Economia e Negócios

Por que agricultores já estão vendendo a soja que só vai ser colhida em 2022

Dólar valorizado e apetite chinês estimularam movimento inédito no mercado. Grão é o principal produto de exportação do Brasil

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM G1 14/08/2020
Por que agricultores já estão vendendo a soja que só vai ser colhida em 2022
Foto: Cotrijal
O agronegócio brasileiro vive um bom momento dentro e fora da porteira em 2020. Com exportações aquecidas, é o único setor da economia que tem conseguido bom desempenho em meio à pandemia do novo coronavírus. Reflexo disso está na soja, principal produto do agro brasileiro e item mais exportado pelo país. E com dólar valorizado e grande procura da China, agricultores estão antecipando a venda do grão que só vai ser colhido no começo de 2022, um fato inédito.

O Brasil se prepara agora para o plantio da safra 2020/21 e, no caso da soja, a colheita está prevista para o início do ano que vem. Isso significa que os agricultores estão antecipando as vendas do produto de uma safra à frente.

A avaliação de especialistas é de que 3 fatores permitiram esse cenário inédito:

  • Primeira vez que indústrias aceitaram comprar o grão tão cedo;
  • Preços atrativos por conta do dólar valorizado;
    • Alta demanda da China, maior compradora mundial.

    Especialista apontam pequenos negócios ocorrendo no Centro-Oeste e no Paraná. Segundo o Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea), pelo menos 1% da soja de 2022 já foi negociada. Essa venda normalmente ocorreria no início do ano que vem.

    O real desvalorizou mais de 30% em relação ao dólar em 2020. Isso deixa o produto brasileiro mais barato no mercado internacional. Além disso, o Brasil é referência na produção de soja, sendo o maior produtor e exportador mundial.

    Outro fator, explica Bartolomeu Braz, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), é que essa é a primeira vez em que os agricultores conseguem fazer uma negociação tão antecipada pelo grão.

    “Isso mostra o planejamento e a credibilidade que o produtor rural conseguiu. Já se tentava fazer isso antes e não era possível. Nós conquistamos isso mostrando que somos sustentáveis e que respeitamos nossos clientes”, afirma.

    Ainda de acordo com Braz, o dinheiro das negociações está sendo utilizado para a compra de insumos da lavoura, que são cotados em dólar. É uma tática para tentar diminuir os custos de produção.

    Porém, vendas tão aceleradas – tanto agora quanto nas negociações futuras – deixaram a soja mais cara no mercado interno e, com isso, indústrias começam a importar o grão de países vizinho por um preço menor por causa do custo logístico (normalmente são empresas que ficam na fronteira).

    Outro reflexo é que a baixa oferta de soja fez com que o governo tivesse que rever os planos para o biodiesel no país (leia mais abaixo).

    Apetite chinês

    Para Ana Luiza Lodi, analista de mercado da consultoria StoneX, a China vem buscando mais soja no exterior para recompor estoques e se preparar para o aumento do rebanho de porcos após a peste suína africana matar milhares de animais no país – o farelo do grão é usado como ração.

    “Além disso, com a pandemia, a gente viu uma preocupação da China com a ruptura da cadeia logística, como portos pararem de funcionar. A China e outros países se adiantaram nas compras, tanto que as exportações cresceram muito nesses 7 meses do ano”, explica.

    Gutierrez aponta também para uma preparação da China para uma possível segunda onda de guerra comercial contra os Estados Unidos. Seria uma forma de os chineses terem mais grão estocado sem depender dos americanos.

    Safra que vai ser colhida em 2021

    As vendas antecipadas da soja desta safra, que começa a ser cultivada em setembro, também estão em ritmo acelerado.

    Segundo as consultorias ouvidas pelo G1, as vendas até o início de agosto são mais do que o dobro do que a média dos últimos 5 anos.

    “A antecipação da safra 2020/21 foi muito rápida. Pelo menos 44% já foi vendido, contra 16% de média”, explica Luiz Fernando Gutierrez, da Safras & Mercado.

    Para a StoneX, o índice está em 42% contra uma média de 21%.

    Quanto negociar

    Gutierrez diz que a recomendação é de que o produtor inicie o plantio com pelo menos 20% da produção estimada já negociada. Mais do que isso, o agricultor passa a correr riscos.

    “No avanço da safra, observando as condições de clima e da planta, o produtor vai avaliando a melhor estratégia e pode chegar até uns 60% a 70%”, explica.

    Se o produtor tiver uma grande quebra de safra e não conseguir entregar o grão, ele pode ter que pagar uma multa para a empresa compradora. Ou ter renegociar a entrega para outro ano e, até mesmo, ter que comprar a soja no mercado para cumprir o acordo.

    “Mas é bem interessante esse movimento de venda antecipada de 2021/22, o produtor tem evoluído o pensamento dele, e isso deixa ele menos exposto e acaba especulando menos.”

    Importação de soja

    Porém, com vendas tão aceleradas, um fato inusitado começa a acontecer com mais força este ano: o Brasil, maior produtor e exportador do mundo, precisar importar soja.

    No primeiro semestre de 2020, o país exportou mais de 60 milhões de toneladas do grão, quase 40% a mais que no mesmo período do ano passado.

    A previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de que os embarques de soja alcancem 82 milhões de toneladas, o que seria um recorde.

    Neste cenário, os preços praticados no Brasil sobem muito, e as indústrias perto da fronteira começam a procurar soja em países vizinhos, especialmente o Paraguai.

    “A gente deve importar 1 milhão de toneladas até o fim do ano. O máximo que a gente tinha comprado foi 590 mil toneladas em um ano. Os estoques vão ser mínimos este ano, devem ser os menores da história”, diz Gutierrez.

    A previsão é de que o Brasil encerre 2020 com estoques de passagem (que é o que temos disponível até a próxima colheita) de 1 milhão de toneladas, contra uma média que varia entre 3 a 4 milhões de toneladas nos últimos anos.

    “A questão da oferta é preocupante, a gente já vê dificuldade nos mercados de subprodutos, como farelo e óleo. É uma situação de aperto”, diz Ana Luiza.