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Peru vai às urnas com eleitorado desiludido e seis candidatos com chances de ir a segundo turno
Pesquisas projetam panorama incerto, num país que se pergunta quanto tempo o próximo presidente vai durar no poder. Peruanos tiveram quatro mandatários nos últimos cinco anos, sendo que o primeiro, Pedro Pablo Kuczynski, caiu por denúncias da Lava Jato pe
“Você conhece alguém que vota em Pedro Castilllo?” é uma pergunta recorrente às vésperas das eleições. O professor de escola sindicalista, líder do Peru Livre, é o que mais chances parece ter neste domingo, com 12,8% das intenções de votos, segundo o último levantamento. Em Lima, onde reside um quarto da população, porém, Castillo mal consegue 4% dos votos. O professor, considerado de esquerda radical, ficou conhecido em 2017 por liderar protestos massivos contra a avaliação periódica de professores. Quatro anos depois, com seu chapéu de aba larga típico da região andina onde nasceu, faz campanha montado a cavalo, e acaricia o sonho de chegar à presidência do país.
Castillo, que tem em seu círculo mais próximo admiradores de líderes norte-coreanos, propõe derrubar o Tribunal Constitucional se ele chegar ao poder e se manifestou abertamente contra o aborto, o casamento homossexual, a eutanásia e a abordagem de gênero na escola. “É preciso defender a família na escola”, diz ele, preocupado de que “essa ideologia entre na cabeça das crianças”.
Atrás do líder do Peru Livre, estão os dois candidatos conservadores Keiko Fujimori e Hernando de Soto, que mal se separam por um punhado de votos. Ambos lutam pelo mesmo nicho de eleitores, entre os quais estão os irredutíveis do fujimorismo e os conservadores que viraram as costas à filha do autocrata Alberto Fujimori, envolvida, como seu pai que está preso, em um processo judicial por corrupção. O líder da Renovação Popular, Rafael López Aliaga, também chega à batalha final nas urnas. Um político conservador que se autodenomina Porky, celibatário confesso e apaixonado pela Virgem. Assegura que usa um cilício, espécie de cinta de metal para penitência, diariamente. A líder moderada da esquerda, Verónika Mendoza, também tema possibilidade de chegar ao segundo turno, com 9% de votos nas pesquisas.
Um total de 25.287.954 eleitores decidirão (no Peru, o voto é obrigatório) em meio ao pior momento da pandemia do coronavírus. O Ministério da Saúde informou no sábado que 384 pessoas morreram de covid-19 na sexta-feira, o maior número diário registrado. Além dos dados oficiais, o número real é desconhecido. Os hospitais estão colapsados e centenas de pessoas fazem filas intermináveis para obter oxigênio para seus parentes infectados, que estão sendo tratados (e morrendo) em casa devido à falta de leitos nos centros médicos.
Dos seis candidatos com chances de ir ao segundo turno das eleições presidenciais neste domingo, apenas dois representam forças de esquerda: o próprio Castillo, de esquerda radical e socialmente conservador, e Verónika Mendoza, progressista, alinhada a uma social-democracia mais clássica. Em janeiro, em meio à segunda onda de covid-19, muitas famílias peruanas começaram a vender suas mercadorias para comprar oxigênio, cenário que se vem se repetindo até agora. Mendoza anunciou então que se chegasse à presidência faria uso de um artigo da Lei Geral de Saúde que permite ao Estado assumir o controle temporário da produção de oxigênio e, assim, garantir o abastecimento. A proposta causou espanto entre seus detratores e também na maioria da imprensa peruana, que interpretou a medida como uma tentativa de expropriar o setor privado.
“Os peruanos precisam decidir se querem que o país se transforme em Cuba ou na Venezuela”, disse Keiko Fujimori em entrevista a uma rádio nesta sexta-feira, prometendo “mão forte para salvar o Peru novamente”. O estigma contra a esquerda ainda está muito presente no Peru. Políticos e a imprensa conservadora alimentam uma campanha de medo que tenta vincular a esquerda ao terrorismo do Sendero Luminoso, de um lado, e ao chavismo, de outro. Os conservadores colocam Mendoza e Castillo no mesmo balaio do que consideram uma “esquerda radical”.
Durante a campanha eleitoral, a pergunta que Mendoza, candidata pelo Juntos pelo Peru, mais respondeu nos últimos tempos é se a Venezuela é uma ditadura. A psicóloga, que concorreu à presidência pela primeira vez em 2016, descreveu então o governo de Nicolás Maduro como “uma democracia fraca”, mas em fevereiro de 2018 retificou: “Sim, posso dizer que a Venezuela é uma ditadura”. Desde então, continua repetindo essa leitura em todas as entrevistas. Mendoza venceu os dois debates de candidatura televisionados durante a campanha, segundo as porcentagens veiculadas por canais de televisão e dois jornais de Lima. Mas ainda assim, nunca realmente disparou nas pesquisas. “Ele é muito progressista para a maioria do Peru, sua chegada é para um setor mais educado do país”, explicou à imprensa estrangeira o diretor de pesquisa da Ipsos Peru, Alfredo Torres, que avalia que o motivo de Castillo estar à frente tem origem na crise econômica e social decorrente da pandemia: “Em tempos de instabilidade como este, o espírito mais radical é mais atraente”.
O Peru enfrenta o momento perfeito para a anti-política. A credibilidade das instituições do país é nula, com 6 dos últimos 7 presidentes acusados de corrupção. Os partidos tradicionais carecem de peso, arrasados por candidatos que respondem apenas a diferentes grupos de interesses ―econômicos ou religiosos e abraçam uma sigla provisoriamente, sem qualquer ideologia ou militância por trás. Único partido com histórico de disputa pelo segundo turno, o Ação Popular, mostra como é difícil entender a política peruana. É um partido de centro-direita cujo candidato, Yonhy Lescano, é um populista com algumas propostas econômicas de esquerda e um conservador social. Lescano liderou as pesquisas entre fevereiro e março, mas suas forças diminuíram nos últimos dias.
“Ama quella, ama sua, ama llulla” [”Não seja preguiçoso, não roube, não seja mentiroso”] diz o lema de Lescano contra a corrupção. Frase que o candidato atribui ao império dos Incas, o que historiadores negam. A corrupção é outra chave dessas eleições, causa do enorme descontentamento dos eleitores com a política e considerada pelos peruanos o primeiro problema do país. O grande escândalo começou em 2016, quando o caso Odebrecht revelou os contratos ilegais entre a construtora brasileira e os governos dos ex-presidentes Alejandro Toledo, Alan García [que se suicidou em 2019 antes de ser preso], Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski. Mas os ex-presidentes são apenas a ponta do iceberg. Prefeitos, juízes, congressistas e promotores têm desfilado perante os tribunais por ilegalidades de todos os tipos.
Em meio às entradas e saídas do presídio dos mais reconhecidos cargos públicos, tudo voltou a explodir em novembro do ano passado. Um grupo de parlamentares, protegido por um artigo da Constituição, tirou do poder o presidente Martín Vizcarra em novembro do ano passado, o que foi considerado uma espécie de golpe de Estado. Enormes protestos liderados por jovens encheram as ruas por uma semana. A violenta repressão policial acabou com a vida de dois deles e a pressão forçou a demissão do presidente interino, Manuel Merino, o que obrigou o Congresso a buscar um substituto rapidamente, o atual Francisco Sagasti, encarregado de conduzir o país às eleições, que terá seu segundo turno em junho. Se o Peru tinha alguma esperança de superar a profunda crise política que começou há cinco anos, não parece que será neste domingo.