Política
'Tarifa de Trump não afeta em nada apoio de Jair Bolsonaro entre eleitores fiéis', diz pesquisadora
Em uma cerimônia oficial do governo em Salvador, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o grupo político ligado a Bolsonaro é "traidor da pátria"

Após o anúncio de Donald Trump sobre a aplicação de tarifa de 50% sobre qualquer produto brasileiro exportado aos Estados Unidos, membros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores (PT) tem explorado o patriotismo e a defesa da soberania nacional para criticar a atuação de Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
"Bolsonaristas se dizem patriotas, mas militam contra os interesses do próprio país", diz uma campanha lançada pelo PT nas redes sociais.
Em uma cerimônia oficial do governo em Salvador, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o grupo político ligado a Bolsonaro é "traidor da pátria". A gestão Lula também tem divulgado peças publicitárias com ênfase no tema da soberania.
Mas para Rosana Pinheiro-Machado, diretora do Laboratório de Economia Digital e Política Extrema (DeepLab), da University College Dublin, na Irlanda, a aplicação da tarifa e o discurso crítico em relação à atuação das lideranças bolsonaristas na questão não têm impacto significativo na base mais fiel de apoiadores do ex-presidente.
"Não existe mudança na base bolsonarista", diz a antropóloga, que pesquisa temas como a radicalização política no Brasil e as redes sociais.
"Pelo contrário, a grande narrativa [que circula entre os bolsonaristas] é a de que o governo está causando estragos e prejudicando laços econômicos com os Estados Unidos."
Segundo Pinheiro-Machado, os apoiadores mais fiéis do ex-presidente e seus aliados leem os acontecimentos "com as suas próprias lentes", de forma que o discurso sobre a existência de uma contradição entre o apoio às medidas de Trump e o patriotismo bolsonarista não convence.
As ideias que mais ressoam com a base de eleitores de Jair Bolsonaro são as expostas pelo próprio ex-presidente, diz a pesquisadora.
Em sua conta no X, Bolsonaro afirmou que a anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 é o caminho para barrar o aumento das tarifas impostas pelos EUA.
"A medida [de Trump] é resultado direto do afastamento do Brasil dos seus compromissos históricos com a liberdade, o Estado de Direito e os valores que sempre sustentaram nossa relação com o mundo livre. Isso jamais teria acontecido sob o meu governo", escreveu o ex-mandatário.
Em uma carta enviada a Lula, Donald Trump afirmou que a decisão sobre a taxação adicional às exportações brasileiras é uma resposta à "perseguição" que Jair Bolsonaro estaria sofrendo no Brasil, devido ao processo criminal que enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF), sob acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado.
Além disso, Trump também justifica o aumento de tarifa argumentando que o Brasil adota barreiras comerciais (tarifárias e não tarifárias) elevadas contra os EUA, o que estaria desequilibrando o comércio entre os dois países.
O governo brasileiro refuta essa argumentação, já que a balança comercial tem sido favorável aos Estados Unidos. O lado americano acumulou saldo positivo de US$ 43 bilhões nos últimos dez anos, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Sem 'ganhos eleitorais significativos'
Especialistas em política internacional e brasileira afirmaram à BBC Brasil que a decisão de Trump poderia favorecer o governo Lula ao fortalecer os sentimentos nacionalistas.
Alguns analistas também acreditam que o cenário político brasileiro poderia repetir o de outros países que sofreram ameaças tarifárias do governo Trump nos últimos meses e viram os partidos conservadores aliados dos Estados Unidos perder força – algo que já está sendo chamado de "efeito Trump".

Crédito,Getty Images
Em um relatório distribuído a clientes no início de julho, o banco BTG Pactual destacou que a disputa tarifária pode fortalecer Lula nas eleições de 2026.
"A base de apoio do governo no Congresso sugere que a medida pode fortalecer politicamente o presidente Lula, intensificando o confronto com seu principal adversário, especialmente após referências diretas do presidente Trump ao ex-presidente Jair Bolsonaro", afirmou a equipe do BTG, liderada pelo economista Carlos Sequeira.
"O PT recebeu a notícia com entusiasmo, classificando a ação de Trump como uma violação da soberania brasileira e posicionando Lula como o líder apto a defender o país diante do que considera uma decisão arbitrária", observaram os analistas no relatório.
A equipe do BTG destacou ainda que analistas políticos acreditam que essa nova narrativa pode impulsionar a popularidade de Lula e reposicionar seu discurso com vistas às eleições de 2026.
Em entrevista ao Jornal da Record nesta quinta-feira, Lula não descartou a possibilidade de tentar a reeleição. "Vai depender no momento certo de discutir. Tem muitos partidos políticos para a gente conversar."
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Final de X post, 2
Mas para Rosana Pinheiro-Machado, o tema não tem força suficiente para trazer ganhos eleitorais significativos para o governo Lula, que viu sua popularidade ser impactada por outras questões econômicas, como a proposta de aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a revogação da nova regra da Receita Federal sobre monitoramento das transações na modalidade Pix.
"Há uma parte da população que vê o governo Lula como um governo taxador, que quer tarifar especialmente os pequenos empreendedores", diz a pesquisadora. "E o governo está tendo dificuldade de penetrar a sua narrativa sobre a taxação aos mais ricos entre as classes C e D."
Segundo a professora da University College Dublin, a discussão sobre taxação de exportações não afeta tanto o cotidiano dos brasileiros quanto mudanças no Pix ou no IOF.
"Pode até haver uma disputa nas redes entre as campanhas, mas não vejo o tema saindo dali e penetrando na vida das pessoas de fato."
Pinheiro-Machado afirma ainda que a associação entre o bolsonarismo e os ataques à soberania nacional, feita pelo governo e pelo próprio PT, tem efeito positivo entre os eleitores mais à esquerda."Mas a pauta nacionalismo é ainda hoje uma pauta bolsonarista. Reconectar o campo progressiva com as discussões sobre soberania nacional será um trabalho longo [para o governo]."