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O zumbido de mineradora de bitcoin que gera revolta em redutos de Trump

Vindo da usina de geração de energia Greenidge Generation, que passou anos desativada, o som irritou alguns moradores locais

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 24/05/2025
O zumbido de mineradora de bitcoin que gera revolta em redutos de Trump
Trump disse que quer transformar os EUA na capital mundial da mineração de criptomoedas | Getty Imagens

Nos últimos cinco anos, um zumbido alto tem sido pano de fundo constante para o canto dos pássaros e o latido ocasional de cachorros no vilarejo de Dresden, no Estado americano de Nova York.

Vindo da usina de geração de energia Greenidge Generation, que passou anos desativada, o som irritou alguns moradores locais.

"É um incômodo", diz Ellen Campbell, proprietária de uma casa no Lago Seneca, a uma curta distância dali. "Prefiro não ficar ouvindo isso quando sentar à beira do lago."

"Não pedimos para ouvir esse zumbido constante."

A questão aqui em Dresden, um vilarejo de cerca de 300 habitantes cercado por estradas rurais sinuosas, linhas ferroviárias de via única e fazendas que cultivam uva e lúpulo, parece uma história familiar sobre a tensão entre os moradores locais que amam a natureza e o desenvolvimento econômico.

Mas o incômodo deles também é um sinal de algo menos esperado — as políticas do presidente dos Estados UnidosDonald Trump, estão enfrentando resistência de pessoas nas áreas rurais, cujos votos impulsionaram seu retorno à Casa Branca.

A causa? A mineração de Bitcoin.

Um processo de uso intensivo de energia que depende de computadores potentes para criar e proteger as criptomoedas, a mineração de Bitcoin cresceu rapidamente no país nos últimos anos. O governo atual, diferentemente da gestão de Joe Biden, pretende incentivar o setor.

Trump disse que quer transformar os EUA na capital mundial da mineração de criptomoedas, anunciando em junho de 2024 que "queremos que todo Bitcoin que resta seja fabricado nos EUA". Isso tem implicações para as comunidades rurais dos EUA — muitas das quais votaram no republicano.

Instalações como a da usina de energia perto de Dresden estão surgindo em todo o país, atraídas pelos preços recordes das criptomoedas e pela energia barata e abundante para alimentar os computadores que fazem a mineração.

Há pelo menos 137 minas de Bitcoin nos EUA em 21 Estados, e reportagens indicam que há muitas outras previstas. De acordo com estimativas da Agência de Informação sobre Energia dos EUA (EIA, na sigla em inglês), a mineração de Bitcoin utiliza até 2,3% da rede elétrica do país.

alto uso de energia e seu impacto ambiental mais amplo certamente estão causando alguma preocupação em Dresden.

Mas é o inconfundível zumbido que é a trilha sonora do descontentamento em muitos lugares com minas de Bitcoin — produzido pelos ventiladores usados para resfriar os computadores, ele pode variar de um ruído mecânico a um barulho ensurdecedor.

Ellen Campbell
Legenda da foto,Ellen Campbell está incomodada com o que ela descreve como um zumbido constante da mina de Bitcoin de Greenidge

"Podemos ouvir um zumbido constante", diz outra moradora de Dresden, Lori Fishline. "É um barulho constante e alto que você simplesmente não pode ignorar. Ele nunca esteve presente antes, e definitivamente afetou a atmosfera pacífica da nossa baía".

Tamanha é a irritação de Campbell com o apoio de Trump ao Bitcoin, que sua lealdade política aos republicanos está sendo testada. "No momento, não estou muito feliz com esse partido", diz ela.

Reação adversa no reduto de Trump

O conflito no Lago Seneca está repercutindo em todo o país, o que pode representar problemas para uma Casa Branca que pretende seguir uma agenda pró-criptomoeda.

A pouco mais de 160 quilômetros a oeste de Dresden, uma reação negativa na cidade de Niagara Falls levou o prefeito local Robert Restaino — um democrata — a emitir uma moratória sobre novas atividades de mineração em dezembro de 2021 e, no ano seguinte, foram impostos limites de ruído de 40 a 50 decibéis perto de áreas residenciais. "A poluição sonora deste setor não se compara a nada", ele disse.

Os moradores locais descreveram o som como semelhante ao de um jato 747, ou tão irritante quanto ter dor de dente 24 horas por dia, alegando que o ruído abafava o som das cachoeiras próximas.

E em Granbury, no Texas, uma barreira acústica de mais de 7 metros de altura foi erguida em 2023 em uma instalação de mineração depois que os moradores reclamaram com as autoridades públicas que o barulho ininterrupto os mantinha acordados e causava enxaqueca.

Todas essas operações de Bitcoin foram abertas antes do retorno de Trump à Casa Branca. Mas a oposição que elas geraram sugere que as autoridades públicas em áreas de voto republicano provavelmente vão estar sob pressão contínua da população local que se opõe à expansão da mineração de Bitcoin.

Se isso acontecer, será que os sonhos de Trump em relação às criptomoedas podem ser frustrados em seus próprios redutos?

A meia-volta de Trump

Há menos de quatro anos, Trump disse que o Bitcoin "parece ser uma fraude". No entanto, essas reservas desapareceram: desde então, a família Trump abriu a empresa de criptomoedas World Liberty Financial, e Trump lançou sua própria criptomoeda, $TRUMP — 220 dos seus principais compradores foram convidados para um jantar de gala privado com o presidente na quinta-feira (22/5).

Um outdoor mostrando um desenho de Trump segurando uma criptomoeda

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,No intervalo de quatro anos, Trump mudou de opinião sobre as criptomoedas

Os filhos de Trump, Eric e Donald Jr., estão por trás de um empreendimento de mineração de criptomoedas chamado American Bitcoin, que planeja negociar na Nasdaq e tem como objetivo construir uma das maiores e mais eficientes plataformas de mineração de Bitcoin do mundo, enraizada em solo americano.

A mineração de Bitcoin cresceu muito nos EUA, em parte devido a uma repressão na China em 2021, em decorrência de preocupações com seus danos ambientais. Alexander Neumueller, especialista do Centro de Finanças Alternativas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, diz que, embora seja difícil rastrear todas as minas, está claro que os EUA são agora o principal produtor de Bitcoin, minerando cerca de 40% do suprimento mundial.

De debates comunitários a batalhas legais estaduais

Dresden fica na região dos Lagos Finger em Nova York — uma área rural cortada por lagos glaciais profundos, que atrai turistas com suas vinícolas, cervejarias e atividades ao ar livre. No condado de Yates, onde fica Dresden e a usina Greenidge, cerca de 60% dos eleitores votaram em Trump em novembro passado.

De acordo com os proprietários da mina, a Greenidge Generation, estão sendo produzidos de 40 a 120 Bitcoins por mês na usina, além de alguma energia que retorna à rede.

A usina perto de Dresden, com uma placa da Greenidge Generation  na frente
Legenda da foto,A Greenidge Generation converteu a usina próxima a Dresden — que era movida a carvão — para gás, antes de abrir sua mina de Bitcoin em 2020

A empresa — que recusou os pedidos de entrevista — argumentou que converteu uma operação de queima de carvão em uma instalação de energia a gás relativamente mais limpa que está em conformidade com as leis ambientais estaduais.

Mas, em meio à preocupação pública, o Estado de Nova York e a Greenidge estão atualmente envolvidos em uma longa batalha legal sobre o futuro da usina. Com algumas das leis ambientais mais rigorosas do país, as autoridades de Nova York estão questionando se a usina a gás é permitida sob os regulamentos que permitiram a antiga usina a carvão. A geração de energia — e a mineração de Bitcoin — foi autorizada a continuar durante o processo de recurso.

Abi Buddington, proprietária de uma casa em Dresden que tem estado à frente da luta contra a mina de criptomoedas, afirma que isso se tornou um grande problema local.

"O clima mudou, tanto ambientalmente quanto em nossa pequena e pacata comunidade", diz ela, lembrando-se das vozes exaltadas em reuniões polêmicas na prefeitura.

Abi Buddington
Legenda da foto,Abi Buddington tem lutado contra a mina de Bitcoin perto de Dresden

Buddington está tentando mudar a mentalidade em Dresden e, por meio de sua rede, em outros lugares do país.

"Há alguns que se preocupam com o meio ambiente, e que podem ser de tendência republicana", diz ela. "O que descobrimos a nível nacional é que, mesmo nos Estados vermelhos, quando as autoridades eleitas são instruídas adequadamente e conhecem os danos, elas se opõem bastante."

Mas nem todos estão convencidos. "Eles têm sido um bom vizinho corporativo", diz o prefeito recentemente eleito de Dresden, Brian Flynn, sobre a mina. "Sou a favor dos negócios, seja Greenidge ou a agricultura local... Acho que é importante ter um mix de indústria e recreação."

Impactos da criptomoeda no mundo real

Batalhas jurídicas como a do Lago Seneca estão trazendo à tona as realidades de um setor que, à primeira vista, pode parecer restrito a bancos de servidores de dados, distante do mundo real.

Os "mineradores" de Bitcoin — que, na verdade, não estão extraindo nada da terra — verificam as transações resolvendo problemas criptográficos extremamente difíceis que exigem computadores potentes. Em troca, eles são recompensados com Bitcoin.

Como o preço do Bitcoin disparou até seu valor atual de cerca de US$ 100 mil, quantidades cada vez maiores de poder de computação foram necessárias para ganhar recompensas de criptomoedas, excluindo mineradores menores em favor de grandes coletivos e empresas.

Além do zumbido, o uso de energia da mineração tem impactos ambientais. Um estudo de Harvard, revisado por pares, publicado em março pela revista acadêmica Nature Communications mostrou que a mineração de Bitcoin expõe milhões de americanos à poluição atmosférica a cada ano — e que 34 minas de Bitcoin consomem um terço a mais de eletricidade do que a cidade de Los Angeles. (Houve alguma resistência do setor de criptomoedas ao estudo, que foi chamado de "Ônus ambiental do boom da mineração de Bitcoin nos EUA", em tradução livre).

De acordo com o Índice de Consumo de Eletricidade do Bitcoin de Cambridge, a mineração utiliza globalmente cerca de 0,7% do consumo global de eletricidade.

Um gráfico em barras mostrando o aumento anual do consumo de energia do Bitcoin

Isso tem um efeito em cascata nos preços da energia local, que também está provocando uma reação negativa em algumas áreas.

Em 2017, os mineradores de Bitcoin inundaram Plattsburgh, em Nova York — uma cidade de cerca de 20 mil habitantes, a algumas horas ao norte de Dresden — devido às taxas de energia hidrelétrica baratas. "Estávamos recebendo solicitações para Bitcoin de operadores do mundo todo", diz Colin Read, que era prefeito da cidade na época.

No entanto, eles usaram tanta energia que as taxas de eletricidade aumentaram. Dentro de um ano, alguns moradores estavam pagando até 40% a mais durante os meses de inverno, acrescenta Read.

No ano seguinte, ele e outros parlamentares locais aprovaram regras para restringir a atividade.

"Felizmente, acabamos com isso", diz ele, observando que todas as operações de mineração de Bitcoin, exceto uma, deixaram a cidade.

Oposição no coração do 'Maga'

A resistência às minas de Bitcoin se estende a lugares com o maior apoio de Trump.

Cyndie Roberson estava aposentada e desconhecia a indústria de criptomoedas até que uma operação de mineração de Bitcoin se mudou para sua pequena cidade na Carolina do Norte em 2021. Os moradores locais se uniram e conseguiram proibir novos empreendimentos de Bitcoin na área — mas a operação existente foi autorizada a permanecer, e o ressentimento em relação à batalha a fez se mudar para o sul, para o condado de Gilmer, na Geórgia.

Lá, Roberson fez campanha contra a mineração de criptomoedas em uma região fortemente pró-republicana. No condado em que mora, ela diz que cerca de 1.000 pessoas compareceram a uma reunião pública para se opor a uma mina, que acabou não sendo autorizada a operar.

Ao norte de Gilmer, a Comissão do Condado de Fannin decretou a proibição da mineração de criptomoedas, enquanto uma comissão da Geórgia que representa 18 condados, principalmente rurais, publicou recomendações sobre como restringir o desenvolvimento de minas de Bitcoin.

"Quando você está no meu quintal, quando você está na minha cidade, tentando destruir nossa propriedade e nossa paz, as pessoas vão te dizer: 'Absolutamente não'", diz Roberson.

Embora 80% da população local tenha apoiado Trump em novembro passado, este apoio não parece impedir que as pessoas se oponham a uma de suas principais metas em relação às criptomoedas.

'Você pode construir sua própria usina de energia'

O governo Trump não planeja acabar com todas as regulamentações em torno da mineração de criptomoedas — mas está pronto para ajudar as empresas a abrir usinas de energia próximas às minas.

Em entrevista à Bitcoin Magazine em abril, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, afirmou: "Vamos fazer com que, se você quiser minerar Bitcoin, e encontrar o lugar certo para fazer isso, você possa construir sua própria usina de energia ao lado", argumentando que tais projetos acabariam com "essas histórias de 'você está consumindo muita energia, e agora o custo de operação da minha geladeira está mais alto'".

Lago Seneca, com um cais
Legenda da foto,Áreas rurais como o Lago Seneca estão enfrentando os efeitos reais do Bitcoin

"A próxima geração de mineradores nos EUA vai ser capaz de controlar seu destino, controlar o custo da energia, e acho que isso vai turbinar a mineração de Bitcoin nos EUA, afirmou Lutnick à revista.

De acordo com Zack Shapiro, chefe de políticas do Bitcoin Policy Institute, um think tank americano que pesquisa redes monetárias emergentes, este processo já começou. "Há Estados que estão aprovando leis que proíbem especificamente os municípios de proibir minas de Bitcoin", diz ele. "É um mecanismo pelo qual as empresas de mineração podem reagir."

E a natureza da mineração de Bitcoin significa que, se encontrar resistência, pode migrar rapidamente para um local mais favorável.

Quando Colin Read enfrentou as minas em Plattsburgh, ele viu a facilidade com que elas podiam mudar de local.

"Este setor é muito flexível", ele observa. "Quando dissemos a essas empresas que elas não poderiam ter mais energia sem enfrentar obstáculos, elas fizeram as malas e foram para uma comunidade onde não havia requisitos tão rigorosos."

Minas offshore no futuro?

A oposição local não é o único desafio de Trump. Será que o mar, por exemplo, poderia ser um local melhor para a mineração de Bitcoin?

Shapiro acredita que, com os mineradores buscando o menor custo, eles poderiam recorrer à energia renovável que sobra que não pode ser usada para outras aplicações. "A energia eólica no oceano não pode ser usada para abastecer uma cidade, mas você pode montar uma plataforma offshore que capte a energia eólica e das marés, e usar para minerar Bitcoin —, como não há outro comprador para usar essa energia, é provavelmente para lá que as operações de mineração de Bitcoin vão acabar sendo transferidas."

Também pode ser que, na corrida das criptomoedas, o Bitcoin não seja a melhor aposta. Read — que é economista da área de energia — é cético quanto à perseverança do Bitcoin, que consome muita energia, porque acredita que outras alternativas mais eficientes vão surgir.

Com a Casa Branca incentivando o setor, as batalhas sobre a mineração de Bitcoin serão inevitavelmente travadas em fóruns menores, em governos estaduais e locais e em lugares minúsculos como Dresden.

Mas uma constante na curta história do Bitcoin tem sido a volatilidade. Talvez estejamos em tempos de prosperidade — mas uma queda no preço, mudanças nas fontes de energia e alterações nas necessidades das criptomoedas podem reformular fundamentalmente o cenário da mineração de Bitcoin, não importa o quanto Trump queira mantê-la nos EUA.