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Como acesso cada vez mais fácil a drones dificulta combate a facções no Brasil

Em média, ao menos um drone é apreendido a cada dois dias no Brasil, aponta um levantamento feito pela Polícia Federal a pedido da BBC News Brasil, por meio da Lei de Acesso à Informação

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 05/12/2025
Como acesso cada vez mais fácil a drones dificulta combate a facções no Brasil
Imagens da megaoperação policial realizada em outubro nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, mostraram drones lançando granadas contra equipes policiais | Getty Imagens

Imagens da megaoperação policial realizada em outubro nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, mostraram drones lançando granadas contra equipes policiais.

O episódio, que deixou ao menos 121 mortos, incluindo quatro policiais, ilustra o risco do uso desses dispositivos em ações criminosas. E, segundo especialistas, pode se tornar cada vez mais recorrente.

Em média, ao menos um drone é apreendido a cada dois dias no Brasil, aponta um levantamento feito pela Polícia Federal a pedido da BBC News Brasil, por meio da Lei de Acesso à Informação.

O uso de drones no Brasil é regulamentado por diversos órgãos federais, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mas a apreensão dos equipamentos pela polícia está ligada a casos em que há indícios de crime.

Desde junho de 2024, quando a PF passou a compilar esse tipo de apreensão, mais de 200 equipamentos foram apreendidos.

Metade das apreensões informadas aconteceu de uma só vez, em uma operação em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Cem drones da marca DJI foram recolhidos e encaminhados à Receita Federal, segundo os dados enviados. A carga, apreendida em julho deste ano, foi estimada em cerca de R$ 348 mil.

O baixo custo é uma das vantagens para o crime organizado: os dados do levantamento mostram alguns equipamentos com valor estimado em R$ 3 mil por unidade.

Mas o número de apreensões pode ser ainda maior. A PF afirmou que o levantamento é parcial e pode ser atualizado com novos dados. Também não foram consideradas apreensões por outras forças de segurança, como as polícias militares.

Outro levantamento, feito em processos judiciais pela plataforma Escavador, também a pedido da BBC, identificou um aumento de menções a drones em ações judiciais relacionadas a organizações criminosas e tráfico de drogas: só neste ano, houve ao menos 414 ações que citam o termo, mais do que em todos os anos anteriores.

inquérito que embasou a megaoperação do Rio em outubro registra várias referências ao uso de drones pelo Comando Vermelho. Entre elas estão conversas de lideranças da facção no WhatsApp sobre o monitoramento das comunidades com esses equipamentos.

"Joga ele pra dentro todo dia quando chegar no plantão. Tu levanta o drone no mar, leva a visão", diz uma das mensagens transcritas. Em outra, um dos membros da facção diz que o grupo deve "se adequar" à tecnologia e adquirir drones com visão noturna, que seriam comprados.

"O monitoramento constante da presença policial com o auxílio de drones sugere uma estrutura organizada e bem coordenada dentro da facção, com foco em proteger seus interesses e negócios ilegais", diz um relatório da Delegacia de Repressão a Entorpecentes do Rio.

Esse monitoramento seria, inclusive, a forma como lideranças do comando saberiam com antecedência da chegada dos policiais nas comunidades, para que pudessem fugir.

Imagem aérea de drone em câmera de celular

Crédito,Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro

Legenda da foto,Imagens capturadas por drone ajudam integrantes do Comando Vermelho a identificar chegada de policiais em comunidades do RJ

Encomenda por correio

Uma investigação feita pela Polícia Federal no Rio identificou que um homem, Everson Vieira Francesquet, seria responsável por importar armas, fuzis e até drones para outra facção, o Terceiro Comando Puro (TCP).

A investigação começou após prisão em flagrante em julho deste ano, quando Everson foi surpreendido no momento em que retirava um bloqueador de sinais conhecido como fuzil antidrone em uma agência dos Correios em Nova Iguaçu (RJ).

Segundo a PF, ele tinha por função "selecionar na internet anunciantes de bloqueadores de sinais, drones e armamento", além de fazer as compras e entregá-las a Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, conhecida liderança do TCP na região.

Em uma das conversas interceptadas, a polícia identificou relações comerciais entre ele e vendedores de bloqueadores de sinais em Brasília. "Os interlocutores realizavam planejamentos para a compra de bloqueadores de sinais, drones e peças para arma de fogo, com o objetivo comum de fortalecimento do grupo criminoso perante guerra do narcotráfico dentro das favelas", diz relatório da Polícia Federal.

Os diálogos mostram ainda, segundo a PF, que os suspeitos usariam os drones para "monitorar e lançar granadas em criminosos rivais."

Em uma das mensagens, Peixão diz que a inserção de drones e antidrones no crime "seria um trabalho novo, que nenhuma outra favela estaria tomando tal estratégia."

Legenda do vídeo,Governo do Rio de Janeiro afirmou que traficantes usaram tecnologias para retaliar a ação da polícia

Interceptar drone é muito mais caro

O uso de drones por grupos armados não estatais, inclusive para fins relacionados ao terrorismo, representa uma "ameaça grave e crescente à segurança internacional", afirma um relatório do Escritório das Nações Unidas para o Combate ao Terrorismo (UNOCT), elaborado em parceria com a organização Conflict Armament Research.

O documento analisa como essas organizações têm adquirido, modificado e utilizado esse tipo de equipamento.

A publicação reúne pesquisas feitas em diversos países e detalha rotas de aquisição, adaptações estruturais e formas de emprego da tecnologia em campo.

Uma das conclusões é que esses grupos têm usado majoritariamente drones comuns, facilmente encontrados em lojas e na internet, mas há esforços para modificá-los e ampliar seu alcance e capacidade ofensiva.

Dentre as alterações possíveis está a adição de câmeras de alta qualidade e a integração de uma carga explosiva, seja com munições convencionais ou explosivos improvisados, por exemplo.

O estudo aponta também que o conhecimento técnico sobre essas adaptações já é compartilhado entre diferentes organizações criminosas.

"Existe uma séria ameaça de que os ataques futuros não só aumentem em frequência e alcance geográfico, mas também em letalidade, precisão e potência", diz o relatório.

Para Aryamehr Fattahi, pesquisadora do Bloomsbury Intelligence and Security, um think tank dedicado à segurança, o desenvolvimento mais alarmante é a militarização da tecnologia.

"Os drones agora lançam explosivos durante ataques contra rivais e autoridades policiais. O Brasil testemunhou isso em 28 de outubro de 2025, quando membros da gangue Comando Vermelho utilizaram drones com visão em primeira pessoa (FPV) para lançar explosivos sobre a polícia durante a Operação Contenção. Além disso, os cartéis mexicanos realizaram 77 bombardeios com drones em 2024, em comparação com 35 em 2023. Isso reflete o uso cada vez mais acessível e econômico de drones em operações de grupos armados não estatais", diz.

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia impulsionou a adoção global de drones criminosos, segundo especialistas, proporcionando mais transferência de conhecimento.

"Desde o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, os cartéis mexicanos têm adotado cada vez mais o uso de FPVs, uma vez que os custos unitários caíram significativamente e o conhecimento técnico se tornou acessível, permitindo maior manobrabilidade e precisão", diz Fattahi.

A rápida adoção tem a ver com a facilidade com que esses equipamentos podem ser adaptados: os populares modelos DJI, um dos que mais aparecem nas apreensões da Polícia Federal, podem transportar cargas equivalentes a granadas.

Por outro lado, controlar esses ataques pode custar muito mais caro.

"Interceptar um drone de US$ 20.000 (R$ 107 mil) pode exigir um míssil Patriot de US$ 2 milhões (R$ 10,7 milhões); da mesma forma, os sistemas de combate a drones das forças policiais custam milhares de dólares para se defender contra drones FPV de US$ 200 a US$ 500 (R$ 1 mil a R$ 2,6 mil). Essa lógica econômica, comprovada no campo de batalha, torna a guerra com drones atraente para empresas criminosas bem financiadas que buscam vantagem tática contra as forças de segurança", diz a pesquisadora.

Um carro queimado está tombado em um conjunto habitacional danificado por um ataque com mísseis e drones russos na vila de Sofiivska Borshchahivka, distrito de Bucha, região de Kiev, Ucrânia, em 29 de novembro de 2025

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Conflito na Ucrânia com uso de drones acelerou uso da tecnologia em outros países, dizem especialistas

'Há uma lacuna entre avanço tecnológico das facções e resposta das autoridades'

Bruno Langeani, consultor sênior do do Instituto Sou da Paz, diz que há uma lacuna "preocupante" entre o avanço tecnológico dos grupos ilícitos e a capacidade de resposta das autoridades públicas.

Com os drones, lembra Langeani, as facções tiram o fator surpresa das autoridades policiais e podem reduzir a eficácia de suas operações. Outro risco é a preparação de emboscadas.

"Drones têm sido empregados para mapear deslocamentos de autoridades ou alvos rivais. Foi o caso, por exemplo, do ataque ao Dr. Ruy Fontes (ex-delegado-geral do Estado, Ruy Ferraz Fontes, assassinado em setembro) e de outros episódios em que agentes do Estado foram identificados e perseguidos", diz.

Ele destaca também o transporte de produtos ilícitos. "A evolução tecnológica tem ampliado a autonomia de voo e a capacidade de carga dos drones. Com isso, eles são usados para cruzar fronteiras com drogas, armas e contrabando; e também para introduzir objetos proibidos em presídios — como celulares, entorpecentes e, em alguns casos, armas de fogo."

Langeani afirma que, embora menos frequente, os ataques feitos diretamente com os drones tendem a crescer.

"Enquanto isso, as instituições de segurança e defesa seguem sem treinamento para lidar com o fenômeno. São raros os mapeamentos sistemáticos sobre o uso criminoso de drones e ainda faltam profissionais capacitados para extrair dados dos equipamentos e realizar perícias adequadas — essenciais para identificar modelos, fabricantes e modificações ilegais."

Projeto quer criminalizar e ampliar pena para uso não autorizado de drones

A regulamentação dos drones no Brasil é compartilhada: cabe à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que aprova o equipamento, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).

Mas não há legislação clara para coibir o uso violento desses equipamentos.

Em setembro deste ano a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que atualiza o Código Penal para incluir crimes cometidos com drones. As penas podem ser ampliadas se os equipamentos usarem explosivos ou armas de fogo.

O projeto foi apresentado no ano passado, pelos deputados Alberto Fraga (PL/DF) e Capitão Alden (PL/BA), e cita em sua justificativa um caso divulgado pela imprensa em 2024, em que um drone foi utilizado para lançar granadas em favelas da zona norte do Rio. O modelo, da marca DJI, foi encontrado em uma comunidade controlada pelo Comando Vermelho.

Na prática, a lei incluiria veículos remotamente controlados no Código Penal e também definiria como crime a direção de aeronaves ou drones sem licenciamento, bem como a operação sem devida autorização.

"O uso desse aparelho em atentado dessa natureza mostra-se ser uma arma com alto poder destrutivo, de controle extremamente difícil e que pode atingir qualquer alvo, incluindo policiais em patrulhamento, por exemplo, além de alcançar pessoas ao acaso, e de modo letal, afora danos patrimoniais", diz o texto. O projeto pode ser enviado para votação no plenário.

Para Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, seria difícil restringir o uso dos drones, já que são produtos de uso civil, vendidos sem exigência de registro ou controle e operáveis até por crianças.

"Uma abordagem mais inteligente seria reforçar o controle de artefatos explosivos — que já são considerados produtos controlados pelo Exército — e coibir sua fabricação clandestina, como no caso das centenas de granadas artesanais apreendidas em comunidades do Rio de Janeiro."

A DJI, marca mais citada entre os drones apreendidos pela Polícia Federal, disse, em nota à BBC News Brasil, que "desenvolve tecnologias voltadas à segurança e responsabilidade, mantendo diálogo contínuo com autoridades em diversos países para apoiar operações mais seguras com drones."

A marca afirma que implementou recursos como sistemas avançados de geolocalização, identificação remota e ferramentas que permitem o monitoramento de drones em operação por autoridades qualificadas.

No Brasil, a empresa ressaltou a importância do cumprimento das normas que regem a operação e comercialização de drones, incluindo a homologação pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o registro na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a observância dos requisitos de operação estabelecidos pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA).

A marca disse ainda que apoia iniciativas "para orientar consumidores e operadores sobre a aquisição de drones devidamente homologados, com nota fiscal e rastreabilidade" e que "permanece à disposição das autoridades brasileiras para colaborar sempre que solicitado, e segue empenhada no aprimoramento constante de seus sistemas de segurança, com o objetivo de promover o uso responsável, ético e legal da tecnologia de drones no país."