Brasil
Inquérito das Fake News: STF decide continuar investigação que atinge aliados de Bolsonaro
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, nesta quinta-feira (18/6), que o chamado inquérito das Fake News está de acordo com a Constituição e deve prosseguir
18/06/2020
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, nesta quinta-feira (18/6), que o chamado "inquérito das Fake News" está de acordo com a Constituição e deve prosseguir. O julgamento foi retomado nesta quinta com o voto do ministro Marco Aurélio Mello.
Apenas o ministro Marco Aurélio votou contra a continuidade da apuração. Para ele, o órgão da Justiça que julga os réus não pode ser o mesmo que acusa. "Se o órgão que acusa é o mesmo que julga, não há garantia de imparcialidade e haverá a tendência em condenar o acusado", disse, nesta quinta-feira. Já Celso de Mello, decano da Corte, também votou a favor do prosseguimento do inquérito. Segundo ele, manifestações escondidas pelo anonimato, a divulgação de fake news, e a "incitação ao ódio e à intolerância, ao regime político e às instituições democráticas, como o STF e o Congresso Nacional, não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura liberdade de expressão do pensamento." O presidente do STF, Dias Toffoli, também votou a favor da continuidade das investigações. "A instauração deste inquérito se impôs e se impõe não porque queremos, mas porque não podemos banalizar ataques e ameaças ao STF, guardião da Constituição. Trata-se de reação institucional a ameaças a membros do tribunal e da família de ministros", afirmouToffoli. O inquérito foi iniciado por decisão de Toffoli, em março de 2019. Visa apurar ataques ao STF e seus ministros por meio de notícias falsas, calúnias e ameaças. Nos últimos meses, apoiadores e aliados do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) foram alvo de buscas no âmbito desta investigação. Tirando Mello, todos os ministros apoiaram a posição defendida pelo ministro Luiz Edson Fachin: a de que o inquérito deve continuar, mas com algumas balizas, como o acompanhamento das investigações pelo Ministério Público e o acesso dos advogados dos investigados a partes do processo, que é sigiloso. O objeto do julgamento do STF é uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), apresentada pela Rede Sustentabilidade no começo de 2019, pedindo a interrupção do inquérito das Fake News. Mais recentemente, os advogados da Rede se manifestaram pela continuidade do inquérito -- contra o pedido inicial -- mas o STF entendeu que não é possível "recuar" de uma ação judicial deste tipo. Na quarta-feira (17/6), os ministros do STF já haviam formado maioria para manter o agora ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, como um dos investigados do inquérito. Em uma reunião ministerial no dia 22 de abril, Weintraub chamou os ministros do Supremo de "vagabundos" e disse desejar que eles fossem presos. Ele repetiu o qualificativo no último domingo (14). Na manhã de quarta, Bolsonaro reclamou das investigações em curso no STF -- além do inquérito das Fake News, também tramita na corte uma outra investigação, que apura o financiamento e a organização de protestos antidemocráticos. O presidente da República disse que está "fazendo o que deve ser feito", e que não será ele o primeiro a "chutar o pau da barraca". "Tem gente que nasceu 40 anos depois do que eu e quer dizer como eu devo governar o Brasil. Estou fazendo exatamente o que tem que ser feito. Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. Eles estão abusando, isso está a olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem, quebrar sigilo de parlamentar, não tem história vista numa democracia por mais frágil que seja. Está chegando a hora de colocar tudo em seu devido lugar", disse. O presidente referia-se a decisão de Alexandre de Moraes no inquérito das manifestações antidemocráticas nesta terça-feira (16), quando foram quebrados os sigilos bancários de 11 parlamentares bolsonaristas.Histórico de polêmicas
O inquérito 4.781 foi iniciado para apurar ataques ao STF e seus ministros por meio de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas e ameaças. A investigação já permitiu a Alexandre de Moraes tomar as mais diversas decisões, inclusive a retirada temporária do ar de uma reportagem com conteúdo negativo sobre Toffoli do site da revista Crusoé no ano passado, o que foi considerado censura até por outros integrantes do STF. Já em maio deste ano, Moraes deflagrou uma operação contra parlamentares, empresários e ativistas aliados do presidente Jair Bolsonaro, suspeitos de integrar uma sociedade criminosa que opera uma rede de disseminação de notícias falsas e ameaças ao STF, inclusive com a defesa do fechamento da Corte pelas Forças Armadas. Os investigados, por sua vez, negam que tenham cometido crimes e dizem que suas falas críticas ao Supremo seriam manifestação de sua liberdade de expressão. Os advogados dos investigados também costumam reclamar da falta de acesso às apurações, que são sigilosas - o que dificulta o exercício do direito à defesa. Na sessão desta quarta-feira, Moraes respondeu a estas críticas dizendo que franqueou o acesso dos advogados às partes do inquérito que dizem respeito aos seus clientes.Moraes: regimento do STF permite que Corte abra investigação
Em seu voto, Alexandre de Moraes -- que é o relator do inquérito das Fake News -- argumentou que o Regimento Interno do STF permite a abertura de investigações que tenham por objeto agressões contra a Corte e os seus integrantes, independente do local físico onde aconteçam. Já os críticos do inquérito argumentam que a regra só permite investigações de fatos ocorridos dentro da sede física do Supremo, em Brasília. Ao votar, Luís Roberto Barroso concordou com este ponto da argumentação de Moraes. Durante seu voto, Moraes também rebateu outra acusação feita pelos críticos: a de que a investigação não seria válida pelo fato de ter sido aberta a pedido do próprio presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e não do Ministério Público Federal (MPF). No sistema jurídico brasileiro, a iniciativa das investigações cabe ao MP. "A argumentação da titularidade da ação penal pública (não significa) o impedimento genérico para qualquer investigação a ser realizada, sem ser requisitada pelo Ministério Público. (...) Não se confunde a titularidade da ação penal pública com a possibilidade de investigação", diz Moraes -- em seguida, ele cita outros momentos em que o próprio STF determinou a realização de investigações. "Ao presidente do Supremo Tribunal Federal, como chefe do Poder Judiciário, compete -- é muito mais que um direito, é um dever -- compete a defesa institucional da corte, e da independência dos seus magistrados. Independência que somente será plenamente assegurada quando garantidas a integridade física, psíquica e a própria vida de seus membros, contra graves ameaças, ofensas e atentados", disse Moraes. Ao fim do voto, Moraes defendeu a continuidade do inquérito.Fachin: inquérito pode prosseguir, mas com balizas
O julgamento foi iniciado pelos ministros do STF na quarta-feira passada (10). Na ocasião, só o ministro Edson Fachin votou. Ele é o relator da ação apresentada pela Rede Sustentabilidade. Fachin considerou que o inquérito é constitucional, desde que a investigação respeite algumas regras, restringindo, assim, o alcance da apuração conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes desde março de 2019. Em meio às críticas de que o inquérito seria autoritário e inconstitucional, Fachin considerou que a investigação é legal porque, para o ministro, houve omissão de órgãos de controle (como Ministério Público e Polícia Federal) na apuração de ameaças à Corte. Ele, no entanto, estabeleceu quatro restrições ao funcionamento do inquérito para que seja considerado legal. Segundo o ministro, é obrigatório que a investigação seja acompanhada pelo Ministério Público. Além disso, as defesas dos investigados devem ter amplo acesso às provas produzidas na investigação, conforme prevê a Súmula Vinculante 14 do STF. A terceira restrição determinada por Fachin é que o inquérito só pode investigar manifestações que, "denotando risco efetivo à independência do Poder Judiciário, pela via da ameaça aos membros do Supremo Tribunal Federal e a seus familiares, atentem, assim, contra os Poderes instituídos, contra o Estado de Direito e contra a democracia". A quarta restrição estabelecida pelo ministro é que o inquérito "observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa, nos termos da Constituição". Segundo ele, para que isso ocorra, devem ser excluídas do escopo do inquérito "matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações, inclusive pessoais, da internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integre esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais". Em seu voto, Fachin destacou a importância da liberdade de expressão, mas disse que ela não abarca ameaças ao Poder Judiciário, ao Congresso e pedidos por ditadura — três agendas autoritárias que têm circulado em manifestações nas redes sociais e estão também constantemente presentes em atos de apoio ao governo Bolsonaro realizados em diferentes partes do país, inclusive em Brasília, onde o presidente com frequência participa dos atos. "São inadmissíveis no Estado de Direito democrático a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem quer que os pratique precisa saber que o Supremo Tribunal Federal não os tolerará", disse Fachin, de forma enfática, ao ler seu voto.PGR e AGU também se manifestaram pela continuidade do inquérito
Antes de Fachin, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o advogado-geral da União, José Levi, também defenderam a continuidade do inquérito, desde que o STF definisse algumas regras para seu funcionamento. O PGR argumentou que o Ministério Público precisa participar do inquérito, inclusive para supervisionar a legalidade da investigação. No final de maio, Aras chegou a criticar a operação deflagrada por Moraes contra aliados de Bolsonaro, por entender que suas falas estavam dentro do seu direito de liberdade de expressão. "Nós concordamos com o inquérito porque nós queremos ter o direito de participar sobre atos e diligências previamente. Mormente aqueles que dizem respeito a atos e diligências invasivos, porque compete também velar pela defesa dos jurisdicionados", afirmou Aras na última quarta-feira (10), no começo do julgamento. No ano passado, sua antecessora no comando da PGR, Raquel Dodge, tentou impedir a continuidade da investigação. Ela encaminhou ao STF um documento informando que havia arquivado o inquérito porque só o Ministério Público poderia abrir e conduzir uma investigação criminal.Mais lidas
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