Política
STF rejeita recurso de Bolsonaro e mantém condenação a 27 anos de prisão: o que acontece agora?
O julgamento ocorreu no plenário virtual, em que os ministros apenas votam por escrito
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, por unanimidade, o recurso apresentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro contra sua condenação por tentativa de golpe de Estado, a 27 anos e três meses de prisão em regime fechado.
O julgamento ocorreu no plenário virtual, em que os ministros apenas votam por escrito. A rejeição do recurso torna mais próximo o início do cumprimento da pena, mas ainda não há data para que isso ocorra, pois a defesa ainda pode tentar recorrer novamente.
Relator do processo, Alexandre de Moares foi o primeiro a votar e foi acompanhado integralmente por Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia.
Único a votar pela absolvição de Bolsonaro em setembro, o ministro Luiz Fux solicitou sua transferência para a Segunda Turma e, por isso, não participou desse julgamento.
Esse primeiro recurso apresentado é chamado de embargos de declaração, que serve para esclarecer possíveis erros, omissões e contradições do julgamento.
Moraes, porém, considerou que o recurso não buscou sanar esses problemas, mas contestar o mérito da condenação.
"Não merecem guarida os aclaratórios que, a pretexto de sanar omissões da decisão embargada, reproduzem mero inconformismo com o desfecho do julgamento", diz o voto.
"O acórdão condenatório demonstrou que Jair Messias Bolsonaro atuou, dolosamente, para estruturar um projeto golpista e de ruptura das instituições democráticas", diz ainda Moraes.
Moares, Dino, Zanin e Carmén Lúcia também votaram contra os recursos de outros seis condenados no processo: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Apesar de todos os ministros já terem votado, o julgamento virtual acaba em 14 de novembro. Depois disso, será publicado um acórdão com a decisão desse julgamento. Então, a defesa terá cinco dias para apresentar novos embargos de declaração, os chamados embargos dos embargos.
A Corte, porém, pode avaliar que esses novos recursos têm caráter apenas protelatório, ou seja, de tentar adiar o início do cumprimento da pena. Nesse cenário, a Turma pode rejeitar novos recursos e determinar o trânsito em julgado (esgotamento dos recursos) do caso, o que daria início à execução da pena do ex-presidente.
"Quando é cabível embargos de declaração de embargos de declaração? Só se a omissão, contradição ou obscuridade tenha surgido agora [no julgamento que rejeitou o recurso]", explicou o criminalista Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da USP.
"Se este [novo] acórdão tiver, ele próprio, omissão, contradição ou obscuridade, aí seria cabível embargos de declaração nos embargos de declaração no prazo de cinco dias", disse ainda.
A defesa ainda deve tentar apresentar outro tipo de recurso, os embargos infringentes, que servem para questionar decisões tomadas sem unanimidade.
No entanto, é provável que o Supremo rejeite esse recurso sem nem analisar seu conteúdo. A jurisprudência atual da Corte estabelece que apenas decisões das Turmas que tenham ao menos dois votos divergentes podem ser contestadas por embargos infringentes. E, no caso de Bolsonaro, o placar ficou em 4 votos a 1 por sua condenação.
Atualmente, o ex-presidente está preso preventivamente em sua casa em Brasília.
Quando houver o trânsito em julgado (esgotamento dos recursos), o ministro Alexandre de Moraes vai decidir se mantém a prisão domiciliar, devido aos problemas de saúde do condenado, ou se determina que Bolsonaro cumpra a pena em um presídio, numa cela especial, deferência reservada a ex-presidentes.
Outra possibilidade é que ele fique preso em uma sala da Superintendência da PF no Distrito Federal, como ocorreu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ficou 580 dias detido na Superintendência da PF em Curitiba, quando foi condenado na Operação Lava Jato. O petista foi solto em 2019, quando o STF mudou o entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância. Depois, seu processo foi anulado pela Corte.
Na quinta-feira, Moraes decidiu não atender ao pedido do governo do Distrito Federal (GDF) para que fosse feita uma avaliação médica de Bolsonaro para determinar se ele teria condições de cumprir pena no sistema prisional do DF.
A principal prisão distrital é o Complexo Penitenciário da Papuda, onde outros políticos famosos já estiveram presos no passado, como o ex-ministro petista José Dirceu e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL.
O GDF é governado por Ibanês Rocha (MDB), aliado de Bolsonaro. Ao rejeitar a solicitação, Moraes disse que ela não era pertinente ao processo. A expectativa é que o pedido de avaliação médica seja analisado pelo STF apenas após o esgotamento dos recursos, quando for decretado o cumprimento da pena.
"Considerando a ausência de pertinência, desentranhe-se a petição STF nº 158.408/2025 dos autos", diz a breve decisão do ministro.
O que diz o recurso apresentado por Bolsonaro?

Crédito,Reuters
No recurso rejeitado nesta sexta, a defesa repete argumentos já apresentados ao longo do processo e questiona pontos da decisão que o condenou.
Os advogados argumentavam, por exemplo, que o ex-presidente não poderia ser considerado responsável pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 porque centenas de pessoas que estavam no local no momento da invasão das sedes dos Três Poderes já foram condenadas por "dolo direto".
Dessa forma, sustentava a defesa, como a Corte entendeu que essas pessoas agiram com clara vontade de cometer crimes, Bolsonaro não poderia ser considerado culpado de suas ações.
Além disso, os advogados diziam que o ex-presidente estava fora do Brasil naquele dia e não deu qualquer ordem para a invasão.
"O acórdão [documento com a decisão da Corte pela condenação], dada a máxima vênia, esforça-se para colocar o Embargante como uma figura onipresente nos fatos narrados sem, contudo, demonstrar ações concretas e as provas correspondentes", afirmaram os advogados nos embargos de declaração.
Moraes, no entanto, considerou não restar dúvidas da liderança do ex-presidente na tentativa de golpe. Ele destacou em seu voto a atuação dos condenados para dar respaldo e orientação aos acampamentos em frente a instalações militares, como o que ficou por semanas em frente ao QG do Exército após a eleição de 2022, de onde partiram os manifestantes no 8 de janeiro.
"Ressalta-se, portanto, que a autoria delitiva de Jair Messias Bolsonaro ficou amplamente demonstrada com relação aos atos antidemocráticos praticados em 8/1/2023, tendo sido exaustivamente fundamentada por esta Suprema Corte, não havendo qualquer omissão e contradição no acórdão condenatório proferido por esta Suprema Corte", escreveu o ministro.
Em outro trecho, Moraes aponta a atuação de Bolsonaro ao contestar o resultado da eleição e buscar alternativas autoritárias a sua derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Destaca-se, por exemplo, que mesmo após o recorrente ter recebido um aconselhamento jurídico do então Advogado-Geral da União confirmando a inexistência de qualquer fraude eleitoral, o embargante permaneceu atuando na consecução do objetivo golpista e prosseguiu na elaboração da minuta de decreto golpista e na tentativa de cooptação dos Comandantes das Forças Armadas", diz, em outro trecho.
No recurso rejeitado pela Primeira Turma, a defesa também voltou a argumentar que não há provas de participação do ex-presidente em supostas ações executórias para o golpe de Estado, como o plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e de Alexandre de Moraes, no final de 2022.
Segundo a acusação, esse plano foi impresso no Palácio do Planalto por Mario Fernandes, então secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, e depois levado por ele ao Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro estava.
Os advogados, por sua vez, dizem que não há prova de que os dois se reuniram no Alvorada e o então presidente recebeu e validou o plano.
"O registro de entrada no Palácio do Alvorada demonstra apenas e tão somente isso: a ida deste funcionário do governo, dentre tantos, ao Alvorada. O que, contudo, não se confunde e não é prova nem de que o ex-Presidente de fato tenha recebido o codenunciado e, muito menos, do teor de eventual conversa ou reunião", diz o recurso.
A defesa também voltou a dizer, também, que a condenação deve ser anulada por ter se baseado na colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Para os advogados, a delação foi feita sob pressão e, por isso, é ilegal.
Outro argumento repetido pelos advogados no recurso é que a defesa de Bolsonaro foi cerceada devido à falta de prazo suficiente para analisar o grande volume de material produzido pela acusação.
Além da anulação da condenação, a defesa também pedia que, caso não conseguissem esse resultado, que a Corte reduzisse a pena estabelecida para Bolsonaro, argumentando que a Corte não fundamentou adequadamente o tamanho da punição fixada. Esse pedido também não foi aceito.
O ex-defensor federal Caio Paiva chama atenção para o tamanho do recurso, com 85 páginas.
"Os embargos de declaração buscam apenas sanar obscuridade, dúvida, contradição ou omissão na decisão. A petição da defesa do ex-presidente Bolsonaro é bem fundamentada, mas o seu tamanho revela a fuga da essência dos embargos. Muito incomum uma petição de embargos declaratórios com essa extensão".
Na sua leitura, questões levantadas como cerceamento de defesa e contradições na delação de Mauro Cid "já foram debatidas à exaustão" no processo.
"Foram, sim, debatidas, embora não conforme a defesa gostaria", reforçou.
Coordenador do CEI, uma plataforma de cursos jurídicos, ele faz um acompanhamento sistemático de decisões dos ministros do STF e afirma que a Corte tem sido pouco paciente com recursos considerados "protelatórios".

Crédito,Reuters
A condenação de Bolsonaro
Bolsonaro foi considerado pelo STF como líder de uma organização criminosa, com militares, policiais e aliados, que atuou para impedir a transição de poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ex-presidente foi declarado culpado de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Além de Bolsonaro, os outros sete réus na ação penal também foram condenados: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
O único que não recorreu da condenação foi o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que, por ter feito uma delação premiada no processo, foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto. Sua defesa pediu que sua pena seja considerada extinta, por ele já ter cumprido dois anos e cinco meses em medidas restritivas de liberdade.
Para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a organização criminosa agiu em várias frentes desde 2021 para tentar executar o plano de ruptura, desde discursos públicos para descreditar o sistema eleitoral até supostas pressões sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista — a chamada "minuta do golpe".
Gonet citou ainda na denúncia movimentos para tentar atrapalhar o andamento da eleição, citando os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição em 2022, em especial em regiões com eleitores favoráveis ao adversário Lula.
A PGR destacou ainda os ataques de 8 de janeiro de 2023 como o ato final da tentativa golpista.
Ao fim do julgamento, o STF considerou haver provas suficientes das acusações da PGR e condenou os réus.