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O Papa em Mossul: “Não é lícito fazer guerra em nome de Deus”
O Pontífice visita a cidade iraquiana em ruínas, na qual o Estado Islâmico declarou o califado em 2014 e onde quase não restam famílias cristãs
O EI marcava as casas dos cristãos em Mossul para que pudessem ser saqueadas com maior precisão. A barbárie provocou o êxodo de cerca de 500.000 pessoas, 120.000 delas cristãs. Hoje resta apenas um punhado de famílias. Uma tendência que se repetiu nesta zona do norte do país. Por isso, o terceiro e último dia da histórica visita do Papa ao Iraque foi destinado a dar consolo às minorias cristãs da região, perseguidas e obrigadas pelo EI a ir embora. Em 2013 havia cerca de 1,4 milhão de cristãos no país; hoje eles oscilam entre 200.000 e 300.000. Somente 50% dos que fugiram durante a invasão jihadista retornaram para casa no Iraque.
O Papa seguiu depois para a cidade de Qaraqosh (32 quilômetros a sudoeste de Mossul), de maioria cristã, onde celebrou uma missa na catedral da Imaculada Conceição, reinaugurada há pouco, após sua destruição em 2014, quando o EI a queimou e a utilizou como campo de tiro. Aqui o esperavam milhares de famílias que resistiram, apesar do assédio do grupo terrorista. E também pessoas que tiveram que fugir em plena noite com a roupa do corpo, como Mounir Jibrahil, professor de matemática de 61 anos. Ele emigrou para Erbil (capital do Curdistão iraquiano), retornou em 2016 e teve que esperar outros quatro anos para reconstruir sua casa. “Agora está mais seguro. É maravilhoso ver o Papa, nunca imaginamos que viria a Qaraqosh. Talvez isso ajude a reconstruir o país, trazendo finalmente paz e amor”, afirma. Na mesma igreja esperava Andy Abd, 27, vestido para a ocasião. Ele também precisou fugir em 2014 e sobreviveu como refugiado em Erbil, onde ficou durante três anos. Abd pôde voltar porque encontrou trabalho, mas muitos de seus amigos emigraram para o Canadá ou a Austrália.
Algumas famílias ficaram separadas irremediavelmente. Os pais de Adara, uma menina de 26 anos vestida com as roupas tradicionais de Qaraqosh e que esperava fora do templo, nunca quiseram regressar. Francisco confortou-os e convidou os que fizeram as malas a retornar. “Com muita tristeza, olhamos ao nosso redor e percebemos outros sinais, os sinais do poder destruidor da violência, do ódio e da guerra. Quantas coisas foram destruídas. E quanto precisa ser reconstruído. Nosso encontro demonstra que o terrorismo e a morte nunca têm a última palavra”, afirmou.
O Papa pediu aos fiéis, que o esperavam dos dois lados da estrada e no interior da catedral, sem respeitar quase nenhuma medida de segurança sanitária, que refizessem suas vidas aqui. “Este é o momento de reconstruir não apenas os edifícios, mas sobretudo os vínculos que unem comunidades e famílias, jovens e idosos”, declarou. Mas muitos ainda vivem aterrorizados, como Doha Sabah, que perdeu o filho num bombardeio. Ela relatou sua história ao Pontífice durante a celebração religiosa na Igreja da Imaculada Conceição de Qaraqosh. “Dizemos não ao terrorismo e à instrumentalização da religião”, insistiu o Papa.
A jornada de domingo terminou com uma missa multitudinária em Erbil, dando fim a três intensos dias da primeira viagem realizada pelo Papa depois de 15 meses. Foi uma missão bem-sucedida, segundo fontes do Vaticano, e um ponto de inflexão em sua política de construir pontes com o islã. A ideia de Francisco, após ele e os profissionais que o acompanham serem vacinados, é retomar sua agenda de compromissos internacionais.