Opinião
O primeiro número da Revista do CML já se propunha a ter como missão, conforme a enfática afirmação do primeiro editorial, de contribuir para que Mato Grosso não continuasse a ser apenas uma “expressão geográfica”.
E, com efeito, para romper o círculo constrito que circunscreveu Mato Grosso por séculos, numa época em que os cursos superiores eram neste distante Oeste apenas um sonho longínquo, que estas duas instituições pioneiras foram o ambiente propicio e único para o debate das questões culturais, históricas, geográficas, educacionais e econômicas mais relevantes de Mato Grosso.
E desta forma, sobre a tarefa cumprida pela AML e o IHGMT, podemos repetir o que um autor, muitas décadas depois escreveria. O historiador John Lukacs nos lembra, em ‘O fim de uma era’, que “a compreensão humana é uma questão de qualidade, não de quantidade” e é neste sentido que os textos publicados por estas instituições foram significativos para uma reflexão de nossa realidade circundante e uma compreensão mais apurada sobre a História de Mato Grosso.
Seguramente uma das realizações mais significativas na história centenária da Academia, além da publicação com regularidade de sua Revista – cujo primeiro número é de janeiro de 1922 – trata-se da publicação, entre 2006 e 2009, dos dez volumes que compõem a Coleção Obras Raras de Mato Grosso.
Essa Coleção reeditou algumas das obras mais representativas da literatura – entre estas o primeiro romance escrito por um mato-grossense (1917) - e da historiografia mato-grossense, de há muito esgotadas e inacessíveis até mesmo aos especialistas. Todavia, sem qualquer temor de exagero, pode-se afirmar que a Coleção Obras Raras de Mato Grosso representa talvez a mais importante, ampla e significativa iniciativa na área editorial já empreendida no Estado de Mato Grosso, seja pelo governo ou por qualquer outra instituição e mesmo pela área privada. Editada em parte com o apoio do governo estadual, a AML fez a doação de oitenta coleções, ao todo 560 exemplares, a oitenta escolas, sendo quarenta da rede pública estadual e quarenta da rede municipal da Capital e de Várzea Grande. A doação massiva desses livros ocorreu pela primeira vez na história da AML e representou uma contribuição marcante para o conhecimento e a divulgação da cultura mato-grossense.
Somos hoje testemunhas, certamente mais que em tempos pretéritos, de crucial contradição. É que, ao mesmo tempo em que cresce no conjunto da sociedade o entendimento de que a Cultura e a Educação são elementos fundamentais para a manutenção e o fortalecimento daqueles valores humanos que por séculos tem sido a marca registrada de nossa civilização, constata-se o inaceitável paradoxo de que a Cultura, a Ciência e a Educação venham sendo tão poucos prestigiados pelos poderes públicos. É assustador o quanto o dinheiro público, que ao fim e ao cabo é dinheiro do povo, deixa de ser destinado às obras educacionais e às atividades culturais.
A queda nos índices da destinação orçamentária para a ciência, a educação e a cultura é significativa, evidenciando-se notório descaso. Os investimentos nessa área deixaram ter a prioridade que se requer. É triste ver como a cultura e a educação passaram ao longo dos últimos anos a serem vistos como gêneros de segunda categoria. Em Mato Grosso não tem sido diferente do restante do Brasil. Faltam recursos para a ação cultural e educacional e, o pouco existente, é mal direcionado. Falta uma efetiva política de edição e de divulgação para o livro e para a criação e a manutenção de bibliotecas escolares e públicas em todos os municípios.
Não obstante, a Academia Mato-Grossense de Letras chega ao seu primeiro centenário arrostando todos os obstáculos e dificuldades, e mesmo com a absoluta falta de apoio dos poderes públicos, vem sobrevivendo. E, apesar de tudo, sobreviverá. Quando pouco se tem, esse pouco se faz muito. E enquanto permanecer fiel aos ideais fundadores estará cumprindo sua finalidade e altaneira haverá de alcançar seu segundo centenário.
- Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é autor de Dicionário de Termos e Expressões de Mato Grosso e de Pássaros Sonhadores (poemas), entre outros livros. Pertence a AML desde 1985. Foi presidente da instituição por três mandatos