Política
Ex-diretor do Metrô de SP revela esquema de propina envolvendo empreiteiras durante governos do PSDB
Sérgio Corrêa Brasil, ex-diretor do Metrô de São Paulo, disse em delação premiada aos procuradores da Lava Jato como funcionava o esquema de propina dentro da companhia.
O objetivo seria favorecer empreiteiras, financiar campanhas de políticos e conseguir aprovações na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e tramitações no Tribunal de Contas do Estado.
No depoimento, o delator Sérgio Corrêa Brasil afirmou que:
- o arranjo passou pelos governos de José Serra e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, que não são citados como beneficiários diretos;
- entrou em operação em 2004 e funcionou até as eleições de 2014;
- começou com as obras da Linha 2-Verde, passou pela 5-Lilás e chegou à licitação da 6-Laranja do Metrô.
- pelo esquema, as obras dessas linhas ficaram mais caras e mais lentas;
- as empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêapagavam as propinas;
- PPS (hoje Cidadania), PSDB, PFL (hoje DEM) e PTB – partidos da base da administração Alckmin – recebiam repasses mensais em troca de apoio ao governo;
- parte da propina era repassada a deputados estaduais, para que os contratos antigos não fossem questionados na Alesp;
- Tinham "vínculo mais forte" com o esquema o ex-deputado estadual Rodrigo Garcia (DEM), hoje vice-governador de SP, e o ex-deputado estadual Arnaldo Jardim (Cidadania), hoje deputado federal.
Sérgio Brasil trabalhou por 42 anos no metrô e se demitiu, voluntariamente, em 2016. Ele foi o primeiro funcionário do Metrô a colaborar com a Justiça.
Na audiência que selou o acordo com o Ministério Público, o ex-diretor se comprometeu a devolver mais de R$ 6 milhões. Pelo acordo, ele deve ficar preso em regime semiaberto por sete anos.
Propina começou na Linha 2-Verde
Sérgio Brasil disse que os repasses de dinheiro da Linha 2-Verde ocorreram entre 2004 e 2007, durante as gestões de Geraldo Alckmin e José Serra, ambos do PSDB. Os governadores não são citados como beneficiados diretamente pelo esquema.
Quando foi inaugurada, em 1990, a Linha 2-Verde tinha só 3 km de extensão e quatro estações. Desde aquela época, a ideia era que ela chegasse até a Vila Prudente. Mas, como o governo de São Paulo não tinha dinheiro para levar o projeto adiante, as obras pararam e o contrato com as empreiteiras foram sendo prorrogados.
O primeiro contato do ex-diretor com as empreiteiras ocorreu por meio de Fábio Gandolfo, da Odebrecht. Na delação homologada pela Justiça, Sérgio Brasil disse ter recebido aproximadamente R$ 1,5 milhão de propina em obras da Linha 2-Verde.
"Quando ele falou comigo, já tinha atribuído um valor de 0,5% de participação no faturamento desse contrato, seus aditivos. Assim, numa grade de participações que estavam preestabelecidas caberia uma proposta que ele estava me falando de 0,5%", afirmou ele no depoimento.
Arnaldo Jardim atualmente é deputado federal pelo Cidadania e Rodrigo Garcia, do DEM, é vice-governador de São Paulo.
O esquema envolvia também o então presidente do metrô, Luiz Carlos David.
"Passei a fazer uma gestão para que os contratos fossem executados tal como pretendido pela iniciativa privada, assim como pelas diretrizes 'internas', da presidência do Metrô, e pelas diretrizes 'externas', do governo de São Paulo. Portanto a contrapartida para o 0,5% que eu recebia seria defender, dentro do Metrô, a manutenção da licitação de 1990 e, consequentemente, a execução daqueles contratos", contou Sérgio Brasil.
"Em algumas situações, tivemos reuniões conjuntas. Arnaldo Jardim, Rodrigo Garcia, o David, que era o presidente da Companhia, e eu – reuniões de acompanhamento."
Essa e outras mudanças, segundo o delator, foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Sergio Brasil diz que Fabio Gandolfo, da Odebrecht, fazia a articulação com os conselheiros: "O processo, lá, era dividido por conselheiros. Nesse caso, era o conselheiro Eduardo Bittencourt, estava como relator, ele mudou um pouco, mas a maior parte do tempo foi ele".
"Eu sou uma peça importante nesse processo, do ponto de vista técnico de fazer esse processo parar em pé. E, com os benefícios que eu já tinha combinado com eles, faço isso unindo o útil ao agradável", declarou.
"Não haveria chance de um projeto como esse ter sucesso – assinado o contrato como foi assinado – se não tivesse uma conjugação, um alinhamento, além de metas de interesses de apoio, vamos dizer", contou.
Nessa época, Sérgio Brasil acumulava também o cargo de secretário-executivo do Conselho Gestor de Parcerias Público Privadas. Na delação, ele relata uma "coincidência" entre as diretrizes que vinham de dentro do governo e os interesses das empreiteiras.
"Para mim, os dois principais componentes desse conselho, o presidente Julio Semeghini, que por coincidência era meu chefe – ele trazia diretrizes, necessidades que coincidiam com as que estavam cuidando – e o secretário de Transportes, que é o doutor Jurandir[Fernandes], que é o ente técnico que trazia questões técnicas e cláusulas mais técnicas."
Júlio Semeghini é atualmente secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia do governo Jair Bolsonaro. E Jurandir Fernandes é ex-secretário de Transportes Metropolitanos.
Foi nesta época, que Marcos Monteiro, que respondia pela Imprensa Oficial do Estado, passou a frequentar algumas reuniões com empreiteiros. No ano seguinte, Monteiro se tornou tesoureiro da campanha de Geraldo Alckmin.
"Era um contrato muito grande, não ia entrar em vigência tão logo fosse assinado. Tinha um período de mais seis, sete meses que adentrava o ano de 2014. Por isso, tinha que ser assinado em 2013, para ter efeito do ponto de vista político, de arrecadação. Então tinha esse interesse."
O que dizem os citados
As construtoras Odebrecht, Camargo Côrrea e Andrade Gutierrezdisseram que colaboram com a Justiça, que têm total interesse em esclarecer os fatos do passado e que melhoraram procedimentos internos.
O PSDB disse que desconhece os fatos narrados por Sérgio Brasil e que jamais recebeu recursos vindos de desvios.
O Tribunal de Contas do Estado disse que Eduardo Bittencourt está desligado desde abril de 2012. E que desconhece o teor das delações.
Eduardo Bittencourt disse que não tem conhecimento da delação premiada referida e não têm ciência de seu envolvimento em processo ou investigação decorrente dela.
Jurandir Fernandes, ex-secretário dos Transportes Metropolitanos disse que nunca foi citado em nenhum esquema de benefícios e que lamenta o comportamento de Sérgio Brasil.
O deputado Arnaldo Jardim, do Cidadania, disse que desconhece fatos e procedimentos de um comportamento que nunca teve.
Em relação ao vice-governador Rodrigo Garcia, o Palácio dos Bandeirantes disse que se trata de uma acusação sem fundamento e que ele já foi inocentado no STF por falsas acusações referentes ao Metrô.
Marcos Monteiro, ex-tesoureiro da campanha de Geraldo Alckmin, não quis comentar.
Geraldo Alckmin diz que desconhece o teor das declarações de Sérgio Brasil.
Fabio Gandolfo, representante da Odebrecht, na época da obra da linha 2-Verde, disse que as informações trazidas agora apenas corroboram os fatos narrados em colaborações anteriores.
Julio Semeghini, ex-presidente do Conselho Gestor do Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas e atual secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, disse ter concluído "com sucesso uma série de projetos marcados pela transparência e pelo uso correto dos recursos públicos". "Sobre as informações citadas na reportagem, Julio Semeghini declara que está à disposição para esclarecimentos e dúvidas e que se manifestará após acesso aos autos."
Ex-governador de São Paulo, o senador José Serra disse que "não é citado como beneficiário na delação e reafirma que jamais recebeu vantagens indevidas em 40 de vida pública e sempre pautou sua carreira política na lisura e austeridade em relação em relação aos gastos públicos".
O Metrô disse que "é o maior interessado na apuração de todos os fatos e, se comprovada qualquer irregularidade, apoia a punição dos envolvidos e o ressarcimento dos eventuais prejuízos dos cofres públicos".