Brasil
Hidroxicloroquina não tem eficácia contra a Covid em pacientes leves e moderados, diz estudo brasileiro
Foram analisados mais de 600 participantes atendidos em 55 hospitais. Percentual de mortes foi de 3% tanto entre os que tomaram o remédio quanto entre os que integravam o grupo controle
O estudo aponta que, após 15 dias de tratamento, percentuais semelhantes dos pacientes (que tomaram ou não hidroxicloroquina) já estavam em casa "sem limitações respiratórias". O percentual de óbitos foi igual em todos os grupos: 3%.
A pesquisa, revisada por outros cientistas, foi publicada nesta quinta-feira (23) no "The New England Journal of Medicine".
O estudo foi realizado pela Coalizão COVID-19, que ainda conduz outros oito estudos sobre o tema, incluindo um sobre a mesma droga no tratamento de casos ambulatoriais, ou seja, em casos mais leves da Covid-19.
O grupo é formado por Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, o Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).
Estudo Coalizão I - Resultados
De acordo com os pesquisadores desses centros médicos, foram analisados 667 pacientes com quadros leves ou moderados. Eles foram atendidos em 55 hospitais brasileiros. Por sorteio, eles foram divididos em três grupos: um com 217 pacientes recebeu hidroxicloroquina e azitromicina, outro com 221 pacientes recebeu hidroxicloroquina e o terceiro, com 227 pacientes, apenas suporte clínico padrão.
"O status clínico (...) foi similar nos grupos tratados com hidroxicloroquina e azitromicina, hidroxicloroquina isolada ou grupo controle", apontou o estudo.
Em um período de 15 dias, os pesquisadores afirmam que estavam em casa sem limitações respiratórias:
- 69% dos pacientes do grupo hidroxicloroquina + azitromicina + suporte clínico padrão;
- 64% dos pacientes do grupo hidroxicloroquina + suporte clínico padrão;
- 68% dos pacientes do grupo suporte clínico padrão.
-
Em relação a morte de pacientes, o número em 15 dias foi semelhante entre os grupos, em torno de 3%.
Efeitos colaterais
Sobre os chamados "efeitos adversos", a pesquisa destacou dois pontos:
- Alterações em exames de eletrocardiograma (aumento do intervalo QT, que representa maior risco para arritmias) foi mais frequente nos grupos que utilizaram hidroxicloroquina;
- Alteração de exames que podem representar lesão hepática foi mais frequente nos grupos que utilizaram hidroxicloroquina.
-
De acordo com o estudo, "não houve diferenças para outros eventos adversos, como arritmias, problemas hepáticos graves ou outros".
Luciano César Azevedo, superintendente de Ensino no Hospital Sírio-Libanês e integrante da Coalizão Brasil, disse que o estudo foi desenhado em março, quando ainda existia uma dúvida com relação ao uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. O resultado, segundo ele, era esperado pelos pesquisadores.
"Em março, tinha algumas publicações muito pequenas, com muitas limitações do ponto de vista metodológico, mas à medida que foram saindo outros estudos de outros países, e até pesquisas brasileiras, a gente já começou a pensar que a hidroxicloroquina e a azitromicina não eram eficientes no tratamento da Covid", disse.
Além dos riscos apresentados pelo uso da hidroxicloroquina sem comprovação, Azevedo chama a atenção para o uso frequente da azitromicina, um antibiótico muito prescrito no tratamento contra a doença.
"A azitromicina é um antibiótico que tem um perfil anti-inflamatório, usado pela possibilidade teórica de combater o que a Covid-19 estava fazendo com o organismo. Essa é uma das grandes preocupações que a gente tem, já que os pacientes estão recebendo antibióticos de forma indeterminada, e não só a azitromicina. Certamente nós teremos problemas de resistência bacteriana se a gente continuar administrando sem evidência clara esses medicamentos".
Perfil dos pacientes
Os autores explicam que os pacientes incluídos no estudo tinham idade em torno de 50 anos e pouco mais da metade era do sexo masculino. Os participantes eram pacientes recém-admitidos ao hospital (até 48 horas) que tivessem sintomas iniciados, no máximo, até sete dias antes. Além disso, 40% eram hipertensos, 21% eram diabéticos; 17% eram obesos.
Estudos em andamento
A Coalizão COVID-19 tem atualmente outros oito estudos em andamento:
- Coalizão II - Hidroxicloroquina em casos de Covid-19 mais graves que necessitaram de maior suporte respiratório
- Coalizão III – Avalia a efetividade da dexametasona para casos de Covid19 com síndrome respiratória aguda grave
- Coalizão IV – Avalia se a anticoagulação plena com rivaroxabana traz benefícios para pacientes com COVID-19 com risco aumentado para eventos tromboembólicos
- Coalizão V – Avalia se a hidroxicloroquina previne o agravamento da Covid19 em pacientes que não precisam de internação hospitalar
- Coalizão VI – Avalia se o tocilizumab, um inibidor da interleucina 6, é capaz de melhorar a evolução clínica de pacientes hospitalizados com COVID-19 e fatores de risco para formas graves inflamatórias da doença
- Coalizão VII – Avalia o impacto a longo prazo, após alta hospitalar, incluindo qualidade de vida, de pacientes que tiveram Covid19 e foram participantes dos demais estudos da Coalizao.
- Coalizão VIII – Avaliará se anticoagulação com rivaroxabana previne agravamento da doença com necessidade de hospitalização em pacientes não-hospitalizados com formas leves da COVID-19
- Coalizão IX – Avaliará se drogas antivirais isoladas e/ou em combinação entre si são efetivas para tratar casos de COVID-19 hospitalizados com doença moderada