Economia e Negócios
Preocupados com ambiente político, empresários apressam Brasil e EUA a assinar acordo comercial
02/05/2020
Mais de 30 entidades empresariais brasileiras e americanas encaminharam há uma semana uma carta para os governos de Brasil e Estados Unidos cobrando urgência na conclusão de ao menos uma parte do acordo bilateral de comércio que os países se dizem dispostos a negociar.
Lideradas pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a U.S. Chamber of Commerce, as entidades defendem que os representantes das duas nações assinem até junho ou julho acordos comerciais nas áreas que não envolvem necessidade de aprovação pelos Congressos dos países ou negociações em conjunto com o Mercosul. A motivação da carta é a percepção de que, embora demonstrem boa vontade mútua, nem Donald Trump nem Jair Bolsonaro foram capazes de gerar resultados concretos da atual aproximação até agora. Para os empresários, após quase 17 meses de intensas negociações, as possíveis mudanças nas circunstâncias políticas de cada país podem levar a uma perda quase total do trabalho. "Você pode ter cem conversas bilaterais, se nada muda depois delas, isso quer dizer que elas eram só papo mesmo. Se perdermos essa curta janela agora de ter um acordo entre Estados Unidos e Brasil, a próxima pode levar mais 20 anos para abrir", diz à BBC News Brasil Steven Bipes, vice-presidente da Advanced Medical Technology Association, associação americana de produtores de alta tecnologia médica, uma das signatárias da carta. De acordo com Bipes, como o momento atual é especialmente favorável pela relação pessoal dos dois líderes, a possibilidade de que um dos dois saia de cena preocupa. O presidente americano Donald Trump concorrerá à reeleição daqui a seis meses, em novembro, em um pleito cujos resultados são imprevisíveis, em meio à pandemia de coronavírus que já matou mais de 60 mil americanos. Além disso, no Brasil, as sucessivas crises políticas ameaçam continuamente a estabilidade do governo Bolsonaro. O mandatário hoje enfrenta uma investigação no âmbito do Supremo Tribunal Federal que poderia desaguar em um processo de impeachment. "O povo brasileiro gosta de grandes emoções, como diria o Roberto Carlos. Não podemos passar sem emoções diárias. Hoje nomeia novo chefe da Polícia Federal, amanhã 'desnomeia'. Mas a questão é que queremos que essa agenda do comércio entre os dois países seja vista como algo que qualquer governo, de qualquer um dos países, possa levar adiante", afirmou Carlos Eduardo Abiajodi, diretor de desenvolvimento da CNI.Um acordo na mão
De acordo com Abrão Árabe Neto, vice-presidente-executivo da Amcham Brasil, um acordo completo de livre comércio é desejado pelo empresariado dos dois países, mas a complexidade de uma negociação como essa pode fazer com que o resultado final leve anos para chegar. Exemplo disso seriam os 20 anos de trabalho para a conclusão do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia ou os sete anos para a elaboração do Tratado de Comércio Transpacífico, envolvendo 12 países banhados por esse oceano. "Um acordo de livre comércio é uma viagem muito longa. O que estamos propondo é que façamos uma escala no meio dessa viagem, com esse pacote de medidas comerciais bilaterais aprovadas ainda em 2020. É já uma medida eficiente e que pode garantir o resto da viagem no futuro", diz Árabe Neto. O pacote prevê a abolição de barreiras não-tarifárias: o corte em procedimentos burocráticos, conhecidos como facilitação de comércio, a adoção de boas práticas regulatórias, a unificação de regras para comércio eletrônico e propriedade intelectual, e o fim de barreiras técnicas e sanitárias. "Na verdade, esse acordo não tarifário poderia ser até mais importante do que uma discussão de tarifas, que é longa e complexa. Estimamos hoje que as barreiras não tarifárias acabam por custar ao empresário entre seis e 12 vezes o valor das tarifas de importação e exportação atuais", argumenta Bites."É preciso dar uma forcinha"
Os empresários afirmam que, como essas medidas dependem só de atos dos dois Executivos, elas poderiam ser tomadas a qualquer momento. "Esse trabalho dos países poderia ser mais proveitoso. Tem coisas que a gente não consegue explicar ou justificar porque ainda não aconteceram. A gente de vez em quando tem que dar uma forcinha", diz Abiajodi. De acordo com Bipes, há uma percepção no mercado de que o patamar de negociações mudou após o jantar entre os dois presidentes e alguns ministros em Mar-a-Lago, na Flórida, no começo de março. À mesa, Trump explicitou suas preocupações quanto à concorrência entre produtos agrícolas brasileiros e americanos e teria sido convencido de que esses aspectos poderiam ser contornados em uma negociação. Há dez dias, o Itamaraty e o Representante de Comércio dos Estados Unidos divulgaram um comunicado conjunto em que afirmam que "ambos os países concordaram em acelerar seu diálogo comercial em andamento na Comissão de Relações Econômicas e Comerciais (ATEC) - Brasil-EUA, com o objetivo de concluir em 2020 um acordo sobre regras comerciais e transparência, incluindo facilitação do comércio e boas práticas regulatórias". Mas especialistas nesse tipo de negociação diplomática veem com ceticismo a possibilidade de que algum acordo acabe finalmente anunciado nos próximos meses, durante um ano eleitoral. Até porque, ainda que Trump possa mesmo estar mais simpático à ideia de um comércio facilitado entre os dois países, sua base eleitoral é composta por fazendeiros que não veem com bons olhos a entrada sem restrição de produtos brasileiros no mercado dos Estados Unidos. Para a plataforma de campanha do americano, cujo mote é "America First" (Estados Unidos primeiro), o anúncio de uma medida como essas poderia soar contraditória. "Hoje Brasil e Estados Unidos não têm nenhum acordo. A gente sabe que é mais difícil sair do zero para alguma coisa do que depois seguir melhorando o que se tem. É o mais perto que chegamos de sair do zero. A ver se vamos mesmo conseguir nos mover", resume Bipes.Mais lidas
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