Economia e Negócios

EUA e China: os efeitos incertos de possível guerra cambial

07/08/2019
Em mais um acirramento na disputa comercial entre americanos e chineses, o Departamento do Tesouro dos EUA acusou formalmente nesta segunda-feira (05/08) a China de ser um país "manipulador cambial", após o Banco Popular da China (o banco central do país) ter permitido que a moeda chinesa, o yuan, se desvalorizasse em relação ao dólar.  

A afirmação dos EUA foi seguida de uma declaração do chefe do banco central chinês, Yi Gang, afirmando que seu país não usaria o yuan como uma ferramenta para lidar com as disputas comerciais. Num editorial publicado nesta terça no jornal oficial do Partido Comunista Chinês, o People's Daily, Pequim acusou os EUA de "deliberadamente destruir a ordem internacional" com "unilateralismo e protecionismo".

Analistas ainda discutem o movimento da China para desvalorizar a moeda nacional, rompendo a marca simbólica de 7 yuans por dólar pela primeira vez em mais de uma década. Para muitos, é um sinal claro de que Pequim pode estar disposto a afrouxar sua relutância em aceitar um yuan ainda mais fraco em meio a um contexto de um acirramento da disputa comercial com os EUA.

 

Afinal, a queda acentuada da moeda chinesa foi resultado da afirmação do presidente americano, Donald Trump, de que iria aplicar tarifas de 10% sobre 300 bilhões de dólares em importações chinesas a partir de 1º de setembro - violando abruptamente uma trégua num conflito comercial que já afetou cadeias de abastecimento e levou a um crescimento econômico mais lento.

 

Havia anteriormente uma esperança de que o banco central chinês não aceitasse uma moeda mais fraca para não colocar em perigo mais uma rodada de negociações comerciais com os EUA.

 

"O fato de [a China] ter parado de defender 7 yuans por dólar sugere que o país abandonou as esperanças de um acordo comercial com os EUA", afirmou o analista da Capital Economics, Julian Evans-Pritchard.

 

"O Banco Popular da China deu luz verde total à depreciação do yuan", afirmou o estrategista do Mizuho Bank Ken Cheung à agência de notícias Reuters.

 

Para o economista do ING Rob Carnell "parece que as autoridades chinesas já não veem a necessidade de limitar os instrumentos à sua disposição e que a moeda é agora também considerada parte do arsenal a ser utilizado".

 

Mas ainda não se sabe se Pequim irá realmente continuar nesse caminho. Embora a segunda maior economia do mundo tenha vivido um desaceleramento econômico em meio a uma disputa comercial mais difícil, o gigante asiático não sofreu uma fuga de capitais em grande escala.

 

As autoridades podem estar preocupadas com a possibilidade de grandes fugas de capital serem o resultado de longo prazo de uma guerra cambial desenfreada. Eles podem muito bem estar interessados em, eventualmente, estabilizar o yuan em torno do nível de 7,2 ou 7,3 yuans por dólar, como sugerem os analistas.

 

Por outro lado, a perspectiva de ganhos de curto prazo na forma de exportações mais baratas, como uma forma de compensar as tarifas mais elevadas dos EUA, pode se revelar promissora demais para ser ignorada.

 

Dada a economia planificada da China, é difícil prever se o país realmente vai começar uma guerra cambial, afirmou o diretor do Instituto Econômico Alemão, Michael Hüther, em entrevista à DW.

 

"A China é realmente uma história difícil", disse Hüther. "Não é realmente uma economia de mercado, e [o governo] certamente tem sua própria agenda econômica, política e militar."

 

Longo histórico de depreciação

Pelo menos, a depreciação do yuan desta segunda-feira não foi, de modo algum, a primeira do gênero da história recente. Antes, a moeda havia rompido outras barreiras psicologicamente importantes.

 

Há muito tempo, o banco central chinês tinha atrelado a moeda ao dólar, ou melhor, a um conjunto de moedas dominadas pela moeda americana. Durante muito tempo, o credor manteve o yuan dentro de uma faixa de negociação de aproximadamente 6,25 yuan por dólar.

 

Então, em agosto de 2015, o banco central chocou os mercados de câmbio ao permitir uma depreciação da moeda até 6,38 yuans por dólar, antes de uma nova queda em janeiro do ano seguinte. Em 2017, a moeda chinesa caiu para seu menor valor em nove anos.

 

O governo rejeitou a possibilidade de uma guerra cambial, afirmando que apenas pretendia compensar a alta do dólar - o que tornava as exportações chinesas mais caras. A moeda da China subiu novamente até o final daquele ano, após uma queda significativa no valor do dólar.

No entanto, Trump tem frequentemente criticado a China - além do Japão e da zona do euro - por usar a manipulação internamente para ganhar uma vantagem econômica em relação a parceiros comerciais como os EUA. Uma fraqueza continuada do yuan certamente reacenderia a ira de Trump.

 

Na realidade, sendo uma economia de mercado, os EUA não podem realmente forçar a desvalorização de sua moeda, de modo a impulsionar os exportadores domésticos ao tornar seus produtos mais baratos no exterior. Mas a implementação de uma ampla gama de instrumentos da política fiscal e monetária pelo Fed, o banco central dos EUA, tem praticamente o mesmo efeito.

 

A história sugere que uma política de desvalorização competitiva geralmente só oferece uma vantagem de curto prazo sobre os rivais. Tentativas sistemáticas de desvalorização têm ocorrido pelo menos desde a Primeira Guerra Mundial, quando países abandonaram um sistema em que o papel-moeda estava ligado às reservas de ouro de uma nação, o chamado padrão-ouro. Isso abriu caminho para que eles manipulassem suas moedas artificialmente.

 

O exemplo do Brasil

A desvalorização competitiva é, de fato, um eufemismo para uma guerra cambial, com o termo sendo oficialmente cunhado em setembro de 2010 pelo ex-ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega. Ele observou que uma guerra de moedas eclodiu na esteira da crise financeira mundial.

 

Ele se referiu ao fato de que, desde o pico da crise, mais de 20 bancos centrais em todo o mundo reduziram suas taxas de juros de referência e implementaram medidas adicionais de política monetária, como a flexibilização quantitativa (quantitative easing, em inglês).

 

O Brasil se tornou uma vítima precoce desse fenômeno à medida que o capital em busca de taxas de juros mais altas foi canalizado para os mercados emergentes. Isso tornou a moeda do Brasil e de outras economias emergentes muito mais forte, prejudicando-as ao tornar suas exportações de commodities muito mais caras em todo o mundo - exportações das quais esses países dependiam muito, como petróleo, ferro ou cobre.

 

O exemplo do Brasil mostra que há baixas em todas as guerras, incluindo uma guerra cambial, e ela pode muito bem se tornar uma situação de perda para todos os envolvidos. A lógica do jogo é que, quando alguém inicia uma guerra como essa, é provável que os alvos retaliem, eventualmente levando ao que os economistas chamam de "corrida para o fundo" e uma recessão global.

 

E mesmo na primeira fase de uma guerra cambial, o país que iniciou - e que pode realmente tornar as exportações nacionais mais competitivas durante um determinado período, desvalorizando a moeda nacional - tem de lidar com importações mais caras, reduzindo assim o poder de compra dos cidadãos e, muito provavelmente, aumentando a inflação.

 

No final, as guerras cambiais acabam por entravar o comércio global, causando mais danos do que benefícios. Mesmo assim não há garantia de que, em tempos de aumento das tensões comerciais entre as duas maiores economias do mundo, as medidas mais racionais serão tomadas por aqueles que ditam as regras.

 

Os ministros das Finanças dos países do G20 afirmaram repetidamente que não recorreriam à manipulação de moedas para fins competitivos. E também é verdade que a maioria dos países deixa as forças de mercado determinar as taxas de câmbio.

 

Analistas acreditam, no entanto, que mais algumas tensões nas disputas comerciais podem levar a China, os EUA e outros países a ficarem mais dispostos a usar suas moedas para alavancagem, caso outras ferramentas falharem em produzir o efeito desejado.