Cotidiano
O Ministério Público Federal (MPF), por meio do 1° Ofício de sua unidade em Barra do Garças (MT), obteve na Justiça Federal sentença que condenou tanto a União quanto a Fundação Nacional do Índio (Funai) a implantarem, dentro de 45 dias, um projeto de gestão ambiental e territorial na Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante. A sentença favorável foi obtida a partir da Ação Civil Pública nº 1000190-92.2021.4.01.3605.
O projeto de gestão ambiental e territorial na TI Marãiwatsédé deverá ser voltado ao fortalecimento das práticas indígenas de manejo, uso sustentável e conservação dos recursos naturais e a inclusão social dos povos indígenas, consolidando a contribuição das Terras Indígenas como áreas essenciais para conservação da diversidade biológica e cultural nos biomas florestais brasileiro.
A União e a Funai também deverão atender as famílias indígenas da TI Marãiwatsédé com projetos de etnodesenvolvimento voltados à segurança alimentar e nutricional e à geração de renda, também no prazo de 45 dias. Nesse mesmo prazo, a Funai também deverá apoiar a elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e a implementação de ações integradas no interior da terra indígena.
No prazo de 90 dias, os órgãos federais deverão executar ou apoiar projetos de recuperação e conservação ambiental na TI Marãiwatsédé. Além disso, em 30 dias, terá que promover iniciativas de qualificação das políticas públicas e das ações da agricultura familiar, garantindo atendimento às especificidades indígenas.
Todos os prazos passam a correr a partir da intimação da sentença junto a União e a Funai, pois a Justiça Federal concedeu antecipação dos efeitos de tutela.
Entenda o caso - Em 2017, o Ministério Público Federal instaurou o Inquérito Civil Público nº 1.20.004.000141/2017-09, objetivando promover a transição e retirada das criações de gado do interior da TI Marãiwatsédé por meio da assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) com a Funai.
O objetivo do TAC proposto era reverter o cenário de arrendamentos ilegais no interior da área, principalmente devido ao contexto de luta histórica e desintrusão da terra indígena. Diante das tratativas, a própria Funai havia apresentado às coordenações regionais um modelo de TAC possível de ser adaptado, sendo caracterizado pela transição das parcerias agrícolas para autonomia do cultivo de lavouras por partes dos indígenas em terras demarcadas.
Depois de dois anos, mesmo com reiterados ofícios direcionados à FUNAI, o MPF não obteve êxito em estimular a Fundação a adotar providências necessárias à promoção da transição na TI Marãiwatsédé. “A necessidade de resolução da questão territorial em Marãiwatsédé é urgente. O arrendamento no formato atual não demonstrou efetividade na geração de renda e os fatos noticiados são preocupantes ao reforçar a existência de um número superior de arrendatários e de gado ao inicialmente informados, além de se ter notícia da existência de pelos menos 50 sub-arrendatários, dentre os quais incluem-se fazendeiros anteriormente extrusados e que pretendem reaver o território. O arrendamento/parceria sem um plano efetivo de transição funciona como meio de desterritorialização indígena, afastando os indígenas do uso e gozo plenos de suas terras. Deve a União e a Funai adotarem medidas necessárias à efetiva transição dos moldes atuais de subsistência, para um modelo de autonomia e sustentabilidade da população Xavante de Marãiwatsédé”, ressaltou o procurador da República, titular do 1º Ofício do MPF em Barra do Garças, Everton Pereira Aguiar Araujo no processo judicial
Na sentença, a juíza federal Danila Gonçalves de Almeida ressalta que, em ofício, a própria Funai reconheceu a prática do arrendamento na TI Marãiwatsede, bem como a presença de ao menos 50 sub-arrendatários, sendo que alguns deles são antigos posseiros que foram retirado da área na desintrusão. “Tal prática em terra indígena, que é propriedade da União, configura violação à lei, porque desvirtua o objetivo do usufruto constitucional da terra pela comunidade indígena, visando ao lucro e não à exploração da terra para o próprio sustento. Desta forma, esta prática ilegal é atividade evidentemente lesiva à comunidade indígena em Marãiwatsédé, que hoje, esbulhada de seu modo de vida tradicional, depende do retorno financeiro dos arrendamentos para sobrevivência”, enfatizou a magistrada.
A juíza destaca ainda que, devido ao processo traumático de desintrusão, somado à degradação ambiental da área da TI, e a resistência dos posseiros em saírem do local, faz com que seja necessária a presença efetiva do Poder Público, garantindo a implementação de políticas públicas necessárias ao etnodesenvolvimento da comunidade. “Contudo, o que se constata é o abandono da comunidade indígena pelo Poder Público, de tal sorte que grande parte do território indígena está sendo utilizado por não índios para criação de gado. A intervenção do Judiciário neste caso está justificada na comprovada omissão do Poder Público na implementação de políticas públicas para integração da comunidade ao seu território, bem como na adoção de práticas de desenvolvimento sustentável integradas com a cultura indígena para sua subsistência”, completou.
Na decisão, a magistrada cita ainda a realização da Operação Res Capta, que tem como objetivo combater crimes de constituição de milícia privada, corrupção ativa e passiva, porte ilegal de arma de fogo, abuso de autoridade e crimes ambientais diversos por servidores públicos, que teriam intermediado os arrendamentos ilegais de porções de terras da T.I. Marãiwatsédé. O inquérito, que teve cópia juntada nos autos, vai ao encontro das alegações feitas pelo MPF sobre o arrendamento em terras indígenas, bem como a omissão da União e da Funai no combate dessa atividade.
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