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Espanha descongela parte da economia e França anuncia volta às aulas em 11 de maio

13/04/2020
Cerca de 1,7 milhão de trabalhadores ligados à construção civil reiniciaram suas atividades nesta segunda-feira na Espanha, uma vez expirada a licença remunerada que o Governo aprovou em 30 de março para reforçar o confinamento da população em razão da epidemia. Assim, após duas semanas de hibernação máxima da economia, com exceção dos serviços essenciais, as obras são retomadas, embora com exceções notáveis. A volta ao trabalho está sendo gradual, já que em muitas regiões da Espanha nesta segunda-feira de Páscoa é feriado. Em muitas províncias já tinha sido acertado que esta segunda-feira não contaria como dia útil no calendário da construção. Além destes trabalhadores, a medida também se aplica a empregados de empresas e fábricas de atividades não essenciais e que não podem fazer teletrabalho, principalmente no setor industrial e no setor doméstico. Bares, restaurantes, hotéis, equipamentos de lazer e cultura continuarão fechados, bem como escolas. Na França o presidente Emmanuel Macron anunciou também nesta segunda-feira que irá começar a relaxar as medidas de confinamento e quarentena à partir do dia 11 de maio.  

O decreto espanhol no final do mês passado interrompeu quase totalmente a atividade de construção (exceto obras essenciais) e enviou para casa 1,2 milhão de trabalhadores diretos e mais de 500.000 indiretos, segundo cálculos da entidade patronal Seopan. As autoridades empresariais criticaram a pressa do Governo ao adotar a paralisação e, de fato, quase em cima da hora ficou estabelecida a prorrogação de um dia para que em 30 de março, segunda-feira, as obras pudessem ser paradas em condições de segurança. O retorno, no entanto, foi diferente porque há mais de uma semana o Executivo vinha insistindo que ocorreria nesta segunda-feira, 13.

 

“Aproveitamos o período prévio para gerenciar com o máximo cuidado a retomada das obras”, afirmam na AEDAS Homes, com 70 empreendimentos imobiliários em andamento. “Estamos falando de apenas oito dias úteis de paralisação, e em algumas regiões menos ainda por causa dos feriados, por isso teve pouco efeito; e tudo ficou pronto para se poder reiniciar as obras sem problemas”, destaca a Neinor Homes, que planeja retomar entre esta segunda e terça-feira cinquenta obras em andamento em toda a Espanha. As duas empresas insistem em que a segurança dos funcionários é a prioridade máxima no momento.

 

“As pessoas estão encarando isto com cautela, como havíamos recomendado, e não há incidentes significativos em matéria de prevenção, embora seja verdade que há escassez de EPI [equipamentos de proteção individual, como máscaras, luvas, etc.]", diz Pedro Hojas, secretário da Federação da Indústria, Construção e Agricultura (FICA) da UGT. Na entidade alertam para duas circunstâncias. A primeira é que a principal retomada ocorrerá nesta terça-feira, quando em toda a Espanha será dia útil, e a segunda é que é necessário garantir o fornecimento contínuo de EPIs. “É preciso trocá-los depois de usados. As empresas precisam ter capacidade para renovar esses materiais”, diz Hojas, que expressou “satisfação” com o dia, embora enfatize que nesta segunda-feira o setor opera “muito devagar”.

 

“Aqui não me dão máscaras”

Madri é uma das províncias onde o calendário do setor da construção previa um feriado. No entanto, algumas empresas aproveitaram a oportunidade para retomar o trabalho e iniciar assim a compensação de horas que os trabalhadores terão que cumprir pela licença remunerada de oito dias. Nesse caso se encontra Sergio García, 34 anos. “Aqui continuamos na mesma, agindo da mesma forma que antes da interrupção”, diz ele, reclamando da falta de medidas de proteção para evitar o contágio em um prédio com mais de 300 apartamentos em construção na capital. “Eu continuo vindo com minhas luvas e com minha máscara. Aqui não me dão nada e há colegas que trabalham sem nada”, denuncia.

 

O hiato de duas semanas não dissipou o mal-estar de muitos funcionários. “Isto teria que parar de uma vez”, lamenta José, um operário que trabalha em uma obra em um bloco de apartamentos em Alcalá de Henares (Madri). Tem medo de que seus filhos de 13 e 15 anos sejam infectados. Para além dos avisos por mensagens vindas da empresa, as medidas de segurança continuam sendo definidas pelos próprios trabalhadores, diz ele. “Nos pedem para manter a distância de segurança e usar máscara e luvas. Mas nós mesmos temos que trazê-las. Temos que ganhar a vida." Ele diz que também não mediram sua temperatura quando retornou ao trabalho.

 

Para Ángel, um cofrador, de 45 anos, o início do dia foi o oposto. Os quinze colegas que trabalham na construção de oito residências perto do hospital La Paz, em Madri, tiveram que pôr o termômetro antes de retornar ao batente. “A atmosfera é estranha, estranha”, relata. Todos usaram um carro particular para se locomover e o fizeram com roupas de trabalho para não ter que trocar de roupa no barracão da obra. O veículo é também seu refeitório (programaram uma jornada contínua das 7h30 às 15h30, para não almoçarem juntos) e, quanto às medidas de segurança, não reclamam: todos têm máscaras. Embora admita que o uso nem sempre é o mais apropriado: “Alguns a deixam mais tempo no queixo do que sobre a boca, porque isto é trabalho físico e às vezes você se sente asfixiado”. Também não é fácil respeitar a distância de segurança: “Agora estamos desmontando uma cofragem, as tábuas e a estrutura. São peças que pesam e precisam ser recolhidas por dois ou três ”. De qualquer forma, indica que o retorno ocorre a meio gás. “Você liga para um fornecedor, e ele não está, você liga para outro e está operando pela metade.”

 

“Algo que nos preocupa é que as obras são muito diferentes umas das outras e não há processos padronizados", diz Lluís Comerón, presidente do Conselho Superior de Entidades de Arquitetos da Espanha (CSCAE). Esse órgão, junto com os conselhos de tecnólogos em edificações e de engenheiros de obras públicas, solicitou antes de 30 de março a paralisação total do setor. Vendo que isso seria apenas temporário, na semana passada prepararam um documento com uma série de recomendações para profissionais, algo que para Comerón é insuficiente. “Seria preferível que o Governo apoiasse com diretrizes mais específicas e ouvindo os setores profissionais, além dos empregadores e dos sindicatos”, indica. O CSCAE também pede “um Plano de Reativação que dê confiança ao setor”.

 

Reformas proibidas

“Com muita incerteza, mas continuamos trabalhando", resume a situação o tecnólogo em edificações Rafael Luna. Na sua opinião, "a situação é a mesma de duas semanas atrás". Embora admita que algo mudou. Das 12 obras com que opera na província de Huelva, antes da paralisação tinha muitas interrompidas e agora isso ocorre apenas em uma. Para muitas empresas que tinham decidido parar antes por conta própria, depois de um mês sem serem paralisadas por decreto, a questão econômica é premente e por isso decidiram retomar o trabalho", explica. Luna acredita que a realidade das grandes empresas é muito diferente daquela das pequenas e médias, que são "centenas de milhares", de acordo com a Associação de Empreendedores da Construção da Espanha (APCE). "Esta volta à atividade permitirá que todos os agentes envolvidos em nossa indústria gerem atividade econômica suficiente para que o impacto econômico causado por esta situação seja o menor possível", diz Daniel Cuervo, secretário-geral dessa entidade patronal.

 

Como aconteceu com o decreto de paralisação, a reativação do setor também chegou com uma surpresa de última hora. Uma ordem da pasta da Saúde, publicada no domingo no Diário Oficial da Espanha, esclareceu que nenhuma obra pode ser retomada em edifícios habitados nos quais não possa ser evitado o contato entre operários e moradores, exceto em reparos urgentes. Na prática, isso significa paralisar a maioria das reformas, onde frequentemente trabalham profissionais autônomos. Lorenzo Amor, presidente da Associação de Trabalhadores Autônomos (ATA), se queixa da “improvisação” nas medidas do Governo e denuncia que os trabalhadores por conta própria estão num “limbo legal”.

 

Liviu Bacari, um romeno de 46 anos, está preocupado com a reforma que sua empresa realizou pela metade em uma casa em Madri. Esta segunda-feira amanheceu chuvosa, o telhado de ardósia está aberto e a água está vazando para o interior e chega até a casa de um vizinho. Todos os operários, ele e quatro outros, estão inseridos em um ERTE (regulação temporária de trabalho estabelecida após a pandemia do coronavírus) desde 28 de março. E também não pode chamar os dois autônomos que costuma contratar para esses serviços. “Entramos na terceira semana sem trabalhar. Isso é muito difícil “, afirma ao expressar seu medo de ter que buscar benefícios públicos. “Acho que eles não cobrem o dano causado pela pandemia, acho difícil”, lamenta.