseguiu que seu crescimento acelerado dos últimos anos resultasse em investimento na educação e nos serviços municipais. O desafio, para as autoridades locais, é gastar o dinheiro arrecadado em impostos com suficiente rapidez para acompanhar a disparada na população.
“É outro Brasil, aqui”, diz Pozzobon, que me conta que o Mato Grosso é o único estado que cresceu durante a pandemia do coronavírus (na verdade, as projeções são de que sua economia tenha se contraído em cerca de 1% no ano passado, mas esse continua a ser um dos melhores desempenhos entre os 27 estados brasileiros.) O motivo é simples, ele diz: “Na pandemia, as pessoas pararam de fazer muitas coisas, mas não pararam de comer”.
Respondendo por 22% do PIB (Produto Interno Bruto), o sucesso da agricultura é um dos raros pontos positivos em um país cujos setores de serviços e industrial continuam a encontrar problemas para se recuperar da recessão devastadora que surgiu cinco anos atrás.
Fernando Tadeu de Miranda Borges, professor de Economia na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), não vê sinais de desaceleração. “Mato Grosso propelirá o desenvolvimento econômico brasileiro”, ele diz, ainda que advirta que o sucesso depende de manter relações diplomáticas e comerciais, especialmente com Pequim, que Bolsonaro critica e insulta constantemente.
Booms agrícolas são um traço característico da economia brasileira desde a chegada dos primeiros exploradores portugueses, em 1500. Primeiro veio o açúcar, depois o café e o cacau. Também houve uma corrida do ouro no estado de Minas Gerais, para onde o influxo de mineradores foi tão grande, em dado momento, que causou uma onda de fome que resultou na morte dos garimpeiros recém-chegados.
No entanto, esses booms em geral ocorreram em terras fartas, já ideais para o cultivo, e em áreas relativamente próximas à costa do país, e dotadas de acesso à navegação e logística. No Mato Grosso, nada disso está disponível.
Até o final do século 20, a vasta savana do Cerrado, que domina a maior parte do território de Mato Grosso, formando quase que um perímetro meridional para a floresta amazônica, era considerada bruta demais para a agricultura. Isso mudou com avanços tecnológicos como a modificação genética de safras e novos métodos de fertilização de solo, que abriram a terra para a produção de milho, algodão e soja.
Esse processo foi, por sua vez, propelido pela ascensão da China. Com a alta da demanda por carne na segunda maior economia do planeta, subiu também a demanda por matérias-primas como a soja, necessária para alimentar os animais antes do abate.
Nos últimos dez anos, o Brasil elevou sua produção de soja –usada também na produção de óleo– de 75 milhões para mais de 130 milhões de toneladas, em 2020. O país superou os Estados Unidos e se tornou o maior produtor mundial da commodity. A produção de milho quase dobrou, para 105 milhões de toneladas.
Mas para os moradores das grandes cidades brasileiras, o Mato Grosso continua a ser uma ideia distante, e é mais conhecido por seu calor escaldante do que como propulsor da economia nacional. Depois de um anúncio recente da montadora Ford de que deixaria de produzir veículos no país, o governador da Bahia lamentou o declínio da indústria, declarando que “o Brasil está determinado a se tornar uma grande fazenda”.
Para alguns moradores locais de Mato Grosso, há um sentimento de indignação por seu estado de 3,5 milhões de habitantes não ser reconhecido por suas realizações. “Já somos maiores do que São Paulo em termos de PIB agrícola”, diz Mauro Mendes, o governador do estado, de seu gabinete na capital, Cuiabá. Além disso, ele acrescenta, “existem novas fronteiras a explorar”.
Duas horas ao norte de Lucas, na BR-163, fica a cidade de Sinop. Com população de mais de 150 mil habitantes, e crescendo, Sinop é o polo do desenvolvimento urbano na região, com avenidas largas e praças bem cuidadas.
“Ainda não temos o que vocês têm em São Paulo, em termos de teatros e entretenimento, mas estamos contentes em ver progresso e desenvolvimento”, diz Angelo Carlos Maronezzi, que dirige um centro de pesquisa agrícola na cidade. “Viver aqui é muito gratificante porque existem muitas oportunidades –de trabalhar, de crescer, de desenvolver ideias”.
Cinquenta anos atrás, essa porção do Mato Grosso era dominada por uma mistura de floresta e de vegetação rasteira, e quase desabitada. Encorajadas pelos governos militares, obcecados com o desenvolvimento dos territórios remotos do país, ondas sucessivas de migrantes vindos do sul do Brasil começaram a chegar, nas décadas de 1970 e 1980.
Muitas vezes descendentes de imigrantes italianos, alemães e do leste europeu para o Brasil, a chegada deles alterou rapidamente a composição étnica da população da região, indígena e de raça mista.
Essa história é promovida com insistência em Sinop. Na prefeitura existem retratos dos “colonos” da década de 1970, ao lado de imagens em branco e preto de escavadeiras derrubando a floresta nativa. Se reproduzidas hoje, essas cenas causariam furor. “Tomamos um estado que nada valia, uma terra sem valor, e a domamos com tecnologia e com novos métodos de fertilização”, disse Maronezzi, que se mudou do sul do Brasil para o Mato Grosso em 1992.
A positividade é frequente entre os moradores com quem conversei em minhas viagens pelo estado, especialmente em Sinop e Sorriso, onde as ruas são dominadas por grandes casas com portões, que evocam mais Miami que o meio do nada no Brasil.
As queixas são bastante raras, ainda que, pressionado, o vereador Ícaro Francio Severo, de Sinop, tenha dito que o município sofre problemas em seus sistemas de esgoto, bem como pelo excesso de burocracia. Poucos vereadores em outras partes do Brasil considerariam que essas questões são problemas.
“Quando chegamos, tudo estava acontecendo, tudo estava crescendo. Ficamos encantados, diz Glaucia Regina Santos, proprietária de um restaurante de beira de estrada frequentado por caminhoneiros, na BR-163. À primeira vista, Santos não parece ser uma porta-voz representativa desse novo Brasil.
Quando conversamos, em seu empoeirado estabelecimento, ela estava acomodada diante de um enorme ventilador e mal se mexia, tentando se refrescar ante uma temperatura de quase 40 graus. Dois empregados ali perto também estavam imóveis, e só se mexiam para receber pagamentos dos poucos caminhoneiros de passagem, pelos cafés e cigarros que compravam.
Mas Santos mostra muito mais vivacidade, quando questionada sobre o Mato Grosso. “Mato Grosso quer dizer sucesso”, ela diz, destacando as oportunidades de trabalho e estudo que os jovens têm nas numerosas universidades da região (há sete delas em Sinop). “Quem quiser trabalhar, ganhará dinheiro”, diz Santos. “Quem chegar aqui com coragem, ganhará dinheiro”.
É um otimismo surpreendente, especialmente para os visitantes, como eu, mais familiarizados com os problemas dos estados costeiros do Brasil. O Rio, por exemplo, está falido há anos –e o declínio fica evidente nas fachadas corroídas de seus edifícios “art déco” um dia reluzentes.
A despeito de sua abundância de recursos naturais, Minas Gerais também está falido. Existe riqueza em São Paulo, mas sua distribuição é desigual, entre a cidade moderna e desenvolvida e o vasto anel de favelas em sua periferia.
A maioria dos economistas aponta que o crescimento no Brasil acontece em ciclos, historicamente. Observado de mais perto, ele também é agudamente geográfico. No sublime romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, o progresso é o lema para os personagens que dirigem plantações de cacau na Bahia da década de 1920. Hoje, o estado é um dos mais pobres do Brasil.
O Rio de Janeiro, enquanto isso, aproveitou a onda das commodities da década passada. Mas desde seu colapso, o estado vem buscando outro propulsor econômico que não o turismo, que foi severamente prejudicado pelas duas epidemias da cidade: a Covid-19 e o crime. Mesmo São Paulo –polo industrial e de produção– luta para acompanhar o ritmo dos concorrentes mundiais. Simplesmente não existe investimento suficiente.
Santos, que se transferiu de São Paulo ao Mato Grosso mais de uma década atrás, diz não ter planos de retornar. “É uma vergonha eu não ter vindo [para cá] quando era mais jovem”, ela diz.
O orgulho local não é a única coisa que une os batalhadores das terras fronteiriças brasileiras. Eles também acreditam em Bolsonaro.
O presidente conquistou sua vitória eleitoral em 2018 aproveitando uma onda de insatisfação popular com a corrupção. Desde então, seu governo vem sendo caracterizado por tentativas intermitentes de reforma econômica, constantes disputas políticas internas e controvérsias internacionais, especialmente quanto à destruição da floresta amazônica.
Para observadores externos, Bolsonaro se assemelha a Donald Trump em seu uso da política populista e de uma linguagem inflamatória. Mas enquanto a mensagem de Trump ecoava principalmente nas regiões economicamente marginalizadas dos Estados Unidos, a de Bolsonaro encontra simpatia entre os produtores e comunidades mais endinheirados, que aplaudem sua abordagem de não interferência com os negócios, depois de anos de governança esquerdista.
Bolsonaro obteve 66% dos votos em Mato Grosso na eleição presidencial de 2018. Mas seu apoio no cinturão agrícola que floresce ao norte da capital, Cuiabá, é ainda mais alto. Mais de 77% dos moradores de Sinop votaram no homem que chamam de “mito”. Sorriso, uma cidade que se define como “a capital da agricultura brasileira”, registrou resultados semelhantes.
O rosto do presidente é onipresente em outdoors na região, erigidos por grupos dedicados de seguidores locais. Em uma visita recente a Sinop e Sorriso, ele foi cercado por uma multidão de fãs. “Você precisava tê-lo visto no evento aqui. Entrou no meio da multidão para abraçar as pessoas. Ele é assim, bem populista”, disse Severo, o vereador de Sinop.
“E dá valor ao agribusiness. Eliminou muita burocracia, acelerou os investimentos e direcionou dinheiro ao agribusiness. Também atrai os agricultores por defendê-los quanto às questões ambientais, protegendo-os daqueles na esquerda que dizem que estão destruindo a Amazônia."
Não é só financeiramente que Bolsonaro tem conexões com os moradores da região; ele também compartilha de sua fé. Como a maior parte do Brasil rural, o Mato Grosso continua a ser profundamente religioso, mas a composição de seus fiéis vem mudando. Nas duas últimas décadas –em paralelo com o renascimento econômico da região–, o estado está na vanguarda de um fenômeno que varreu o Brasil: a expansão das igrejas evangélicas.
Bolsonaro continua oficialmente a se declarar católico, mas conquistou o apoio do movimento evangélico ao ser batizado por um pastor no rio Jordão, Israel, dois anos antes de disputar a presidência. Foi uma jogada astuta. Se as tendências atuais persistirem, em 2030 a maioria dos brasileiros devem se identificar como cristãos evangélicos.
As mudanças já são abundantemente claras no Mato Grosso. Em 2000, os evangélicos representavam 16% da população do estado –número que saltou para 25% em 2010. O recenseamento de 2020 foi adiado por conta da pandemia, mas pesquisas regionais indicam que consideravelmente mais de 30% dos mato-grossenses se declaram evangélicos, agora.
“O que faz com que Sorriso prospere é a religião. Noventa por cento da prosperidade vem dela”, diz Cristiane Silva Paulino Rodrigues, moradora da cidade, ecoando o “evangelho da prosperidade” que ressoa em todo o Brasil. De acordo com essa interpretação da Bíblia, os fiéis devem destinar um dízimo de seus ganhos à igreja, e em retorno Deus lhes dará riqueza material.
Bruno Mendes dos Santos, pastor das Igreja Mundial do Poder de Deus, em Sorriso, diz que as igrejas são importantes para manter um senso de comunidade e responsabilidade, nessas cidades fronteiriças. “Religião é o traço de união”, ele diz, quando lhe pergunto sobre o papel da fé em lugares como Sorriso. “Ajuda em tudo”.
Se a classe média urbana das grandes cidades brasileiras enfrenta dificuldade para entender por que Bolsonaro continua tão popular, os moradores dessa região agrícola do país não conseguem compreender por que ele é tão odiado em outras áreas. “Só gosto do jeito dele”, diz Madalena Euclides dos Santos, que vende roupas religiosas em uma loja em Sinop. “Ele é um político que fala as coisas como são. Os brasileiros estão acostumados com as mentiras doces. Mas ele não esconde quando é preciso nos dizer verdades duras”.
Bolsonaro também conquistou simpatia na região por se concentrar naquilo que ela mais precisa do governo federal: investimento em infraestrutura. No ano passado, seu governo conseguiu asfaltar a BR-163 até o porto amazônico de Miritituba, o que significa que os agricultores do Mato Grosso podem usar os caudalosos rios da selva para transportar seus produtos ao mundo. Ele também advoga a construção de conexões ferroviárias que cruzariam o Mato Grosso de norte a sul e de leste a oeste.
Os planos enfrentam oposição de organizações indígenas, que devem perder partes de suas terras supostamente protegidas para que os projetos sejam realizados. Mas para os agricultores da região, esse é o próximo passo inevitável de desenvolvimento. Apesar de toda a importância da BR-163, as distâncias no Brasil são grandes demais para que o transporte rodoviário faça sentido econômico ou ambiental. É mais barato para os exportadores enviar seus produtos dos portos brasileiros à China do que de estados no interior, como Mato Grosso, aos portos.
“Uma vez visitei um agricultor americano em Iowa e ele estava zangado por precisar transportar sua soja por 25 quilômetros até o trem mais próximo”, diz Pozzobon. “E eu lhe contei que gostaria de me zangar por um motivo assim –nós levamos nosso produto de caminhão por 2.100 km até o porto mais próximo [o de Paranaguá]”.
A população mundial deve chegar aos 10 bilhões de pessoas nos próximos 30 anos, e os agricultores de Mato Grosso terão ainda mais a ganhar. Mas a proliferação de superfazendas no Brasil tem um preço. Entre 2009 e 2019, quase 14 mil km2 de floresta nativa foram destruídos em Mato Grosso –uma área comparável à do estado americano do Connecticut e o segundo maior ritmo de desflorestamento no Brasil, atrás apenas do estado amazônico do Pará.
“O estado de Mato Grosso assumiu compromissos de redução do desflorestamento, em Paris [na conferência sobre a mudança do clima de 2015]... e o governo estadual aumentou o número de inspeções e a fiscalização dos embargos, o que é positivo, disse Cristiane Mazzetti, da Greenpeace no Brasil. Mas mesmo assim, o desflorestamento em Mato Grosso voltou a crescer em 2020.
“O governo federal sinaliza rotineiramente que crimes ambientais serão tolerados. E para agravar as coisas, o governo prevê cortes significativos este ano no orçamento de inspeções e combate a incêndios florestais e desflorestamento”, ela diz.
O desmatamento do estado começou há décadas, quando a política de “desenvolvimentismo” adotada pelo governo militar buscou unir o Brasil por meio da construção de cidades e estradas, entre as quais a BR-163. Mas a destruição continua, sob Bolsonaro, cuja retórica em favor de agricultores, garimpeiros e madeireiras é interpretada como uma luz verde para a destruição de florestas.
Para os defensores do setor agrícola, as organizações ambientais interpretam a situação erroneamente. “Se não fosse por nós, como o mundo se alimentaria?”, argumenta Francisco Olavo Pugliesi de Castro, da Famato.
“Quantos dias o mundo aguenta sem alimentos brasileiros? No dia em que o resto do mundo começar a ver o Brasil como aliado, como o país que produz alimentos para o mundo, tudo mudará. Cada país tem sua vocação. A China é o centro industrial. Os Estados Unidos comandam o mundo capitalista e democrático. E a vocação do Brasil é produzir comida."
Renato Farias, diretor do Instituto Centro de Vida, uma organização sediada na fímbria amazônica do norte de Mato Grosso e que promove a sustentabilidade, diz que a discussão sobre desflorestamento ilegal é delicada –é como “ir contra a própria herança”.
Farias abraça uma ideia que vem ganhando favor entre os políticos e os agricultores do Brasil, que afirmam que, com novas tecnologias e técnicas sustentáveis, o Brasil pode dobrar o rendimento de sua produção agrícola sem ter de desmatar novas áreas. Mas apesar dos atrativos da ideia, por enquanto a destruição do meio ambiente continua.
Em longo prazo, as questões ambientais podem ser o fator que travará o crescimento do Mato Grosso. A volatilidade do clima já começou a impactar as safras. Além disso, cientistas acreditam que se o desflorestamento da Amazônia continuar até que ultrapasse um dado “ponto de inflexão”, os padrões climáticos que sustentam a agricultura –e a indústria– da América do Sul mudarão súbita e dramaticamente.
Do lado político o Mato Grosso também enfrenta riscos. Por enquanto seu espírito de velho oeste e de fronteira vem sendo protegido e até estimulado por Bolsonaro. Mas o presidente populista disputará a reeleição no ano que vem e - enquanto a pandemia do coronavírus grassa –não existe certeza de que ele não venha a ser derrotado e substituído por um Joe Biden brasileiro, mais preocupado com o meio ambiente.
O relacionamento hostil de Bolsonaro com a China também representa um perigo claro e imediato. Pequim já sinalizou desprazer com o governo em Brasília, e poucos duvidam de que os chineses retaliem economicamente se seus interesses –ou a honra da China– forem prejudicados.
Por enquanto, porém, no escritório que tem no piso superior de sua casa, o vereador Severo, em Sinop, está curtindo seu novo grande projeto, que define como “quase concluído”. A cidade quer construir um shopping center, que atrairia marcas importantes para a comunidade agrícola. Isso também significaria que Sinop atingiu um novo estágio em seu desenvolvimento, tornando-a ainda mais atraente para migrantes vindos das cidades costeiras brasileiras.
“Temos de fazer muitas coisas para sermos melhores, para transformar a cidade em uma cidade grande, em uma cidade mais organizada”, ele diz. “Mas se você comparasse a uma foto de cinco anos atrás, não conseguiria acreditar em quanto a cidade está diferente. O crescimento é grande demais. Não para”.