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O que se sabe sobre as covas coletivas encontradas em hospital de Gaza

Agora, várias valas comuns estão sendo exumadas no pátio do hospital

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 25/04/2024
O que se sabe sobre as covas coletivas encontradas em hospital de Gaza
Centenas de corpos foram desenterrados ao redor de hospitais após retirada das tropas israelenses | EPA

No caos da guerra em Gaza, muitos procuram entes queridos que foram vistos com vida pela última vez no complexo hospitalar de Nasser, em Khan Yunis, no sul do enclave palestino.

As famílias sabem que parentes desaparecidos estiveram lá, mas perderam contato quando as forças israelenses assumiram o controle do centro médico.

Agora, várias valas comuns estão sendo exumadas no pátio do hospital.

A Defesa Civil Palestina acusa as Forças de Defesa de Israel (IDF) de matar centenas de palestinos na área mais ampla de Khan Younis e depois trazer seus corpos para o Complexo Médico Nasser. No entanto, admitem que algumas sepulturas podem ter sido cavadas antes desse período.

As IDF assumiram o controle do complexo depois de tomarem a região entre 15 e 22 de fevereiro, e novamente entre 26 de março e 7 de abril.

Exumando corpos

Autoridades palestinas disseram ter exumado 283 corpos em Nasser, alguns com as mãos amarradas. Não está claro como as pessoas enterradas morreram ou quando os seus corpos foram colocados em sepulturas.

O chefe de Direitos Humanos da ONU disse estar "horrorizado" com os túmulos e com a destruição dos hospitais Nasser e Al-Shifa em Gaza. Volker Türk pediu investigações independentes sobre as mortes.

Os militares de Israel disseram que as acusações de que foram eles que enterraram os corpos ali eram "infundadas".

Reféns israelenses detidos pelo Hamas e agora libertados disseram que estiveram detidos no Hospital Nasser durante longos períodos durante o seu tempo em cativeiro.

A BBC News Árabe conversou com Um Muhammad Zidan – uma mãe que procura seu filho, Nabil. Ela foi até a vala comum em busca dos restos mortais do filho.

Ela disse que caminhava com passos pesados e com a alma quebrada, carregando nas mãos um ramo de rosas e dois frascos de perfume e óleo de eucalipto.

Ela acrescentou que estava procurando desesperadamente o corpo do filho para espalhar flores e perfumes nele - como faria em um casamento - porque havia prometido antes da guerra que o casaria e realizaria uma grande cerimônia de casamento para ele.

A equipe forense da BBC News Árabe pesquisou as evidências disponíveis para tentar entender o que aconteceu no Hospital Nasser.

Pessoas exumam corpo com escavadeira ao fundo

CRÉDITO,EPA

Legenda da foto,Fontes militares israelenses negam responsabilidade pelo sepultamento em massa

Provando que as valas comuns existem

A presença dos corpos no local pode ser comprovada por este vídeo, datado de 21 de abril. As imagens mostram a Defesa Civil Palestina encontrando sepulturas e tentando identificar os corpos.

Legenda do vídeo,Corpos sendo exumados no Complexo Médico Nasser em Gaza

Localização

As características do local correspondem com as mostradas em um vídeo publicado em 25 de janeiro, que revela civis palestinos enterrando mais de 70 corpos no pátio do Hospital Nasser.

Os edifícios correspondem aos visíveis na filmagem de 21 de abril.

As alegações de uma vala comum são apoiadas por uma testemunha ocular que disse à BBC: "Vi crânios enterrados no chão, mãos e pernas decepadas e corpos em decomposição. O cheiro era terrível".

Mapa mostrando o terreno do hospital Nasser e a foto de um escavador perto do local onde os corpos foram enterrados

Os israelenses cavaram valas comuns?

Mahmoud Basal, porta-voz da Defesa Civil Palestina, afirma que no primeiro dia foram encontrados cerca de 80 corpos, sendo 30 deles identificados devido às suas características evidentes. Ele diz que não foi possível identificar o restante porque foram enterrados em datas diferentes e estavam em decomposição.

Basal diz que quando as forças israelenses invadiram o hospital, cavaram sepulturas para procurar os corpos dos reféns israelenses. Ele acrescenta que os soldados enterraram novamente os corpos ao lado de outros mortos durante o ataque.

Em uma declaração à BBC, fontes da IDF negaram responsabilidade: "A alegação de que as IDF enterraram corpos palestinos é infundada e sem razão".

As IDF acrescentaram: "Durante a operação das IDF na área do Hospital Nasser, em meio ao esforço para localizar reféns e pessoas desaparecidas, foram examinados cadáveres enterrados por palestinos na área do hospital..."

"Os corpos examinados, que não pertenciam a reféns israelenses, foram devolvidos ao seu lugar."

As declarações do porta-voz da Defesa Civil Palestina alinham-se com a narrativa israelense do que ocorreu.

No entanto, isto não exclui a possibilidade de terem sido acrescentadas sepulturas adicionais quando as forças israelenses invadiram o hospital.

Corpos em mortalhas jazem no chão do hospital Nasser

CRÉDITO,EPA

O que as evidências sugerem sobre os corpos enterrados?

As valas comuns estão localizadas na mesma área onde civis, famílias e médicos palestinos enterraram dezenas de colegas nos últimos meses.

Cenas de civis palestinos enterrando os corpos de outros palestinos são mostradas em outros vídeos que datam de 28 de janeiro. Neles, cerca de 30 pessoas foram enterradas.

No dia 3 de fevereiro, outra coleção de corpos foi enterrada em um local a seis metros do anterior, uma cena também mostrada no vídeo de 28 de janeiro.

Mahmoud Basal, das Forças de Defesa Palestinas, disse à BBC que os palestinos enterraram seus próprios parentes e corpos não identificados nesses hospitais. Ele disse que essas pessoas foram mortas durante o que chamou de “cerco israelense” a Khan Yunis.

Em 22 de janeiro, o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, afirmou que dezenas de pessoas tinham sido mortas ou feridas a oeste de Khan Younis.

O Ministério disse que pessoas foram forçadas a enterrar 40 corpos dentro das dependências do Hospital Nasser porque era muito inseguro fazê-lo do lado de fora.

Homens só de cueca, ajoelhados e com as mãos na cabeça
Legenda da foto,Imagens verificadas pela BBC mostram homens detidos após o ataque israelense ao Hospital Nasser

Existem provas de que os soldados israelenses maltrataram seus prisioneiros?

Em uma fotografia, um corpo parcialmente decomposto aparece amarrado, indicando que pode pertencer a um dos indivíduos detidos pelas forças israelenses.

Em resposta à BBC, o Exército de Israel afirmou que a operação foi realizada “de forma direcionada, sem causar danos ao hospital, aos pacientes ou ao pessoal médico”.

No entanto, três funcionários médicos disseram à BBC no mês passado que foram humilhados, espancados, encharcados com água fria e forçados a se ajoelhar durante horas após terem sido detidos durante uma operação.

A BBC obteve um vídeo fornecido por uma testemunha ocular dentro do Hospital Nasser, mostrando soldados israelenses movendo camas contendo pessoas cujas mãos amarradas estavam levantadas acima das suas cabeças.

Isto é corroborado por imagens separadas divulgadas pelo Exército israelense, onde pessoas podem ser vistas deitadas em camas no hospital com as mãos amarradas de maneira semelhante.

Não sabemos quem são esses indivíduos ou o que aconteceu com eles depois que essas gravações foram feitas.

Postagem nas redes sociais de dezenas de homens agachados de cueca em um quintal
Legenda da foto,Um vídeo postado em 24 de dezembro de 2023 e verificado pela BBC mostra detidos de Gaza amarrados e vendados

Partes do corpo perdidas

Ismail Al-Thawabta, diretor do gabinete de imprensa do governo em Gaza, disse que os soldados israelenses despiram dezenas de pacientes, pessoas deslocadas e pessoal médico antes de “executá-los”.

Acrescentou que “foram encontrados no Complexo Nasser cadáveres sem cabeça e corpos sem pele, e alguns deles tiveram seus órgãos roubados”. Ele pediu uma investigação internacional.

O médico palestino Ahmed Abu Mustafa, do Hospital Nasser, disse à BBC que encontraram corpos sem membros no local. Ele afirmou que um deles pertencia a um integrante da equipe médica do hospital, algo que puderam identificar pelo uniforme que ele usava. Ele foi algemado e suas feições foram escondidas, disse ele.

As IDF negaram as acusações sobre as atrocidades, dizendo que as suas forças detiveram "cerca de 200 terroristas que estavam no hospital" durante o ataque, e que encontraram munições, bem como medicamentos não utilizados destinados aos reféns israelenses.

Um corpo é retirado do local de uma vala comum no hospital Nasser

CRÉDITO,EPA

Legenda da foto,Parentes de vítimas tentam sepultar seus entes queridos com certa dignidade

Apresentamos nossa coleção de vídeos e imagens ao Dr. Hassanein Al-Tayyer, consultor de Medicina Forense e professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ele confirmou ter observado corpos em vários estágios de decomposição nos vídeos, indicando diferentes momentos de sepultamento.

A opinião de Al-Tayyer, com base no que viu nos vídeos e imagens, é que os ferimentos e cortes nos corpos visíveis nos vídeos não poderiam ter sido infligidos pela remoção de órgãos, mas sim por armas pesadas.

Ele disse que é comum que bombardeios de casas ou carros transformem corpos em fragmentos, podendo partes de corpos se perderem entre os escombros.

Corpo sem cabeça

A foto de um corpo decapitado circulou nas redes sociais juntamente com alegações de que se tratava de um dos corpos recuperados das valas comuns recentemente descobertas.

No entanto, Al-Tayyer afirma que o estado do cadáver e o sangue visível indicam que a fotografia não deve ter sido tirada mais de um dia após a morte.

Portanto, isto contradiz a ideia de que se tratava do corpo de alguém morto antes da retirada israelense em 7 de abril.

Resposta da ONU

Uma porta-voz do Escritório de Direitos Humanos da ONU disse que está atualmente trabalhando para corroborar os relatórios de autoridades palestinas de que 283 corpos foram encontrados nas dependências do Hospital Nasser, incluindo 42 que foram identificados.

O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, apelou a investigações independentes, eficazes e transparentes sobre as mortes, acrescentando: "Dado o clima de impunidade que prevalece, esta deveria incluir investigadores internacionais."

“Os hospitais têm direito a uma proteção muito especial segundo o direito humanitário internacional. E o assassinato intencional de civis, detidos e outras pessoas que estão hors de combat [não participam nas hostilidades] é um crime de guerra."

O Departamento de Estado dos EUA também expressou preocupação, dizendo que os relatórios eram “incrivelmente preocupantes”.