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Verónica Abad, vice-presidente do Equador confrontada com Noboa: “Temo pela minha vida, sofrendo um atentado”

Em entrevista de Tel Aviv ao EL PAÍS, Abad garante que Noboa se comporta como um presidente autoritário que não respeita a lei. Este não quer dar-lhe o cargo quando for fazer campanha

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM EL PAÍS 19/05/2024
Verónica Abad, vice-presidente do Equador confrontada com Noboa: “Temo pela minha vida, sofrendo um atentado”
A vice-presidente do Equador, Verónica Abad, saúda durante cerimônia de troca da guarda militar, em Quito, em novembro de 2023 | CRISTINA VEGA (REUTERS)

As relações entre os presidentes e vice-presidentes da América Latina são geralmente disfuncionais. Gustavo Petro tem uma relação muito fria com Francia Márquez, uma mulher afro que foi fundamental para sua chegada ao poder.

Antes do Petro, Iván Duque ignorou e desprezou Marta Lucía Ramírez.

O que está acontecendo no Equador, porém, escapa a qualquer compreensão.

O presidente Daniel Noboa não teve uma única conversa com Verónica Abad, sua vice-presidente, desde que ambos venceram as eleições.

Pouco depois de tomarem posse, ele enviou-a permanentemente para Tel Aviv numa missão de “mediação” entre Israel e a Palestina, quando a falta de influência do país numa questão desta magnitude é bem conhecida.

Meses depois, o Ministério Público prendeu o filho de Abad por tráfico de influência e ordenou a sua internação em La Roca, uma prisão de segurança máxima. Abad segura a mão de Noboa por trás da maleta.

Esta manifesta animosidade de Noboa para com a pessoa com quem escolheu governar o Equador poderá diluir-se até ao final do mandato.

Mas há algo fundamental que torna a situação ainda mais tensa: o atual presidente, que quer ser reeleito e parece que assim será devido à sua grande popularidade, deve renunciar ao cargo no final deste ano. , 45 dias antes das eleições para fazer campanha, e entregar o cargo a Abad. Isto é o que determina a Constituição equatoriana, está escrito em pedra. 

Noboa tenta evitar que isso aconteça a todo custo e por isso envia emissários constantes que dizem a Abad que o melhor para ela seria renunciar.

O vice-presidente está sujeito a todo tipo de pressão que aumenta a cada dia.

Por exemplo, hoje em dia, o conselheiro de uma entidade supostamente independente apresentou uma queixa contra Abad perante as autoridades eleitorais, acusando-a de ter feito campanha antes do permitido por lei. Foi assim e isso ficou registrado em suas redes sociais.

O grotesco é que Noboa fez exatamente a mesma coisa. É dado como certo que os truques para destituir Abad se intensificarão à medida que chega a data em que o presidente será forçado a renunciar.

Abad vive o momento mais difícil de sua vida. Através de uma videochamada de Tel Aviv, meio através do qual foi realizada esta entrevista, observa-se uma mulher perturbada, às vezes à beira do choro, principalmente quando se lembra da prisão do filho.

Ele até teme por sua vida. No entanto, garante que não pretende abandonar o cargo e que chegará o dia em que entrará pela porta do Palácio Carondelet, residência presidencial, ainda que de forma provisória.

Noboa bateu num muro, contra uma política de convicção absoluta. Nos seus olhos brilha o fogo de quem está disposto a ir até o fim.

Daniel Noboa e Verónica Abad
Daniel Noboa, junto com Verónica Abad, discursa durante a nomeação de seu Gabinete, em Quito (Equador), em novembro de 2023.JOSÉ JÁCOME (EFE)

Perguntar. O presidente Noboa foi desleal com você?

Responder. Exatamente. Concordámos em cumprir um projecto político e esse projecto foi traído.

P. Por que ele pediu que você fosse sua chapa presidencial?

R. Primeiro sou mulher e temos que cumprir uma lei de paridade . Precisávamos colocar ideias e projetos, que é o que preparei em políticas públicas. Nos conhecemos quando ele era deputado. Pertenço às montanhas do nosso lindo país, o Equador, e nessa região vencemos. Mas isso não aconteceu na costa equatoriana (região natal do presidente).

P. Durante a campanha você disse que a violência de género era um mito, que não existia. O que você pensa agora?

R. Não comecei a dizer que não existe violência contra as mulheres. A violência é real , eu estaria mentindo. É inegável que o machismo existe.

P. Você está sofrendo com isso neste momento?

R. Sofro violência política, assédio e abuso contínuo.

P. O principal promotor desta campanha é Noboa?

R. Há todo um governo por trás disso. O assédio e a perseguição política são muito claros. Não estou falando de algo em que acredito: está acontecendo. O Equador tem que reagir a este ultraje. Temos uma Constituição que deve ser respeitada. Estou aqui porque o povo equatoriano me deu o direito de ser vice-presidente. Isto tem a ver com democracia, que é sagrada. Deve haver o máximo respeito pela ordem constitucional.

P. Que manobra você espera de Noboa para removê-la?

R. Isso começa com um decreto presidencial para me banir , reduzir ao mínimo a institucionalidade da Vice-Presidência. Por decreto, tiraram-me a segurança. Até agora não tivemos funções específicas, porque nunca existiu declarar um vice-presidente como embaixador. Fui nomeado para a missão de paz de Israel com a Palestina. É inconstitucional porque a vice-presidência fala das suas funções e nós não temos as funções daquilo que podemos trabalhar. Alcançar a paz entre Israel e a Palestina? São esses dois países os responsáveis.

P. Qual foi o seu pior momento nestes meses?

R. A invasão e prisão do meu filho, a coisa mais sagrada. Custou-me muitas lágrimas como mãe. A justiça não é independente dos poderes que existem no Estado de direito. Continuam tentando me afastar através de denúncia no Tribunal Contencioso Eleitoral, com provas ridículas. Estou esperando até que me declarem persona non grata . Não sei o que mais Noboa quer tentar. Talvez me mande para a Antártica, como você disse. Tenho a obrigação de falar com os equatorianos, mas por duas vezes me ordenaram que ficasse calado para não falar nem dar declarações. É violência política, emocional e psicológica; Eles querem destruir minha moral e minha decência.

P. Quais serão os seus argumentos para se defender desta denúncia eleitoral?

R. Se isso se aplica a mim, também tem que ser com o presidente, com os deputados, autarcas e vereadores que fazem o mesmo.

P. Esteban Guarderas, conselheiro da Participação Cidadã – entidade que supostamente representa os cidadãos para o controle do poder – que apresentou a denúncia contra você, reconheceu que você foi a Carondelet. Você sabe com quem ele se encontrou?

R. Ele entra e sai de Carondelet, mas não posso dizer com quem ele se encontra, porque sei que vão retaliar.

P. Por que Noboa não quer que você assuma o controle a qualquer preço?

R. Em que momento me consideraram perigoso? O que eles não querem que seja conhecido? A Constituição determina que, em caso de renúncia ou ausência de um presidente, o vice-presidente assume a Presidência. É a ordem constitucional.

P. Você quer ir até o fim, quer ser presidente?

R. Não é que eu queira, é o que tem que acontecer dentro da Constituição.

P. Você passou a temer por sua vida?

R. Claro, especialmente por causa do violento ataque contra meu filho. Ao ver como ele atropela uma Embaixada, sem dúvida, temo pela minha vida. Portanto, deve ser legalizado e é necessário chegar à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que possa garantir que eu retorne ao país sem ser agredido. Isso foi longe demais. Tenho sido uma mulher muito prudente. Ao denunciar o abuso e a violência, sou agora desleal? Agora sou correísta (seguidor do presidente de esquerda Rafael Correa, antípodas ideológicas de Abad)?

P. Você acha que no Equador existe uma tendência autoritária com o Governo Noboa?

R. Totalmente. Quem se considera acima da lei é, sem dúvida, um governo autoritário. Ele destrói as pessoas por quererem fazer a sua vontade. Tenho defendido uma democracia representativa, que agora foi eliminada.

P. O que você pensou quando viu o ataque à Embaixada do México em Quito ordenado por Noboa?

A polícia invadiu a Embaixada do México em Quito na última sexta-feira, seguindo ordem do presidente equatoriano, Daniel Noboa.
A polícia invade a embaixada mexicana em Quito, Equador, em 5 de abril de 2024.DAVID BUSTILLOS (AP/LAPRESSE)

R. Do terror. Não há justificativa. O meu filho também foi atacado da forma mais brutal, como muitas outras pessoas perseguidas politicamente.

P. Jorge Glas, vice-presidente de Correa , está se refugiando na embaixada para evitar um processo judicial que considera uma perseguição?

R. A justiça tem que dizer isso. As perseguições são reais quando comprovadas. Meu filho não foi considerado culpado. Tenho uma investigação por tráfico de influência, tiveram meu visto para os Estados Unidos revogado. Eles buscam minha destituição pela Justiça Eleitoral. A Secretaria da Presidência pede-me o último relatório de Abril para que o Executivo possa ver se estou a cumprir as minhas funções ou não. Há violência sequencial. Apelo à comunidade internacional. O que está acontecendo é muito sério. O Estado totalitário prevalece.

P. Você acha que o que aconteceu em Oloncito é um caso de corrupção ou tráfico de influência ( a esposa de Noboa planejava construir um resort de luxo em uma floresta protegida, mas sua empresa desistiu do projeto depois que o escândalo se tornou conhecido)?

R. Correto. Isso é autoritarismo, abuso de poder contra aquelas pessoas que não estão armadas nem querem atacar, mas defendem a natureza, as instituições. A liberdade democrática do país está em perigo.

P. Às vezes você se sente tentado a renunciar?

R. O povo equatoriano me deu esta responsabilidade, eu a cumpri. Não vou desistir, não vou. Devo isso aos equatorianos que me elegeram, não quero deixá-los sozinhos. Se eu desse um passo atrás neste momento, a luta das mulheres, principalmente pela questão da paridade, seria abandonada depois de tanto esforço. Não é justo que o povo tenha esta discussão sobre poderes quando o que é preocupante está noutro lado. Não merece o espectáculo que o Governo dá todos os dias para desviar a atenção do que é realmente importante.

P. Você concorrerá às eleições presidenciais ou renunciará à política?

R. Não pensei em concorrer à presidência, mas não vou desistir desta corrida. Sou um político, não um diplomata.