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Trump não mencionou Bolsonaro em reunião com Lula, diz governo brasileiro

A informação é do secretário-executivo do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Márcio Elias Rosa, que participou da reunião com Trump ao lado de Lula

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 26/10/2025
Trump não mencionou Bolsonaro em reunião com Lula, diz governo brasileiro
Trump e Lula em primeiro encontro formal, na Malásia | REUTERS

Citado como razão principal para os Estados Unidos sancionarem o Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro não foi mencionado pelo presidente Donald Trump durante o encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste domingo (26/10).

A informação é do secretário-executivo do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Márcio Elias Rosa, que participou da reunião com Trump ao lado de Lula.

O encontro ocorreu em Kuala Lumpur, na Malásia, onde os dois líderes participam da 47ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean).

Antes do encontro, que durou 45 minutos, os dois presidentes conversaram com jornalistas. Ao ser questionado sobre se falaria de Bolsonaro com Lula, Trump respondeu: "None of your business" (Não é da sua conta).

"Eu sempre gostei do Bolsonaro. Me senti mal com o que aconteceu com ele. Ele está passando por muita coisa", comentou o americano.

Segundo o relato do governo brasileiro, foi Lula quem mencionou na conversa formal entre os dois as sanções aplicadas a ministros do Supremo Trribunal Federal (STF) pelos EUA, devido ao julgamento de Bolsonaro.

O ex-presidente foi condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado. Sete dos onze ministros tiveram cancelados seus vistos para entrar em solo americano. Além disso, o ministro Alexandre de Moraes sofreu retaliações financeiras por meio da lei Magnitsky, que inclui bloqueio de bens e contas nos EUA.

"Isso [o tema Bolsonaro] não foi discutido. A questão do Bolsonaro apareceu antes na entrevista, que foi perguntado, mas muito lateralmente", disse Rosa.

"O que o presidente Lula usou como exemplo foi a injustiça da aplicação da lei Magnitsky em relação a algumas autoridades, como do Supremo Tribunal Federal, quão injusta é essa medida em relação a esses ministros porque respeitou-se o devido processo legal e não há nenhuma perseguição jurídica ou política", continuou.

Elias Rosa não informou qual foi a reação de Trump ao pedido de Lula para a retirada dessas sanções.

O tema principal da conversa foi a tarifa de 50% que os EUA impuseram sobre boa parte das importações brasileiras — medida que provocou a maior crise diplomática recente entre os países.

Em postagem no Twitter, Lula disse que a reunião foi "ótima" e acrescentou que as negociações continuam "imediatamente" para buscar soluções para o tarifaço e também para sanções contra autoridades brasileiras impostas por Trump citando o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil.

Nas primeiras declarações após o encontro, o chanceler brasileiro Mauro Vieira detalhou que as conversas continuam ainda neste domingo entre as duas equipes para uma possível suspensão da tarifa de 50%.

A conversa aconteceu em Kuala Lumpur no período da tarde (de madrugada no horário de Brasília).

O encontro foi articulado ao longo de semanas por assessores dos dois governos, desde o breve cumprimento entre Lula e Trump em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

Na ocasião, o americano afirmou que houve "química excelente" com o brasileiro e indicou estar disposto a fazer uma reunião bilateral.

Do tarifaço ao encontro na Malásia

Trump e Bolsonaro

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Trump tentou interferir em julgamento de Bolsonaro sem sucesso

Em julho, os Estados Unidos anunciaram tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, atingindo especialmente exportações agrícolas e de carne bovina.

Na época, o governo Trump deixou claro diversas vezes que essas punições tinham natureza política.

Além das tarifas, o Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR) abriu uma investigação contra o Brasil, acusando o país de adotar "práticas comerciais desleais".

A Casa Branca também impôs restrições de visto a autoridades brasileiras e sanções financeiras ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, e à mulher dele, Viviane Barci de Moraes.

As medidas foram tomadas em meio julgamento que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por incitar ataques às instituições brasileiras.

O governo brasileiro classificou as sanções como um ataque à soberania nacional e uma tentativa de interferir na independência do Judiciário.

As sanções tiveram como pano de fundo a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente brasileiro.

O deputado se mudou para os Estados Unidos no início do ano e iniciou articulações junto à Casa Branca para buscar medidas contra o Brasil que pudessem pressionar pela absolvição e pela anistia do pai.

Em setembro, no entanto, Lula e Trump se cruzaram brevemente durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, mantendo contato próximo desde então.

No dia 6 de outubro, os líderes fizeram uma videoconferência de aproximadamente 30 minutos.

Na conversa, Lula pediu a Trump a retirada da tarifa imposta aos produtos brasileiros e das medidas restritivas aplicadas contra autoridades brasileiras.

Na ocasião, Trump não teria respondido diretamente ao pedido de Lula para a retirada das tarifas e das sanções econômicas e de vistos. O presidente americano teria se limitado a dizer que o tema seria conduzido pelas equipes técnicas dos dois países.

Já em 16 de outubro, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, se reuniram por uma hora na Casa Branca, em Washington.

Em uma breve declaração à imprensa, o chanceler brasileiro disse que encontro foi "muito produtivo, num clima excelente de descontração e de troca de ideias e posições de uma forma muito clara e muito objetiva".

Segundo Vieira, houve "muita disposição para trabalhar em conjunto para traçar uma agenda bilateral de encontros para tratar de temas específicos de comércio".

Pelo lado americano, Rubio e o representante de comércio dos EUA, Jamieson Greer, disseram em um comunicado conjunto que tiveram com o ministro brasileiro "conversas muito positivas sobre comércio e as questões bilaterais em curso".

Segundo a nota, os três "concordaram em colaborar e conduzir discussões em múltiplas frentes no futuro imediato e estabelecer um plano de ação".

Durante a semana, Trump defendeu tarifa sobre carne brasileira

Mesmo com os esforços do encontro para tentar selar a paz, os dois líderes também deram sinais de que não pretendiam recuar de suas posições durante a semana que antecedeu o encontro.

Na quarta-feira (22/10), Trump afirmou que os pecuaristas americanos "estão indo bem" graças à tarifa imposta sobre o gado de outros países, como o Brasil.

"Os pecuaristas, que eu adoro, não percebem que a única razão pela qual estão indo tão bem — pela primeira vez em décadas — é porque impus tarifas sobre o gado que entra nos Estados Unidos, incluindo uma tarifa de 50% sobre o Brasil", escreveu em sua rede social.

O republicano acrescentou que, se não fosse por ele, os criadores de gado americanos "estariam na mesma situação dos últimos 20 anos", que classificou como "péssima".

Já Lula, na quinta (23/10), voltou a defender alternativas ao dólar no comércio global. Durante a visita que faz à Indonésia, o presidente afirmou que tanto o Pix quanto o sistema de pagamentos indonésio têm potencial para facilitar o intercâmbio entre os dois países e entre os membros do Brics.

"O século 21 exige que tenhamos a coragem que não tivemos no século 20", disse Lula, ao defender "uma nova forma de agir comercialmente, para não ficarmos dependentes de ninguém", sem citar diretamente os Estados Unidos.

A defesa de moedas alternativas à americana, reforçada pelo Brasil durante a cúpula dos Brics em julho, foi apontada por Trump como um dos motivos para a imposição das tarifas às exportações brasileiras.