História de MT

Veja Fotos e Documentos: A impressionante doação de 206 mil hectares de terras para a igreja católica feita pela Prefeitura de Várzea Grande

A Prefeitura era comandada pelo prefeito Júlio Domingos de Campos, Fiote, do PSD, que prezava na maioria de suas decisões, pelo religioso.

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA 04/02/2024
Veja Fotos e Documentos: A impressionante doação de 206 mil hectares de terras para a igreja católica feita pela Prefeitura de Várzea Grande
A Prefeitura doou 206.702 mil hectares ou 2.067.020.000,00(dois milhões de metros quadrados)para a arquidiocese de Cuiabá | Divulgação

Em um ano bissexto do século 20, mais precisamente no dia 05 de ferreiro de 1960, e 70 anos depois de ser oficializada a separação entre Igreja e Estado no Brasil, a Prefeitura de Várzea Grande ostentava o símbolo do cristianismo, ao mesmo tempo que pregava ser laica, permitindo o culto das religiões afro-brasileiras, leia-se candomblé, umbanda e espiritismo, na época.

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Leitura da fundação do munícipio de Várzea Grande com a presença do Marechal Rondon, em 1948
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Várzea Grande - decada de 40
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Cidade de Várzea Grande - decada de 50
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Cidade de Várzea Grande - decada de 50

A Prefeitura era comandada pelo prefeito Júlio Domingos de Campos, Fiote, do PSD, que prezava na maioria de suas decisões, pelo religioso.

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Prefeito Júlio Domingo de Campos - Fiote

Para podermos compreender bem aquele período é necessário conhecer como a Igreja católica foi uma peça importante na colonização de terras mato-grossenses, especialmente da baixada cuiabana.

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Índios Guanás
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Soldados Paraguaios

Várzea Grande, cidade siamesa a Cuiabá, e que teve origem com a miscigenação de soldados paraguaios aprisionados pós guerra do Paraguai, ex-escravos e índios guanás era a “Passagem Velha”, local que ligava o comércio para as cidades de São Luís de Cáceres(Cáceres), Arraial de São Pedro d’El Rey (Poconé), Rosário Oeste, Diamantino, Vila Bela da Santíssima Trindade, Acorizal e os Distritos de Jangada, Cocais e Beri.

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Várzea Grande decada de 50
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Igreja Nossa Senhora da Guia - Várzea Grande 

A cidade tinha a função de ligar com outras localidades, pois era entreposto comercial e foi, posteriormente, a principal cidade para as BRS-070 e 364.

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Barca de Travessia entre Cuiabá e Várzea Grande 
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Ponte Júlio Muller - entre Cuiabá e Várzea Grande

Com vastas extensões de terras, o município que na década de 1960 tinha exatos 10.834 habitantes(conforme dados do IBGE), tinha uma grande extensão de terras denominada pela Prefeitura, como Colônia, na região onde é hoje o bairro do grande Cristo Rei.

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Antigo Capão do Negro
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Antigo Capão do Negro

Naquela localidade começou a ser habitada uma década anterior, por colonos vindos dos municípios de Poconé e Nossa Senhora do Livramento.

Os colonos – a maioria – formado por mulatos, cafuzos e filhos de exs-escravos, começaram a habitar aquela região e construíram suas residências de pau a pique(barrote) e fizeram suas roças, que passou a ser chamar roção. A região é onde hoje localiza-se o aeroporto Marechal Rondon, o bairro morro da confusão(manga), a colônia união, a lagoa do jacaré e construmat.

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Antigo Capão do Negro
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Antigo Capão do Negro

Com o crescimento do Cristo Rei e com o desejo de mudar o internato do seminário da igreja católica, que funcionava anteriormente na igreja Bom Despacho em Cuiabá, o bispo da época, Dom Orlando Chaves, pediu uma área ao prefeito Júlio Domingos para a construção de um seminário na região denominado de Capão do Negro.

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Arcebispo Dom Orlando Chaves

No dia 26 de abril de 1958, através da lei municipal 101, a Prefeitura doou 206.702 mil hectares ou 2.067.020.000,00(dois milhões de metros quadrados)para a arquidiocese de Cuiabá, sob Dom Orlando Chaves, na região da Colônia, compreendida pelo Capão do Negro, Campo de Aviação e Matadouro para a construção do Instituto Cristo Rei, o seminário interno da igreja católica. No decreto de doação a Prefeitura deu um prazo de dois anos para que a arquidiocese fizesse a construção, ou a área retornaria para o município.

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Escritura de Doação da area para a igreja católica
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Planta do Bairro Cristo Rei doado pela Prefeitura de Várzea Grande

Mas, antes mesmo de dois anos, em 1958, Dom Orlando, lança a pedra fundamental e começa a construção do Seminário. Em 20 de agosto de 1969, Dom Orlando, funda a Paróquia do Cristo e nomeia o padre Antônio Tomé Colussi, como primeiro vigário, dando início, assim, ao nome do bairro Cristo Rei.

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Construção do Seminário Arquidiocesano do Cristo Rei
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Dom Orlando com seminarista do Cristo Rei

Dom Orlando, que foi um visionário, na época, foi escolhido arcebispo de Cuiabá, 1956, e foi um dos mais atuantes nas atividades pastorais e educacionais da igreja católica, sendo o principal responsável pela construção do seminário Cristo Rei, segundo o padre Felisberto Samoel da Cruz.

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Padre Felisberto Samoel da Cruz 

Para o historiador e religioso, Odenil Sebba, o nascimento e crescimento do bairro só foi possível por causa do seminário e da paróquia feita pela igreja católica, “sem dúvida nenhuma a igreja foi a principal responsável pelo surgimento do bairro”, afirma Sebba.

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Historiador Odenil Sebba
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Bar do pai de Odenil Sebba - decada de 70

A área da igreja, segundo o historiador, como era muito grande, posteriormente foi invadida e outra parte foi retomada pela Prefeitura de Várzea Grande, “a área das terras da igreja fazia divisa desde as terras do aeroporto com as terras da viúva Nhá Corá, passando pelo morro vermelho, Matoveg até a região conhecido por carrapicho”, disse o historiador.

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Matoveg na região do  Morro Vermelho - em Várzea Grande

A Matoveg era uma empresa que fazia prensagem, refinação, saboaria, laboratório e armazenagem de óleo vegetal a partir da extração do coco babaçú, com moderna instalação, que ocupava uma área de quatro mil metros quadrados e foi instalada em 1966.

Apesar do caráter ufanista das ocupações no Brasil, na época, em Várzea Grande, foi revelador a respeito das prioridades do Poder Público.

Para a Prefeitura, a região do Capão do Negro - ocupada por casas velhas de barrote – deveria dar espaço ao trabalho pastoral da igreja.

E essa visão futurista feita pela igreja, sob Dom Orlando Chaves, que iniciou esse movimento na construção do seminário e que era considerado improvável, para época.

A titularidade de 206.702 mil hectares no meio do nada, sem água e sem energia, transformou a região do Capão do Negro, pela Igreja Católica, de fato numa instituição com penetração no século 20, em um momento do início da década com grandes transformações, juntamente com a fé cristã.

O bairro cresceu e expandiu-se de maneira colossal, contribuindo, justificando e legitimando o movimento expansionista. Pois aquela região teria grandes dificuldades de ter crescido sem o apoio da Igreja Católica enquanto instituição legitimadora do poder e responsável pela coesão social.