Política
Governo vê tentativa de “guerra santa” em ato de Bolsonaro e prepara reação
Para auxiliares de Lula, Bolsonaro usou episódio com Israel para inflamar religiosos e é preciso fazer acenos a esse segmento
O Palácio do Planalto avalia que o ato realizado neste domingo (25), na Avenida Paulista, consolida três estratégias simultâneas da oposição em defesa de Jair Bolsonaro (PL) e contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Um movimento é reforçar o discurso de “perseguição política” por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) e do governo contra Bolsonaro pela acusação de tentativa de golpe de Estado.
Outro movimento é construir uma tese jurídica de que o ministro Alexandre de Moraes deveria ser impedido de julgar casos envolvendo o ex-presidente, já que ele próprio foi citado como um dos supostos alvos.
É o terceiro movimento, no entanto, que mais preocupa atualmente o Planalto: trata-se de inflamar uma “guerra santa” entre evangélicos e religiosos em geral — base de apoio do ex-presidente — contra Lula e o governo do PT.
A estratégia, já usada no passado com foco em temas como o aborto e boatos sobre fechamento de igrejas, estaria centralizada na referência de Lula ao Holocausto nazista e no conflito diplomático aberto contra Israel.
Israel é fortemente apoiado pela base bolsonarista e por boa parte do segmento evangélico, que faz uma interpretação bíblica de que a libertação total de Jerusalém do domínio dos “gentios” (Lucas 21:24) abrirá caminho para a volta de Cristo à Terra.
A tentativa de Bolsonaro e da oposição, segundo um auxiliar direto de Lula, é aproveitar-se politicamente das declarações do petista e jogar religiosos contra o presidente — revigorando um discurso eficiente adotado na campanha eleitoral de 2022 e com apelo entre amplos segmentos da população.
O governo teme os efeitos, a posteriori, dos chamados “recortes” para as redes sociais como armas poderosas nessa “guerra santa”.
Farto material foi produzido e registrado durante o ato. A começar por Bolsonaro e sua mulher, Michelle, que surgiram em cima do trio elétrico com a bandeira de Israel. Na multidão, dezenas de manifestantes estavam enrolados na Estrela de Davi.
Os discursos de aliados, proferidos no palanque, também produziram conteúdo suficiente para massificar a ideia de que cristãos de verdade apoiam Israel, em contraponto ao governo Lula, que chama os ataques israelenses de genocídio, comparando-os ao Holocausto.
A ex-primeira-dama rogou: “Nós abençoamos o Brasil, nós abençoamos Israel, em nome de Jesus”. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) fez menção indireta à decisão do governo de Benjamin Netanyahu de declarar que Lula não é bem-vindo no país. O parlamentar chamou o presidente brasileiro de “o nosso inimigo, persona non grata”.
O pastor Silas Malafaia, patrocinador do evento, foi explícito: repudiou Lula, disse que ele foi o “único presidente de um país democrático que recebeu elogios de terroristas assassinos do Hamas”.
Reação
Algumas reações do governo já estão no radar. Nas próximas semanas, possivelmente ainda em março, o Planalto deverá anunciar um recuo na medida anunciada pela Receita Federal que anulou ato no governo Bolsonaro responsável por ampliar a isenção de tributos pagos por igrejas sobre “prebendas” a líderes religiosos — como pastores evangélicos e padres católicos.
O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, tem conversado pessoalmente com integrantes da Frente Parlamentar Evangélica e da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a fim de articular um acordo com a Receita.
O Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a calcular um impacto fiscal de aproximadamente R$ 300 milhões com o ato de Bolsonaro. Diante dos protestos de igrejas, a medida foi suspensa em janeiro deste ano e o governo agora estuda uma solução “meio-termo” para contornar a crise com religiosos.
Além disso, Messias — que é evangélico da Igreja Batista– tem apresentado a lideranças religiosas ações do governo que as igrejas poderiam abraçar.
Entre elas estão iniciativas contra a violência às mulheres, já que as evangélicas estão entre as religiosas que mais denunciam homens violentos, segundo dados aos quais o governo teve acesso.
Essa questão poderia ser trabalhada em parceria entre as instituições religiosas e o Ministério das Mulheres.
A segurança nas escolas também é considerada um tema pertinente às ações dos devotos. O “sonho de consumo” de integrantes do governo é costurar uma série de ações para lançar em um grande pacote de políticas públicas com o apoio de religiosos, especialmente dos evangélicos.