Política
Enquanto Ana Castela canta, Sapezal chora: quase R$ 1 milhão vai para o palco e não para o povo
Valor gasto em apenas 2h30 de show poderia bancar escola, posto de saúde ou centro esportivo em Sapezal, cidade que ainda enfrenta carências na saúde e na educação

O cachê de R$ 950 mil que será pago à cantora Ana Castela para se apresentar no aniversário de 31 anos de Sapezal (473 km de Cuiabá) escancarou uma ferida antiga: a forma como recursos públicos são usados em um município que ostenta riqueza no PIB, mas deixa sua população sem estrutura básica em saúde, educação e lazer.
A decisão da Justiça de Mato Grosso, que autorizou a realização do espetáculo mesmo após ação popular questionar o gasto milionário, virou combustível para o debate sobre prioridades.
O que se constrói com R$ 950 mil
Para além do palco iluminado, a cifra impressiona quando colocada em perspectiva. Com o mesmo valor, Sapezal poderia:
- Construir uma escola pública de ensino fundamental, equipada com biblioteca e salas de aula adequadas.
- Implantar um posto de saúde ou uma UPA, garantindo atendimento emergencial a milhares de moradores.
- Criar um centro esportivo para jovens e adolescentes, com quadra coberta, espaço de convivência e incentivo à prática de esportes.
- Reestruturar postos de saúde existentes, combatendo filas e carência de médicos.
Enquanto isso, a população verá o dinheiro evaporar em apenas 2h30 de música.
Sapezal tem uma das economias mais robustas de Mato Grosso. O PIB do município passa de R$ 7 bilhões, e o PIB per capita supera R$ 250 mil, um dos maiores do país.
Mas essa prosperidade do agronegócio não chega igualmente às famílias: Na saúde, a cidade não tem UPA e depende de 45 leitos hospitalares, todos privados, o que limita o acesso da população ao atendimento público; Na educação, escolas convivem com carências de infraestrutura, professores especializados e enfrentam evasão escolar e no esporte e lazer, jovens crescem sem espaços adequados para convivência comunitária.
O brilho do agronegócio contrasta com o apagão social que atinge o dia a dia do cidadão comum.
O juiz Luiz Guilherme Carvalho Guimarães rejeitou o pedido de suspensão do show, sob o argumento de que não havia provas de irregularidades orçamentárias e que o valor do cachê se justifica pelo momento da carreira da artista, em ascensão após se apresentar na Festa do Peão de Barretos.
O magistrado também destacou que o evento pode movimentar a economia local durante as festividades do aniversário da cidade.
Contudo, o que a Justiça não avaliou é que o impacto econômico do show será efêmero, restrito a poucos dias de festa, enquanto as deficiências em saúde, educação e infraestrutura continuarão por anos.
Para o prefeito Cláudio José Scariote, contratar uma estrela nacional representa vitrine política. Mas a aposta em popularidade imediata custa caro aos cofres públicos e reforça um modelo de governo que privilegia o brilho do espetáculo em detrimento das políticas sociais.
Duas horas e meia contra décadas de investimento
O show milionário coloca em xeque a lógica de prioridades de Sapezal:
- R$ 950 mil para 2h30 de música.
- Ou R$ 950 mil para anos de atendimento em saúde, vagas escolares e oportunidades para a juventude.
Na prática, a decisão judicial e a escolha política representam um erro contra o povo: ao privilegiar um espetáculo passageiro, deixam de lado os investimentos que poderiam transformar vidas em Sapezal.