Política
Ditadura no Brasil: EUA previam que Figueiredo poderia renunciar à Presidência, revelam documentos inéditos
O governo dos Estados Unidos trabalhou com a possibilidade do então presidente da República João Batista Figueiredo (1918-1999) renunciar
O governo dos Estados Unidos trabalhou com a possibilidade do então presidente da República João Batista Figueiredo (1918-1999) renunciar.
A previsão, feita em maio de 1981 pelo setor de inteligência do Departamento de Defesa americano, consta em um documento que permaneceu décadas sob sigilo.
Neste e em outros relatórios e comunicados secretos do mesmo período aos quais a BBC News Brasil teve acesso, há críticas ao general Figueiredo e à sua administração na condução da política brasileira.
Os documentos foram enviados por diplomatas dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e Brasília ao Departamento de Estado, em Washington.
Elaborados dentro do próprio governo nos Estados Unidos, são relatórios de inteligência, análise e comunicados dos serviços diplomáticos no Brasil, do Departamento de Defesa e da CIA (Central Intelligency Agency).
Chegam a citar "omissão frente à onda de terrorismo" perpetrado por militares nos anos 1970 e 1980.
"Vai minar a autoridade do presidente Figueiredo e enfraquecer seriamente sua posição política geral", diz relatório de 12 de junho de 1981 escrito pela Embaixada americana em Brasília, com o título "Brasil: terrorismo trará problemas para Figueiredo".
Um exemplo desses atos foi um atentado a bomba frustrado na noite de 30 de abril de 1981 no Centro de Convenções do Riocentro, no Rio de Janeiro.
No local, estava sendo realizado um show de música popular brasileira em comemoração ao Dia do Trabalhador com a participação de milhares de pessoas.
A bomba explodiu dentro de um carro, no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu na hora. O capitão Wilson Dias Machado, que estava ao lado de Rosário, ficou gravemente ferido.
Ambos integram o DOI-CODI, órgão da ditadura ligado à repressão.
Os portões do Riocentro foram trancados, e o objetivo com as explosões era provocar pânico, o que poderia culminar em muitas mortes. Havia bombas em outros pontos do centro de exposições, que não explodiram.
Cercada de segredos e informações desencontradas, a investigação oficial do Exército não deu em nada.
O Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência do governo federal brasileiro, jogou a culpa na oposição, com o objetivo de retomar a repressão violenta aos partidos de esquerda.
Mas os argumentos não se sustentaram, e acabou-se descobrindo o envolvimento de militares contrários ao processo de abertura política que estava em curso.
Figueiredo tentou encobrir a autoria do atentado. Pressionados, os militares chegaram a dizer que ninguém seria punido.
A Comissão Nacional da Verdade, em 2014, mostrou em seu relatório que o atentado foi articulado pelo governo brasileiro.
"Se Figueiredo tolerar mais violência e aceitar um encobrimento contínuo do envolvimento de militares, crescerão as suspeitas de que ele não tem autoridade para agir ou que tolera as ações", revela um dos comunicados enviados a Washington.
Possibilidade de renúncia
Naquele ano, o Departamento de Estado dos Estados Unidos trabalhou com a hipótese de Figueiredo renunciar para evitar o aumento dos problemas políticos, além de tentar preservar o processo de abertura, que vinha sendo questionado por parte dos militares.
Outra situação aventada pelos americanos seria que a culpa dos atentados seria jogada sobre um grupo de neonazistas que seria capturado pelo governo, fato que receberia ampla cobertura da imprensa, na análise dos militares brasileiros.