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Por que terremoto em Mianmar foi sentido tão longe do epicentro e outras 3 perguntas sobre a tragédia

Embora o país do Sudeste Asiático seja uma região de alto risco para abalos sísmicos, os países vizinhos, como Tailândia e China — que também foram afetados pelo terremoto — não são

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 30/03/2025
Por que terremoto em Mianmar foi sentido tão longe do epicentro e outras 3 perguntas sobre a tragédia
O terremoto em Mianmar foi sentido até em Bangkok, na Tailândia, a cerca de 1 mil km de distância | Getty Imagens

O forte terremoto de magnitude 7,7 em Mianmar que aconteceu na sexta-feira (28/3) deixou milhares de mortos e feridos, além de causar o colapso de inúmeras casas e prédios.

Embora o país do Sudeste Asiático seja uma região de alto risco para abalos sísmicos, os países vizinhos, como Tailândia e China — que também foram afetados pelo terremoto — não são.

A capital tailandesa, Bangkok, fica a mais de mil km do epicentro do terremoto de sexta-feira, mas um edifício alto em construção naquela cidade desabou após o tremor.

Nesta reportagem, explicamos o que causou esse poderoso terremoto e como ele teve desdobramentos sérios tão longe do epicentro.

1. O que causou o terremoto?

A camada superior da Terra é dividida em diferentes seções chamadas placas tectônicas, que estão em constante movimento.

Algumas delas se movem lateralmente, enquanto outras se mexem uma em cima da outra (ou abaixo).

E é justamente esse movimento que causa os terremotos e a formação de vulcões.

Mianmar é considerada uma das áreas geologicamente mais ativas do mundo porque fica na convergência de quatro dessas placas: as microplacas Eurasiática, Indiana, Sonda e Birmânia.

O Himalaia foi formado pela colisão da placa Indiana com a placa Eurasiática.

O tsunami de 2004 foi uma consequência do movimento da placa Indiana sob a microplaca da Birmânia.

Rebecca Bell, que pesquisa placas tectônicas no Imperial College London, no Reino Unido, explica que, para acomodar todo esse movimento, falhas (ou rachaduras na rocha) se formam, o que permite o deslizamento das placas tectônicas para os lados.

Mapa mostra epicentro do terremoto no Mianmar

Há uma grande falha chamada Falha de Sagaing, que se estende de norte a sul em Mianmar e tem mais de 1,2 mil km de extensão.

Dados preliminares sugerem que o movimento que causou o terremoto de sexta-feira foi do tipo "deslizamento lateral", em que dois blocos se movem horizontalmente um ao lado do outro.

Isso está de acordo com o tipo de movimento característico da Falha de Sagaing.

Quando as placas deslizam umas sobre as outras, elas podem ficar presas, o que aumenta o atrito até que ele seja repentinamente liberado. Isso faz com que o solo se mova e aconteça um terremoto.

Mapa mostra área atingida por tremor após terremoto no Mianmar

2. Por que o terremoto foi sentido tão longe?

Terremotos podem ocorrer até 700 km abaixo da superfície.

Mas o terremoto de sexta-feira aconteceu a uma profundidade de apenas 10 km, o que o torna um terremoto muito superficial.

Isso, por sua vez, aumenta a quantidade de tremores na superfície do solo.

Além disso, esse terremoto foi muito grande, com magnitude de 7,7 na escala de movimento sísmico.

De acordo com o Serviço Geológico dos EUA (USGS), ele liberou mais energia do que a bomba atômica lançada sobre Hiroshima.

O tamanho do terremoto está relacionado ao tipo de falha onde ele aconteceu, ensina Bell.

"A natureza reta da Falha de Sagaing permite que os terremotos se propaguem por grandes áreas e, quanto maior a área da falha que desliza, maior o terremoto", diz ela.

"Houve seis terremotos de magnitude 7 ou maior nesta região no último século", lembra a pesquisadora.

Essa falha reta também significa que grande parte da energia pode ser transmitida ao longo de sua extensão, que se estende 1,2 mil km ao sul, em direção à Tailândia.

A forma como os terremotos são sentidos também depende do tipo de solo em que eles acontecem.

Em solos macios — como aqueles sob os quais Bangkok foi construída — as ondas sísmicas (as vibrações da Terra) desaceleram e se acumulam, o que aumenta o tamanho do problema.

Portanto, a geologia de Bangkok teria intensificado o tremor do solo.

3. Por que apenas um arranha-céu desabou em Bangkok?

Embora tenham surgido imagens chocantes de prédios altos em Bangkok que balançaram durante o terremoto — e até mesmo tiveram o vazamento de água de piscinas localizadas no terraço — a sede inacabada do Gabinete do Auditor Geral no distrito de Chatuchak, em Bangkok, parece ser o único arranha-céu a ter desabado completamente.

De acordo com Christian Málaga-Chuquitaype, professor-sênior de engenharia de terremotos do Imperial College London, antes de 2009 Bangkok não tinha regulamentações de segurança abrangentes para edifícios resistentes a terremotos.

Isso significa que edifícios mais antigos seriam particularmente vulneráveis.

Tal fato não é incomum, pois prédios resistentes a terremotos tendem a ser mais caros — e a Tailândia, diferentemente de Mianmar, não sofre terremotos com frequência.

Emily So, professora de engenharia arquitetônica na Universidade de Cambridge, também no Reino Unido, observa que edifícios mais antigos podem ser reforçados, e que isso já foi feito em lugares como a Califórnia, nos EUA, o oeste do Canadá e a Nova Zelândia.

Legenda do vídeo,O momento em que prédio na Tailândia desaba após terremoto com epicentro em Mianmar

O professor Amorn Pimarnmas, presidente da Associação de Engenheiros Estruturais da Tailândia, conta que, embora existam regulamentações de construção resistentes a terremotos em 43 províncias do país, estima-se que menos de 10% dos edifícios sejam realmente capazes de aguentar terremotos.

Entretanto, o edifício que desabou era novo — na verdade, ainda estava em construção quando o terremoto ocorreu — e, portanto, as regulamentações atualizadas tiveram que ser aplicadas na obra.

Pimarnmas avalia que o solo macio de Bangkok também pode ter desempenhado um papel no colapso, pois isso amplifica os movimentos sísmicos de três a quatro vezes.

"No entanto, há outras variáveis ​​a serem consideradas, como a qualidade dos materiais (concreto, vigas e colunas de metal) e quaisquer possíveis irregularidades no sistema estrutural. Tudo isso ainda precisa ser investigado em detalhes", acrescenta ele.

Após analisar o vídeo do desabamento do edifício, Málaga-Chuquitaype entende que aparentemente a obra tinha um sistema de construção em "laje plana", um método que não é mais recomendado em áreas propensas a terremotos.

"Um sistema de laje plana envolve a construção de edifícios onde os pisos repousam diretamente sobre colunas, sem o uso de vigas", explica ele.

"É como uma mesa apoiada apenas nas pernas, sem nenhum suporte horizontal adicional por baixo."

"Embora esse projeto tenha vantagens econômicas e arquitetônicas, seu desempenho durante terremotos é ruim e ele frequentemente falha de forma repentina, quase explosivamente", complementa o especialista.

Prédio desaba em Bangkok

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Mais de 70 trabalhadores ficaram presos após o desabamento do canteiro de obras

4. E os edifícios em Mianmar?

Mandalay, em Mianmar, ficava muito mais perto do epicentro do terremoto, então deve ter sofrido tremores consideravelmente mais fortes do que o registrado em Bangkok.

Embora Mianmar sofra terremotos regularmente, Ian Watkinson, professor de ciências da terra na Royal Holloway University, no Reino Unido, acredita que é improvável que muitos edifícios sejam construídos de acordo com padrões de resistência a terremotos.

"A pobreza generalizada, grandes convulsões políticas e outros desastres — por exemplo, o tsunami do Oceano Índico em 2004 — desviaram a atenção do país dos riscos imprevisíveis associados aos terremotos", lista ele.

"Isso significa que, em muitos casos, os códigos de projeto estrutural não são aplicados e a construção é realizada em áreas que podem representar um risco sísmico maior, como planícies de inundação ou encostas íngremes."

Alguns edifícios de Mandalay também estão localizados na planície de inundação do Rio Irauádi, o que os torna altamente vulneráveis ​​a um fenômeno chamado liquefação.

Isso ocorre quando o solo tem alto teor de água — e a agitação faz com que os sedimentos percam a firmeza e se comportem como um líquido.

Esse fenômeno aumenta o risco de deslizamentos de terra e desabamentos de edifícios, pois o solo não consegue mais suportá-los.

Emily So alerta que "sempre há a possibilidade" de mais danos a edifícios próximos a uma falha por causa de tremores secundários — os choques que ocorrem após o terremoto principal e que podem ser causados ​​pela transferência repentina de energia para rochas próximas.

"Na maioria das vezes, os tremores secundários são menores que o choque principal e tendem a diminuir em tamanho e frequência ao longo do tempo", alerta ela.