Política
As acusações que pesam contra general Braga Netto, preso em operação da PF
A Polícia Federal prendeu neste sábado (14/12) o general da reserva Walter Braga Netto, que foi candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro (PL) em 2022
A Polícia Federal prendeu neste sábado (14/12) o general da reserva Walter Braga Netto, que foi candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro (PL) em 2022 e ministro da Casa Civil e da Defesa do ex-presidente.
Braga Netto foi indiciado, no final de novembro, no inquérito que apura uma tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A prisão foi confirmada à BBC News Brasil pela Polícia Federal. Ele foi detido em sua casa em Copacabana, na Zona Sul do Rio. Em seguida, será encaminhado ao Comando Militar do Leste, onde ficará sob custódia do Exército.
Ao pedir a prisão preventiva de Braga Netto neste sábado, a PF argumentou que Braga Netto teria tentado interferir nas investigações, ao tentar obter dados sigilosos do acordo de colaboração de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, com a Polícia.
O pedido foi acatado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que determinou a prisão do general. Além de cumprir o mandado de prisão, a PF fez buscas na casa dele, no Rio de Janeiro.
Além disso, Moraes também autorizou busca na casa do coronel Flávio Botelho Peregrino, em Brasília. O militar da reserva é ex-assessor de Walter Braga Netto.
Braga Netto nega as acusações de que é alvo no inquérito. A BBC Brasil tentou contato com a defesa do general após as notícias de sua prisão neste sábado, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Após o indiciamento, seu advogado Luís Henrique César Prata, disse em nota que seu cliente "repudia veementemente, e desde logo, a indevida difusão de informações relativas a inquéritos, concedidas 'em primeira mão' a determinados veículos de imprensa em detrimento do devido acesso às partes diretamente envolvidas e interessadas".
Além de Braga Netto, outras 36 pessoas foram indiciadas no fim de novembro, entre elas o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Augusto Heleno, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo de Bolsonaro.
Mais três investigados foram indiciados nesta quarta-feira (11/12). Com isso, o inquérito que investiga a tentativa de golpe passou a contar com 40 indiciados ao todo.
O grupo foi indiciado por três crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. As penas variam de três a 12 anos de prisão.
Também faria parte do plano de golpe o monitoramento, a prisão ilegal e até uma possível execução de Alexandre de Moraes, ministro do STF e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); Lula, à época presidente eleito; e Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente eleito.
Qual o papel de Braga Netto no golpe?
Em suas investigações, a PF indicou "participação concreta" de Braga Netto na tentativa de golpe.
O general da reserva é um dos personagens mais mencionados no relatório de 884 páginas da Operação Contragolpe. O militar foi citado 98 vezes.
O ex-ministro da Defesa teria chefiado com Augusto Heleno um suposto gabinete de crise que seria instaurado após a execução do plano a fim de realizar novas eleições. Ele também teria participado da elaboração dos planos golpistas e, inclusive, realizado uma reunião sobre o tema em sua residência em Brasília.
Conforme o relatório, Braga Netto teria aprovado o planejamento operacional do golpe em uma reunião realizada em sua casa em 12 de novembro de 2022.
O encontro contou com a presença de militares como o tenente-coronel do Exército e então ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid.
Braga Netto e o general Augusto Heleno chefiariam um gabinete ligado à Presidência da República para apoiar Bolsonaro na implementação de um decreto golpista após a consumação do golpe.
A função do gabinete seria articular redes de inteligência e estratégias de comunicação para conquistar apoio nacional e internacional.
O documento afirma também que, em dezembro de 2022, Braga Netto teria participado de uma ofensiva para pressionar os comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano. Entre as estratégias de "milícia digital", ele teria incentivado ataques públicos e pessoais contra generais que se recusaram a aderir ao plano e seus familiares.
Ataques contra militares e coordenação
Em relatório divulgado sobre como teria sido orquestrado o golpe de Estado, a Polícia Federal atribui as ações a uma organização criminosa com tarefas bem definidas e estruturada em pelo menos seis núcleos.
O retrato da organização é baseado na Operação Tempus Veriatis, de fevereiro deste ano.
Segundo o documento, Braga Netto faria parte de dois desses núcleos de operação: o de Incitação Militar e o de Oficiais de Alta Patente e Apoio.
O primeiro núcleo tinha a função de eleger alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam aos supostos planos golpistas.
Esses ataques, segundo a PF, eram realizados a partir da difusão de conteúdo que pusesse pressão sobre militares que hesitavam ou se mostravam contrários ao suposto plano golpista.
Um exemplo elencado pelas investigações da Polícia Federal aconteceu após as eleições de 2022 quando o jornalista Paulo Figueiredo teria recebido informações de outros integrantes do núcleo com os nomes de oficiais que estariam resistindo a aderir ao suposto golpe.
Após receber essas informações, Figueiredo teria divulgado, em um programa de rádio, os nomes destes militares.
Além de Braga Netto, fariam parte desse núcleo o tenente-coronel do Exército e então ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, o jornalista Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Ailton Gonçalves Moraes Barros e Bernardo Romão Correa Neto.
Ainda segundo a PF, um dos alvos da campanha de ataques foi o general Marco Antonio Freire Gomes, comandante do Exército. As investigações apontam que o militar tinha uma postura "legalista" e mostrou "resistência" a qualquer empreitada de desrespeitar o resultado das eleições de 2022.
Em um trecho de uma conversa por WhastApp divulgada pela Polícia, Braga Netto expressa sua frustração com Freire Gomes ao militar da reserva Ailton Barros, também indiciado.
Na troca de mensagens, Braga Netto descreve o comandante do Exército como um "cagão" e fala em "oferecer a cabeça dele".
Em outra conversa, o ex-ministro orienta Ailton Barros a atacar o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, líder da Aeronáutica.
Segundo a PF, Braga Netto também teria determinado que os ataques fossem direcionados também à família de Almeida Baptista Junior. "Santa o pau no Batista Junior (...) traidor da pátria. Dai para frente. Inferniza a vida dele e da família", teria escrito em uma das mensagens obtidas.
Já o chamado Núcleo de Oficiais de Alta Patente e Apoio (nomeado em um primeiro momento como Núcleo para Cumprimento de Medidas Coercitivas pela PF) tinha como objetivo influenciar e incitar apoio aos demais núcleos por meio do endosso às ações que estavam sendo tomadas para consumar o suposto golpe de Estado.
Era formado por militares de alta patente, entre eles o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o general da reserva Mário Fernandes, o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, Laércio Vergílio e o ex-ministro da Defesa e general da reserva Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Ainda de acordo com as investigações, caberia a este núcleo dar suporte e executar ações como o sequestro do ministro Alexandre de Moraes. A tarefa seria responsabilidade de militares Forças Especiais do Exército, os chamados "kids pretos", que à época ficavam subordinadas ao general Theophilo.
'Clara intenção golpista'
O relatório da Polícia Federal também contém documentos feitos a caneta de como funcionaria a operação. Os policiais disseram ter encontrado na sede do Partido Liberal (o partido de Bolsonaro) um esboço de um plano intitulado Operação 142.
Esse documento foi achado na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, que era assessor do general Braga Netto.
O documento conclui que o "estado final desejado político" é: "Lula não sobe a rampa". Entre os passos descritos pela operação do golpe, estão:
- Anulação das eleições de 2022
- Prorrogação dos mandatos dos políticos
- Substituição de todo Tribunal Superior Eleitoral
- Preparação de novas eleições
- Discurso em cadeia nacional de TV e rádio
- Preparação das tropas para as ações diretas
- Anulação de atos arbitrários do STF
O documento foi encontrado dentro de uma pasta com o título "memórias importantes".
A Polícia Federal acredita que o esboço tenha sido elaborado entre novembro e dezembro de 2022.
"O documento demonstra que Braga Netto e seu entorno (...) tinha clara intenção golpista, com o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito, utilizando uma intepretação anômala do art. 142 da CF, de forma a tentar legitimar o golpe de Estado", diz o relatório.
Quem é Braga Netto?
Walter de Souza Braga Netto é natural de Belo Horizonte (MG) e tem 67 anos.
Ele entrou para o Exército em 1975 e atuou no Rio durante grande parte da sua carreira. Foi promovido a general em 2009 e nomeado chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Oeste no mesmo ano.
Quando ainda era coronel, Braga Netto ocupou o cargo de adido militar do Brasil na Polônia, entre os anos de 2005 e 2006. Depois, foi promovido a general de divisão ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro de 2009.
Em 2012, passou a ocupar a aditância militar nos Estados Unidos e Canadá — enquanto exercia o cargo em Washington, foi promovido a general de Exército. Pouco depois da promoção, em 2013, foi exonerado para, em maio, assumir a função de diretor de Educação Superior Militar, no Rio de Janeiro.
No mesmo ano, por decreto assinado pela então presidente Dilma Rousseff, o general recebeu o grau de Grande-Oficial da Ordem do Mérito Militar. Ainda no Rio, Braga Netto foi o responsável pela segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, antes de ser nomeado para assumir o Comando Militar do Leste.
Em 2018, Braga Netto comandou a intervenção federal do governo Michel Temer na segurança pública do Rio de Janeiro e passou a controlar a Polícia Civil, a Polícia Militar, os bombeiros e administração penitenciária do Estado.
Nos pouco mais de dez meses em que o general comandou a segurança pública fluminense, o Estado registrou queda de roubos e aumento das mortes provocadas pela polícia. A intervenção acabou em 31 de dezembro de 2018.
"Fizemos uma choque de gestão muito baseado na meritrocracia. Eu praticamente não aceitei pedidos políticos. Se a pessoa tinha mérito, eu colocava no cargo. Se não tinha mérito, eu não colocava no cargo", disse o general em janeiro de 2019, em entrevista à TV Aparecida, sobre seu período no comando da intervenção.
Braga Netto entrou para o governo em fevereiro de 2020, quando foi anunciado por Jair Bolsonaro como novo ministro chefe da Casa Civil, no lugar de Onyx Lorenzoni. A troca deu mais poder à ala militar do governo, grupo que havia perdido espaço para a ala mais ideológica ao longo de 2019.
À frente da Casa Civil, Braga Netto se tornou um dos ministros mais próximos de Bolsonaro. Ele deixou a pasta para assumir a Defesa após a demissão do ocupante do cargo até então, o general Fernando Azevedo e Silva, em março de 2021 - que foi seguida pela saída dos três comandantes das Forças Armadas em protesto.
Logo depois, ele assinou uma "ordem alusiva ao 31 de março de 1964" em que diz que acontecimentos como o golpe militar ocorrido há 57 anos, o qual chamou de "movimento", devem ser "compreendidos e celebrados".
Um ano depois, ele deixou o ministério para concorrer às eleições de 2022 como vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro.