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8 retratos fantasmagóricos que estavam escondidos em obras-primas
São presenças perturbadoras que permanecem para sempre em mundos distantes e, ao mesmo tempo, imensamente próximas.

Aparentemente, vêm surgindo de tempos em tempos notícias sobre alguma descoberta sensacional no mundo da arte. Elas incluem pinturas escondidas sob outros quadros e rostos desvanecidos que surgem abaixo do verniz de obras-primas que pensávamos conhecer milimetricamente.
Somente no último mês, veio a público a detecção de misteriosas figuras capturadas abaixo da superfície de obras de Ticiano (c.1489-1576) e Pablo Picasso (1881-1973).
Mas como devemos tratar esta coleção de olhares secretos, que não para de crescer – estas presenças antes inexistentes que, ao mesmo tempo, nos encantam e perturbam?
No início de fevereiro, pesquisadores dos Laboratórios de Caracterização da Arte Andreas Pittas, do Instituto Cyprus, em Chipre, revelaram terem comprovado a existência, usando formação avançada de imagens e um novo scanner multimodal combinando diferentes técnicas, de um retrato de cabeça para baixo de um homem de bigode segurando uma pena, embaixo do quadro Ecce Homo (1570-75), do mestre do Renascimento italiano Ticiano.
Superficialmente, a tela de Ticiano retrata um Jesus enlameado, com as mãos amarradas com cordas, ombro a ombro com o governador romano Pôncio Pilatos, suntuosamente vestido e que viria a condená-lo à morte.
Mas o que faz aqui este estranho e anacrônico escriba que foi apagado? E o que ele está tentando nos dizer?
A existência do retrato oculto, que emerge de forma imperceptível através do craquelê – aquelas rachaduras fascinantes que se formam nas pinturas dos antigos mestres – foi descrita pela primeira vez pelo historiador da arte Paul Joannides. E seu significado para a narrativa da superfície não é nada casual.
A identidade da perturbadora figura ainda não foi determinada, mas ela claramente ajudou a formar a dolorosa composição artística que a manteve oculta pelos últimos 450 anos.
A análise da materialidade das camadas de pintura no Instituto Cyprus demonstrou que os contornos do rosto da figura escondida determinaram a curvatura das cordas que amarram as mãos de Jesus, estabelecendo notas harmônicas entre as sucessivas composições, aparentemente opostas.
Este sentido de colaboração silenciosa entre as camadas de tinta – entre o que existe hoje e o que havia antes – é ainda mais surpreendente no semblante oculto de uma mulher encontrado pelos reparadores do Instituto Courtauld de Arte, em Londres, atrás de uma pintura do Período Azul de Pablo Picasso – um retrato do escultor e amigo do artista Mateu Fernández de Soto (1901).
Também descoberto utilizando tecnologia de geração de imagens por infravermelho, o retrato da mulher, ainda não identificada, é traçado em estilo anterior, mais impressionista. Quando trazida à superfície, ela parece estar sussurrando no ouvido do escultor, como se o passado e o presente houvessem se unido em um único momento interrompido.

Crédito,The Courtauld Institute of Art
Na maioria dos casos, esses retratos ocultos são apenas os fantasmas de composições rejeitadas que não se destinavam a ser exibidas. E elas não teriam sido observadas sem a ajuda de ferramentas avançadas de geração de imagens, que permitem aos especialistas espreitar com segurança abaixo da tinta, sem danificar a superfície da obra.
Os raios X revelam os desenhos ocultos e a reflectografia de infravermelho consegue expor detalhes sutis que foram mascarados pelo antigo verniz.
Estes detalhes, quando observados, não podem ser esquecidos. Depois de descobri-los, é preciso analisá-los.
Apresentamos uma curta relação de alguns dos retratos mais interessantes e misteriosos já encontrados, inquietos e implacáveis, atrás de obras-primas conhecidas.
Muitos deles são autorretratos. São presenças perturbadoras que permanecem para sempre em mundos distantes e, ao mesmo tempo, imensamente próximas.
A pintura escondida atrás de uma obra-prima de Picasso17 fevereiro 2018
Um velho em traje militar, de Rembrandt (1630)

Crédito,J Paul Getty Museum
Quando pensamos em Rembrandt (1606-1669), logo nos lembramos daquele reino escuro e imperecível onde seus modelos se sentam de forma atemporal – um eterno palco sombrio criado com carvão.
O nome de Rembrandt certamente não nos faz imaginar alegres tons de verde e vermelho berrante que coloquem fogo no espaço, com forte vibração e entusiasmo.
Mas foi exatamente isso o que os pesquisadores encontraram, quando submeteram a obra do mestre holandês, Um Velho em Traje Militar, à macrofluorescência de raios X (MA-XRF, na sigla em inglês) e reflectografia de infravermelho.
Capturado atrás da meditação de Rembrandt sobre a mortalidade, o vertiginoso fantasma de um jovem vistoso de roupa vermelha não convencional e incorrigíveis tons de verde amplifica a pungência da obra de arte.
Santa Catarina de Alexandria, de Artemisia Gentileschi (1619)

Crédito,National Gallery London
Em alguns quadros, quanto mais observamos, menos sabemos. Um exemplo é o retrato de Santa Catarina de Alexandria, pintado por Artemisia Gentileschi (1593-c.1656).
A análise de raio X da obra da artista barroca italiana, realizada em 2019, revelou que ela começou a obra como um autorretrato, muito similar a outra obra com nome similar, Autorretrato como Santa Catarina de Alexandria, iniciado aproximadamente em 1615.
Separar os rostos das duas obras é um trabalho delicado, mas os estudiosos agora acreditam que a obra final – com um turbante no lugar da coroa e um olhar penetrante em vez de piedoso e celestial – mistura elementos da própria artista com os de Catarina de Médici (1593-1629), filha do grão-duque Fernando de Médici (1549-1609), que encomendou a obra.
O resultado é a prova de que o artista pode ser capaz de abandonar uma pintura, mas a pintura nunca pode abandonar completamente o artista.
Baco, de Caravaggio (c. 1595)

Crédito,Getty Images
Caravaggio (1571-1610) assinou apenas um quadro durante toda a sua vida. E o fez com repulsivo talento, em um rabisco com sangue na parte inferior da sua maior pintura, A Decapitação de São João Batista (1608).
Mas esta não foi a única vez em que o mestre italiano inseriu um semblante de si próprio nas suas pinturas.
Em 2009, utilizando reflectografia avançada, estudiosos penetraram nas rachaduras da superfície do retrato de Baco, o deus romano do vinho, feito por Caravaggio. Eles redescobriram um minúsculo autorretrato escondido no reflexo do jarro – um detalhe quase subliminar que os trabalhos grosseiros de restauração haviam obscurecido depois da descoberta do retrato dentro do retrato, em 1922.
Esta estranha selfie distorcida no recipiente de vinho – que às vezes você vê e, às vezes, não – é fundamental para o significado da obra. Ela destaca os temas da ilusão embriagada e identidade elástica, essenciais para a pintura de Caravaggio.
Jovem maquiando-se, de Georges Seurat (1890)

Crédito,The Courtauld Gallery
Superficialmente, Jovem maquiando-se é uma meditação divertida sobre a sobreposição entre o tema e o estilo.
Aqui, Georges Seurat (1859-1891) emprega sua pioneira técnica pontilhista, utilizando incontáveis pontos minúsculos para ilustrar sua amante, Madeleine Knobloch (1868-1903), enquanto ela espalha uma nuvem de pó pelo rosto.
As pinceladas parecem girar pelo ar e preenchê-lo – metaforicamente, também lançando pó sobre as pessoas que pararem para admirar a obra.
Os pontos habilmente aplicados revelam e apagam as imagens em igual medida, como se conjurassem um mundo apenas para apagá-lo em seguida.
A sensação de brilhante obliteração se intensifica com a descoberta de um autorretrato escondido, o único conhecido de Seurat. Ele fica na janela aberta que, posteriormente, o artista escondeu atrás de outro conjunto de pontos que ilustra um vaso de flores – um ponto muito interessante do quadro.
Retrato de uma menina, de Modigliani (1917)

Crédito,Alamy/Oxia Palus
Certas pessoas se recusam a serem esquecidas, não importa o quanto você as apague da memória. E o famoso Retrato de uma Menina, do pintor modernista italiano Amedeo Modigliani (1884-1920), inegavelmente, é um desses casos.
Alguns estudiosos suspeitam que o retrato de corpo inteiro de uma mulher, oculto atrás da imagem visível, pode ilustrar uma ex-amante com quem Modigliani terminou um relacionamento um ano antes.
Em 2021, dois candidatos a PhD da Universidade de Londres utilizaram inteligência artificial para reconstruir o retrato oculto, que relembra claramente a ex-musa e amante do pintor, Beatrice Hastings (1879-1943).
A identidade das duas mulheres, a aparente e a oculta, ainda aguarda confirmação, mas as camadas sobrepostas reforçam temas de ocultação e dissimulação na obra de Modigliani.
La cinquième saison, René Magritte (1943)

Crédito,Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique
Os dois homens seguram pequenas pinturas emolduradas embaixo do braço, enquanto andam em direção um ao outro.
A trajetória dos seus passos sugere que a colisão iminente não ocorrerá por pouco – mas, sim, haverá uma espécie de eclipse, quando um dos homens deslizar atrás do outro com seu quadro.
De certa forma, parece apropriado que, nesta pintura de quadros que se sobrepõem, a reflectografia de infravermelho tenha encontrado outra pintura oculta sob sua superfície: o retrato de uma mulher misteriosa, que possui forte semelhança com a esposa do artista, Georgette, mas com características totalmente distintas.
A descoberta do retrato escondido simplesmente coloca em evidência como decifrar a dualidade da obra de um artista conhecido pelas suas imagens provocantes e traiçoeiras.