Opinião

Uma cabeça que rola por aí

15/01/2020
Às professoras e mestras, tia Cidinha e tia Marcinha, com carinho.   Tenho raízes que me seguem, enterram-se na terra rasa; um passado no meu presente, um sol bem quente no meu quintal. Uma delas é a Escola Estadual São Francisco, quero dizer, as pessoas daquela escola. As escolas são sobretudo gente.   Habituado – o pra sempre aluno – a ouvir que os mecanismos da razão existem numa região separada da mente onde as emoções e sentimentos não estão autorizados a adentrar. Climatizado a ver sempre o conceito do “sujeito cerebral”, o qual dita que a identidade, a essência do ser humano está no cérebro. Diante de mim, o “ser inteligente”, mais frio e menos emotivo, de raciocínio prático, de estreiteza científica… de erros sucessivos.   Aos sete anos já me foi afincado no peito, pelas minhas primeiras professoras, depois de minha mãe – eterna professora –, a necessidade de aprender, ensinar e conhecer com o nosso corpo inteiro. Ensinaram-me a compreender a complexidade e a não linearidade do desenvolvimento educacional, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual ou a dimensão emocional.   Eduardo Galeano parece comungar da pedagogia das minhas professoras quando diz: “Os intelectuais me dão pena. Eu não sou intelectual. Os intelectuais são os que divorciam a cabeça do corpo, eu não quero ser uma cabeça que rola por aí, eu sou uma pessoa; eu acredito nessa fusão contraditória, difícil mas necessária, entre o que se sente e o que se pensa. Interessa-me o que combina o cérebro com as tripas; isso que combina tudo que somos, tudo! Sem esquecer de nada.   ”Temos que raciocinar e sentir. Quando a razão se separa do coração, ou onde quer que esteja os nossos sentimentos e emoções, comece a tremer, leitor amigo.   Tive a oportunidade de estar em muitos colégios, visitei muitas salas de aula, conversei com muitos alunos, destes ouvi isto, de forma quase unânime, quando perguntei o motivo de irem à escola: “Ser alguém na vida” e “ter um futuro”. Longe de mim querer negar uma ou duas finalidades da educação, mas cada aluno já é alguém e terá um futuro, queira ou não.   Pestalozzi, Herbart, Froebel, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, entre outros, falaram dos objetivos, dos propósitos da educação. Erich Fromm aponta o meu preferido (muito explorado por Rubem Alves e Mario Sérgio Cortella). Dizia o homem que profundamente estudou a condição humana: “O alvo da educação – que vem a ser o alvo da vida – é trabalhar jubilosamente e encontrar a felicidade. Ter felicidade significa estar interessado na vida, é atender o apelo da vida não apenas com o cérebro, mas com toda a personalidade.”   Há uma tamanha desvergonha se alargando no Brasil – no mundo-. Instituições, conceitos, significados estão ruindo, perdendo seus atributos ou encantos. A educação é tocada de forma impudente e imprudente; não há como negar a desesperança, o desinteresse nos corredores das escolas. Isso imobiliza e entristece.   A esperança é imperativo existencial e histórico. Esperança do verbo esperançar não do verbo esperar (Paulo Freire). Sim, ela não é suficiente. A tarefa do ensinante e também do aprendiz sendo prazerosa é igualmente exigente. É impossível tocar a educação sem a “coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência”.   A verdade é que o ser humano é muita coisa, muito mais do que uma cabeça ambulante. Aqui, outra vez, temos com a insuficiência da razão e a necessidade da poesia. Poesia que eu ouvi de uma professora, escrita pela pena de outra professora: “Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. (Adélia Prado)   Emanuel Filartiga é promotor de Justiça em Mato Grosso