Opinião
Há muito tempo reivindicamos transporte coletivo de qualidade. Em todo o Brasil esse tema não é tratado com a prioridade que merece. As cidades se modernizam, a urbanização é crescente e as distâncias entre pessoas e seus locais de trabalho; lazer e residência, aumentam, sendo inimaginável que as gestões públicas e a sociedade em geral não construam alternativas, privilegiando o coletivo em detrimento do individual. Impera no país a opção pelo transporte individual. Os veículos particulares, em regra, trafegam pela cidade transportando apenas o seu condutor, congestionando as vias públicas, sendo incompatíveis com a premente necessidade de se evoluir em práticas sustentáveis, viabilizando a existência das gerações futuras.
É preponderante que o tema “transporte coletivo” seja uma pauta constante da administração pública e da sociedade em geral.
Esse serviço público, realizado a partir de concessões a empresas privadas, além de não merecer a discussão necessária para incutir o escopo da redução do transporte individual, sempre está em débito com a coletividade que não tem essa opção, em face de limitações financeiras. As linhas são deficitárias; a frota não se renova; os veículos não oferecem o conforto necessário ao cidadão e a tarifa é, quase sempre, motivo de revolta dos usuários. O trabalhador, a dona de casa e o estudante que precisam desse meio de locomoção, sofrem com as suas precariedades.
Por vezes me parece que o serviço em questão vive em um limbo: não é nem público, nem privado. É uma confusão – sendo público, não se submete às regras consumeristas e de liberdade do mercado. As empresas que o exploram, também não precisam se preocupar com a concorrência, após legitimadas em processo licitatório, quase sempre norteado por exigências que confortam a burocracia, longe das regras que qualificam a oferta, em face da procura.
A tarifa é imposta pelo Poder concedente e na sua composição leva-se em conta inúmeras flexibilizações para, supostamente, minorar o valor. Não é raro, por exemplo, encontrar fundamentos míopes sobre prazo para renovação da frota ou destinação de veículos adaptados para atender às necessidades das pessoas com deficiências e/ou com ar-condicionado, em número bem menor que a frota completa, sob a justificativa de que é preciso considerar essas adequações para não se impor tarifas elevadas ao usuário.
Por isso, aceita-se que no primeiro instante os veículos continuem sem as condições ideais para o transporte de passageiros, ainda que alguns ostentem a qualidade que se indica para atendimento correto ao usuário. Esse despautério fere uma regra básica de que para serviços diferenciados, preços diferentes. A tarifa é única e todos pagam os mesmos valores. Logo, se alguém for premiado em viajar constantemente em um dos ônibus com ar-condicionado disponibilizados à população na fase preambular ao cumprimento do requisito por toda a frota, deve saber que usufrui da vantagem em claro prejuízo a outros cidadãos que, pagando valor igual, recebem serviço pior.
Cuiabá, em administrações públicas passadas, sonhou com um arrojado projeto de transporte coletivo, por veículos leves sobre trilhos, no eixo central da cidade. Nós que nunca tivemos “trem de ferro” por aqui, estávamos prestes a andar de metrô de superfície. Descobriu-se, todavia, que erros crassos de planejamento foram cometidos para viabilização de interesses espúrios e, por isso, as obras iniciadas ainda não foram concluídas. Outros gestores propagam aos quatro cantos que não há recursos para continuidade das obras. Têm-se, então, grandes somas de recursos públicos empregados em um sistema que não foi concluído pela anunciada falta de mais recursos.
É evidente que o projeto VLT deve ser finalizado, vez que além da carência no setor, devem ser considerados, sobretudo, os recursos já aplicados, mas, ao que parece, forças poderosas impedem sua retomada.
Com ou sem VLT, o tema transporte coletivo precisa merecer uma discussão mais acurada, envolvendo um PLANO DE MOBILIDADE que contemple, como dito, a redução nos próximos anos da gigantesca frota de veículos particulares como meio para se alcançar, por exemplo, os locais de trabalho. As empresas e órgãos públicos exigem, cada vez mais, a ampliação de seus estacionamentos para acomodar os veículos dos servidores que ficam, em todo horário comercial, aguardando seus proprietários para conduzi-los no retorno ao lar.
Lamentavelmente ainda não alcançamos sequer a cobertura plena e eficiente da demanda ocasionada pelas pessoas que não dispõem de veículos particulares mas, em uma visão de médio e longo prazos, é importante que esse debate seja ampliado para que no presente, tenhamos a possibilidade de construir as bases de um futuro que trate o coletivo em sua integralidade e não apenas em segmentos.
Na atualidade, muitos jovens, conscientes da necessidade de contribuir com as iniciativas voltadas para a sustentabilidade, exteriorizam certa empatia com novas modalidades de transporte como o uso dos veículos da frota de aplicativos. Essa opção espontânea carece de incentivo da gestão pública, porquanto esse mesmo jovem, ao ingressar no mercado de trabalho, será tomado pela rotina de práticas tradicionais e é provável que atenda aos apelos para o consumo de bens de valores individuais, adquirindo automóvel para uso pessoal. Ou seja, a política pública para o transporte coletivo deve cumprir plenamente o requisito de eficiência preconizado pela Constituição da República, viabilizando, necessariamente, o acesso da população em geral e, ao mesmo tempo, a adoção de medidas restritivas ao transporte individual.
É preciso inovar em novas práticas para conectar o escopo de mobilidade urbana com práticas sustentáveis. Aliás, inovação ou conexão com a realidade para melhoria da qualidade de vida é o que falta às administrações públicas e aos empreendimentos em geral.
* Edmilson da Costa Pereira é procurador de Justiça em Mato Grosso