Brasil
Imagem do Brasil derrete no exterior e salienta “crise ética e de falência de gestão” com Bolsonaro
Estudo aponta que percepção negativa do país piorou com a leitura de um “Governo irresponsável” na pandemia e na proteção à Amazônia. Investidores adiam decisões de aplicações no país para 2022 e empresários brasileiros pressionam presidente
“A cobertura da crise sanitária agravou a percepção de um Governo irresponsável, de uma gestão sem liderança, cheio de declarações negacionistas sobre a doença. A notícia sobre o presidente ter testado positivo para o coronavírus, por exemplo, teve ampla cobertura pela forma desrespeitosa em que ele fez o anúncio”, diz Olga Curado sócia-fundadora da consultoria. Após informar que tinha contraído a doença durante entrevista coletiva com jornalistas no Palácio da Alvorada, o presidente tirou a máscara que usava. O mandatário brasileiro também seguiu insistindo que a infecção pelo novo vírus só é perigosa para idosos e pessoas com doenças prévias. Entre os veículos pesquisados estão o francês Le Monde, a revista inglesa The Economist, a alemã Der Spiegel e a edição espanhola do EL PAÍS.
Desgaste por números alarmantes do desmatamento
A consultora ressalta, no entanto, que, desde o ano passado, as críticas sobre as políticas ambientais de Bolsonaro também permeiam bastante o noticiário e que vários veículos já projetam os impactos econômicos das ações do Governo. Em 23 de junho, por exemplo, três jornais, The Guardian, The New York Times e The Washington Post fizeram reportagens sobre alertas de “investidores de trilhões de dólares” ao Brasil pelas políticas de “desmantelamento” da Amazônia. Naquele dia, instituições financeiras responsáveis pela gestão de mais de 4 trilhões de dólares enviaram uma carta ao Governo Bolsonaro avisando sobre o risco de retirada de investimentos no país caso não houvesse uma ações mais efetivas para controlar o desmatamento. Depois, o empresariado nacional aumentou o coro sobre o tema com um manifesto semelhante assinado por 38 companhias, entre elas pesos pesados como o Banco Itaú, o maior da América Latina, Santander, e empresas ligadas ao agronegócio, como o braço brasileiro da Cargill.
A pressão dos estrangeiros acendeu um alerta vermelho no Planalto, que marcou uma reunião por videoconferência com representantes dos fundos, na última quinta-feira, 9, comandada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia. Na sexta, foi a vez de Mourão receber o movimento brasileiro. “Em nenhum momento investidores se comprometeram com investimento, eles querem ver resultados, querem ver a redução de desmatamento”, disse Mourão, após o encontro online com investidores. O vice-presidente brasileiro admite a necessidade de combater ilegalidades na Amazônia, mas defende, assim como Bolsonaro, que há um exagero na percepção sobre destruição da região. “A floresta está em pé, muitos colocam que a floresta está queimando”, disse. Na mesma sexta-feira, 10, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou a maior alta de desmatamento para o mês de junho desde 2015, apesar de uma ação militar, comandada por Mourão, ter entrado na Amazônia em maio para combater o desmatamento.
No início do mês, em discurso na Cúpula do Mercosul, o mandatário brasileiro já tinha reclamado de “visões” no exterior que, segundo o seu entendimento, são “distorcidas” e não refletem o real esforço do Governo, sobretudo em temas como a defesa da região amazônica e o relacionamento com povos indígenas. Num esforço para continuar as negociações do acordo do bloco com a União Europeia, o presidente afirmou que seguirá o diálogo com diferentes interlocutores para desfazer essas opiniões. Segundo fontes diplomáticas europeias consultadas pelo EL PAÍS, se os resultados práticos de redução dos índices de desmatamento não aparecerem rapidamente, há um risco do acordo entres os blocos não sair do papel.
Incerteza política
Para além do problema ambiental, a crise política no país e a agenda econômica diante da pandemia também preocupa investidores estrangeiros que, ao fim e ao cabo, paralisam potenciais recursos que poderiam ajudar o Brasil ainda mais neste momento de crise. “Há uma forte incerteza política, saídas de ministros, discussões entre o Executivo, Congresso e governadores. Há até mesmo uma avaliação da condução de uma crise sanitária como essa. São coisas que os investidores ponderam no momento que decidem se vão investir em um país”, diz Martin Castellano, chefe da seção de América Latina do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês).
Na avaliação de Castellano, há ainda muitas dúvidas sobre a capacidade que o presidente terá de retomar as pautas reformistas da equipe econômica. “Por conta da pandemia e motivos domésticos, as reformas ficaram de lado e perderam a prioridade. As restrições para seguir são mais desafiantes que antes”, diz. O próprio pacote de estímulo para combater os efeitos da crise sanitária, um dos mais ambiciosos da região, gera incerteza sobre o tamanho do rombo das contas públicas e o futuro fiscal do país, alerta Castellano. As primeiras consequências no curto prazo já podem ser constatadas com o aumento da saída de capital estrangeiro, principalmente do setor acionário, mas também do investimento estrangeiro direto, segundo Castellano. A projeção da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) é que o o volume de capital estrangeiro para o país só tende a começar uma retomada em 2022, ano eleitoral, e um desafio em dobro para Bolsonaro que sonha com a reeleição. A forte desvalorização do real frente ao dólar nos últimos meses também é um indício dessa desconfiança crescente em relação à economia brasileira.
Do ponto de vista diplomático, o desgaste da imagem do Brasil diante da pandemia, que matou mais de 72.000 pessoas no país, já acarretou na perda de representatividade nos fóruns internacionais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não convidou Bolsonaro para participar de debate multilateral sobre o enfrentamento à crise sanitária. “Sempre houve uma tradição brasileira, que nem os governos militares conseguiram destruir, de uma diplomacia competente e profissional, de mediação”, explica Javier Vadell, professor de relações internacionais da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Minas Gerais. Mas, agora, segue Vadell, com o alinhamento do Brasil com Donald Trump, as gafes do presidente e membros do Governo com líderes mundiais e toda a atitude negacionista sobre a Amazônia e a pandemia, “a reputação do país está no chão”.
Mais publicidade para agenda positiva
Com a imagem do Brasil abalada por sucessivas crises e declarações, o Governo tenta reverter o quadro apostando em mais gastos em publicidade e relações públicas para fomentar uma agenda mais positiva do país. A Secretaria de Comunicação do Governo (Secom) pediu, no início de junho, a liberação ainda para este ano de 325 milhões de reais para publicidade e relações públicas ― mais que o dobro previsto no orçamento do início do ano ― e justificou o pedido de ampliação com o argumento da pandemia. Segundo a Folha de S. Paulo, em um dos ofícios da Secom à Secretaria-Geral da Presidência, se argumenta que a repercussão negativa das ações do Governo está impactando a imagem do país e é necessário incentivar a “veiculação de pautas positivas” no Brasil e no exterior. Há ainda o pedido de liberação de 60 milhões para gastar em veículos no exterior. “O Brasil tem sido citado de forma recorrente pelos principais jornais e agências de notícias internacionais, e críticas à atuação do governo no enfrentamento à covid-19 têm sido amplamente divulgadas”, diz o secretário-adjunto Samy Liberman em um dos ofícios encaminhados segundo a Folha de S.Paulo. Desde janeiro de 2019, a Secom está sem contrato para os serviços de relações públicas no exterior.
No Brasil, a imagem do presidente também sofre abalos. Segundo a pesquisa do Datafolha, feita no final de junho, a rejeição ao presidente atinge 44% dos brasileiros. A aprovação é de 32%, enquanto os que avaliam Bolsonaro como regular são 23%.