Economia e Negócios
Por que desvalorização do yuan faz o dólar disparar
A China desvalorizou sua moeda ao mais baixo patamar dos últimos 11 anos, poucos dias depois de a Casa Branca anunciar que, até setembro, imporá tarifa de 10% de tarifas sobre US$ 300 bilhões em produtos exportados pelos chineses.
Washington, de imediato, voltou a chamar a China de "manipuladora de moedas". O gigante asiático, por sua vez, também reiterou que essas acusações podem provocar um caos nos mercados financeiros.
Com a tensão gerada pela disputa entre as duasa potências, as bolsas registraram a maior queda do ano e o dólar disparou frente às moedas de países emergentes - o que tem ocorrido toda vez que os presidentes Donald Trump e Xi Jinping sacam suas armas.
[caption id="attachment_770" align="aligncenter" width="940"] Com a desvalorização do yuan, os investidores transferem seu capital para locais onde há 'moedas fortes', como o dólar/BBC NEWS[/caption]Por que a queda do yuan fez disparar o dólar?
Diante da incerteza gerada pela escalada da guerra comercial e a desvalorização do yuan, investidores buscaram refúgio em moedas fortes como o dólar americano, o iene japonês, ou o franco suíço, enquanto outros compraram ouro para se proteger do volatilidade.
"A China deprecia sua moeda e gera um movimento global de aversão a risco", disse à BBC Mundo, Frederico Furiase, economista diretor da consultora Eco Go e professor da universidade argentina Torcuato Di Tella.
Basicamente, um yuan baixo gera insegurança e faz com que investidores fujam de mercados instáveis ou perigosos, buscando proteção dolarizando seus capitais.
"Isso é consistente com o declínio nas taxas de juros dos títulos soberanos, com a queda nos índices do mercado de ações, o aumento da volatilidade financeira e a desvalorização cambial dos países emergentes", diz Furiase, citando o que está acontecendo na América Latina.
"Estamos diante de uma onda de depreciação das moedas em relação ao dólar", explica o economista, dizendo que o contexto é de aumento do risco de recessão global e de expectativa de que o Federal Reserve (o banco central dos EUA) reduzirá o custo do crédito baixando taxas de juros.
As moedas na América Latina, onde já havia uma tendência de depreciação nas últimas semanas, perderam valor nos últimos dias.
"Em comparação com o dólar, o peso chileno perdeu 5,5%, o real 4,4%, o peso mexicano 2,2% e o sol peruano 3% desde o começo de julho", observa Diego Mora, consultor de investimentos da XTB.
O dólar ficou fortalecido porque, segundo ele, "os grandes fundos de investimento institucionais que têm depósitos em yuanes veem que o rendimento será em taxas menores e levam os capitais para outro país com taxa maior ou uma moeda que vale mais".
"Quanto mais exposto o país estiver ao comércio internacional, maior será o risco de sua moeda", diz Mora, acrescentando que o Chile tem sido um dos países onde o dólar tem se fortalecido mais recentemente.
O que acontece com as exportações
Países desvalorizam suas próprias moedas para que seus produtos sejam mais competitivos, ou seja, para que os produtos que exportam sejam mais baratos.
Isso significa que, com a queda da cotação do yuan em relação ao dólar, os produtos chineses entram nos mercados latino-americanos a um preço mais baixo. Mas, em contrapartida, os produtos da região ficam mais caros no mercado chinês, especialmente os minérios.
"Isso desestimula a demanda e afeta o preço", avalia Francisco Grippa, principal economista do BBVA para o Peru. Segundo ele, a medida atinge principalmente países exportadores de minérios, como o Peru. "Enfraquece o superávit comercial e, dessa forma, também a moeda local, e pode eventualmente pressionar os prêmios de risco (taxa que mercado paga para que remunerar os investimenos; corresponde à taxa que excede a taxa de remuneração do mercado americano)."
Alguns especialistas assinalam que a demanda chinesa por cobre pode ser afetada pela desvalorização do yuan.
"Apenas no Chile, para cada centavo que diminui o preço do cobre, os cofres públicos deixam de receber US$ 60 milhões", disse à BBC Mundo José Raúl Godoy, analista de mercado da XTB Latin America.
"A guerra cambial é negativa para as empresas e famílias chinesas porque elas perdem poder de compra. Se os projetos estão paralisados, se o consumo interno cair, a demanda por matérias-primas diminui."
O efeito da inflação
Um yuan desvalorizado no meio de uma escalada comercial acaba fazendo com que bancos centrais em diferentes países comecem a considerar a ideia de reduzir taxas de juros.
"Há mais pressão sobre as moedas emergentes, o dólar se fortalece, pode haver menos crescimento para a América Latina e maiores probabilidades de inflação", diz Godoy.
A inflação, como sempre, é um tema sensível.
"Com uma depreciação da taxa de câmbio em relação ao dólar, os consumidores verão o preço dos produtos importados aumentar", diz Nereida González, economista da área de mercado da International Financial Analysts.
"Isso se traduz num aumento da inflação e numa perda do poder aquisitivo", diz ela.
Por outro lado, países fortemente endividados em dólar, como a Argentina, saem ainda mais prejudicados. O mesmo vale para empresas latino-americanas com dívidas em dólar, como no caso da estatal mexicana Pemex.
Possível recessão?
"Um yuan mais fraco coloca pressão nas taxas de câmbio dos mercados emergentes porque há uma correlação histórica entre os movimentos dessas moedas frente ao dólar", disse Gary Hufbauer, pesquisador sênior do Instituto Peterson, com sede em Washington.
Nesse cenário, "a maior preocupação para a América Latina é que a guerra comercial continue a aumentar e faça com que empresas do mundo posterguem as decisões de investimento e se protejam".
"Nesse caminho está a recessão. Obviamente não é bom para a América Latina ou para qualquer outra pessoa", diz Hufbauer.
É um caminho complexo que embarra num ano de eleições nos Estados Unidos. "Um dólar alto e um yuan baixo não é o que Donald Trump quer", disse Frederico Furiase.
"Trump quer um dólar baixo para reduzir o déficit comercial com a China e gerar emprego na indústria local", diz ele. E por outro lado, a China não pode continuar a desvalorizar demais a própria moeda.
"Pequim arrisca uma saída de capital e um declínio no comércio global que afetaria diretamente a China".
Nesse sentido, a maioria dos especialistas vê a desvalorização como uma "faca de dois gumes": ajuda um país a competir melhor com seus produtos no exterior, mas, ao mesmo tempo, pode desestabilizá-lo e, pior ainda, servir como combustível para uma eventual recessão econômica.