Economia e Negócios
Na última semana, uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu o pagamento de dívidas da Americanas com 1.300 pequenos credores, o que inclui alguns funcionários e fornecedores. O valor total é de R$ 192,4 milhões.
A magistrada responsável pela decisão, desembargadora Leila Santos Lopes, acatou um recurso do Banco Safra alegando que as Lojas Americanas só poderiam pagar suas dívidas após a aprovação de um plano de recuperação judicial.
Nesta segunda-feira (20), a Americanas finalizou seu Plano de Recuperação Judicial. A CNN teve acesso às 36 páginas da versão final do documento da empresa. Interlocutores da própria empresa admitem à CNN que não há ainda um aval dos bancos credores ao plano, mas havia um prazo legal que a empresa precisava cumprir para a entrega.
Os mais de R$ 190 milhões que os pequenos credores têm a receber da varejista é uma pequena parte da dívida total da companhia — que, segundo o pedido de Recuperação Judicial, chega aos R$ 43 bilhões — ou até mesmo se comparada aos R$ 22 bilhões da dívida com os bancos.
Para pequenas e médias empresas, porém, a situação pode ser o suficiente para significar a continuidade ou não das operações de muitas delas.
“Muitas dessas empresas vendiam somente para a Americanas, ou vendiam mais de 70% a 80% de sua produção. A partir do momento em que essas empresas não são pagas com essa injeção de capital, elas podem quebrar e falir”, afirma Ulysses Reis, professor de varejo da Strong Business School.
Um exemplo é o Grupo Hanesbrands, fabricante norte-americana de vestuário, donos das cuecas Zorba e meias Kendall no país, ambas presentes no Brasil desde a década de 1960.
A dívida da Americanas com o grupo é de R$ 27 milhões, ou mais da metade do capital social do grupo, de R$ 49 milhões, conforme última atualização na Junta Comercial de São Paulo.
Ulysses diz que muitos desses pequenos e médios fornecedores também possuem dívidas com seus respetivos fornecedores e, assim, a situação pode acarretar um “efeito dominó” na cadeia.
“Certamente terão problemas de fornecimento, porque elas já estavam comprometidas em todo o sistema de fornecedores delas, de produção, mão de obra. Agora, também vai ocorrer que a Americanas vai ter cada vez menos produtos em exposição nas lojas físicas para venda”, avalia.
Para o especialista, o valor que essas empresas receberiam da varejista poderia ser “um alívio ou uma esperança de que elas continuassem a operar ou descobrissem novos clientes”.
A dívida com o grupo Hanesbrands no Brasil é apontada, inclusive, no último balanço do grupo apresentado nos Estados Unidos. De acordo com o relatório financeiro, a margem das operações internacionais teve uma redução de 14,2% em 2022 em comparação com o ano anterior “impulsionada principalmente pelo impacto da inflação e das despesas com inadimplência relacionadas à falência de um cliente no Brasil”.
Procurado, o Grupo Hanesbrand não quis se pronunciar, nem por meio de seus advogados.
Alberto Serrentino, CEO da Varese Retail, uma consultoria do setor, ressalta que um processo de recuperação judicial envolve “muita complexidade”, e que, neste caso da Americanas, vai ser preciso ver como o plano de recuperação vai ser executado, se haverá “distinção entre credores que são fornecedores de produtos e credores bancários.”
Ainda assim, diz Serretino, apesar de não ser possível generalizar os efeitos aos credores menores, toda recuperação judicial “é sempre muito lesiva” para fornecedores. “O tamanho do impacto vai depender muito da exposição de cada empresa, quanto ela tem de linha de crédito aberta, quanto tem de passivo e de contas a receber, volume, fluxo”, diz.
Outra empresa que chama a atenção na lista de credores da Americanas é a Dimatex, pequena confecção do Paraná, que tem capital social declarado na junta comercial de R$ 13,9 mil e uma fatura de quase R$ 3,5 milhões a receber da varejista.
Conforme o site da empresa, são 700 colaboradores que produzem 700 peças de vestuário por mês. Procurada pela CNN, a empresa não quis comentar.
Desdobramentos recentes
Ainda nesta segunda, a Justiça de São Paulo autorizou o depoimento do ex-CEO da Americanas Sergio Rial e de outros dois ex-diretores, Miguel Gutierrez e Andre Covre.
A decisão atende ao pedido do Bradesco para que eles sejam ouvidos dentro de uma cautelar — obtida pelo banco — que autorizou a produção antecipada de provas para verificar a responsabilidade da fraude fiscal da empresa.
Na sexta-feira (17), as Americanas e o banco BTG fizeram um acordo de cessar-fogo e pediram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a suspensão por 30 dias da ação movida pela empresa que questiona se a Justiça de São Paulo tem competência para arbitrar questões envolvendo a fraude contábil da empresa.
Também na última sexta, a força-tarefa constituída pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para investigar potenciais irregularidades na Americanas colheu depoimentos de ex-executivos da empresa, disse o órgão regulador.
Em recuperação judicial há mais de um mês, as Lojas Americanas enfrentam uma crise desde a revelação de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões. Posteriormente, o próprio grupo admitiu que os débitos podem chegar a R$ 43 bilhões.