Polícia
PF rastreia vínculos de ministros do STJ com empresário de MT acusado de comprar decisões no Judiciário, diz Estadão
Viagens em jatinhos, jantares reservados e trocas de mensagens com filhos de magistrados reforçam suspeita de influência indevida sobre a cúpula do Judiciário brasileiro

A Polícia Federal identificou fortes indícios de proximidade entre ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o empresário mato-grossense Haroldo Augusto Filho, investigado por corrupção e compra de decisões judiciais no âmbito da Operação Sisamnes. As informações são do jornal paulista Estadão.
A apuração, conduzida sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, no Supremo Tribunal Federal (STF), já alcança ao menos quatro gabinetes ministeriais e escancara a atuação de interesses privados nas entranhas do Judiciário brasileiro.
Documentos obtidos com exclusividade revelam que Haroldo, sócio da empresa Fource, com sede em Mato Grosso, bancou voos privados e participou da organização de eventos jurídicos patrocinados pela própria empresa, especializada em adquirir ativos sob disputa judicial. Em abril de 2024, o ex-presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, utilizou uma aeronave cedida por Haroldo para viajar de Brasília a Cuiabá, onde participou de um congresso da OAB-MT — patrocinado pela Fource.
Noronha admitiu ter feito a viagem, mas alegou que a logística foi organizada pela OAB-MT. A presidente da seccional, Gisela Cardoso, por sua vez, afirmou desconhecer tal informação. Após a revelação do vínculo, Noronha se declarou suspeito no inquérito envolvendo o empresário.
Durante as diligências, a PF também encontrou mensagens trocadas entre Haroldo e a advogada Catarina Buzzi, filha do ministro Marco Buzzi, além de conversas com o advogado Roberto Zampieri, apontado como operador do esquema de venda de decisões e assassinado em dezembro de 2023.
Em um dos diálogos, o empresário planejava um jantar privado com um “ministro”, dias antes da participação de Buzzi em outro evento da OAB-MT. Questionado por Zampieri se conseguiria o encontro, Haroldo afirmou: “Sou amigo da mãe, da filha. Consegue sim.”
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A Fource, empresa de Haroldo Augusto Filho, atua de forma indireta em ações de grande valor econômico, especialmente litígios fundiários em Mato Grosso. A empresa adquire ativos em disputa e atua nos bastidores, contratando advogados para representarem formalmente os interesses nos processos.
Em um dos casos investigados, a Fource teria interesse em uma disputa fundiária que tramita no STJ sob relatoria do ministro Marco Buzzi. Embora a empresa não apareça como parte nos autos, um de seus advogados ingressou no processo representando os interesses ocultos. Em 2022, Buzzi concedeu liminar favorável à parte ligada à Fource, anulando decisões da Justiça de Mato Grosso que consideravam fraudulento o contrato apresentado.
O julgamento do mérito será feito pela Quarta Turma do STJ, presidida justamente por João Otávio de Noronha, o outro ministro com quem Haroldo buscou aproximação.
A PF também apura a possível corrupção de servidores de quatro gabinetes ministeriais: Isabel Gallotti, Nancy Andrighi, Og Fernandes e Paulo Moura Ribeiro. Há indícios de que esses assessores tenham repassado informações privilegiadas ou até minutas de decisões a intermediários como o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, preso na operação.
As suspeitas surgiram após a apreensão do celular de Zampieri. Mensagens encontradas no aparelho indicavam um esquema estruturado para compra de decisões judiciais, com atuação direta de lobistas e advogados sobre membros do Judiciário.
Segundo a PF, ministros ainda não são formalmente investigados, mas os novos elementos reforçam a suspeita de que Haroldo Augusto Filho tentou influenciar decisões de cortes superiores por meio de relações pessoais e patrocínio de eventos jurídicos.