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Quais são os antídotos para intoxicação por metanol — e como custo interfere nisso

Nos últimos dias, foram registrados em São Paulo e em Pernambuco mais de 40 casos possivelmente relacionados ao problema

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 02/10/2025
Quais são os antídotos para intoxicação por metanol — e como custo interfere nisso
Autoridades investigam se origem das intoxicações pode ser bebidas adulteradas | Getty Imagens

As autoridades brasileiras temem que possa haver um aumento no número de casos de pessoas intoxicadas por metanol devido ao consumo de bebidas alcoólicas contaminadas com a substância — que pode provocar mortes e danos irreversíveis, como cegueira.

Nos últimos dias, foram registrados em São Paulo e em Pernambuco mais de 40 casos possivelmente relacionados ao problema. Uma morte em São Paulo foi confirmada como relacionada à intoxicação. Outras sete mortes — cinco em São Paulo e outras duas em Pernambuco — ainda estão sendo investigadas.

As autoridades temem que esses números podem aumentar, já que ainda não está clara a origem do problema e a quantidade de pessoas que possivelmente também ingeriram metanol. Existe a suspeita de que bebidas alcoólicas foram adulteradas com metanol, já que muitos dos casos relatados são de pessoas que beberam em bares. As autoridades também trabalham com a hipótese de algum problema de contaminação no envase de garrafas.

O ministério da Saúde alerta que as pessoas devem procurar um centro de saúde imediatamente se, de 12 horas a 24 horas após o consumo de bebida alcoólica, apresentarem sintomas como embriaguez persistente, desconforto gástrico e alteração visual.

Especialistas alertam que as chances de cura para intoxicação por metanol são altas — mas somente se o tratamento for iniciado rapidamente, idealmente em questão de horas após o surgimento dos sintomas.

Como é curada a intoxicação por metanol?

O ministério da Saúde publicou na quarta-feira uma nova nota técnica falando específicamente sobre como o sistema de saúde deve lidar com casos assim.

Existem dois antídotos usados para a cura: etanol farmacêutico e fomepizol.

No Brasil, apenas o etano farmacêutico — em grau de pureza adequado para uso médico — está disponível.

O antídoto é administrado no paciente de forma intravenosa ou oral, e sempre controlada por profissionais. Os centros de saúde e hospitais trabalham com os Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox), que são especializados para lidar com esse tipo de caso.

O Brasil conta com 32 CIATox, centros de referência especializada em toxicologia para orientação, diagnóstico e manejo de intoxicações. Em São Paulo, o Estado onde surgiram a maioria dos casos de intoxicação por metanol, há 9 centros.

O tratamento consiste em dar doses controladas de etanol aos pacientes por um período de tempo.

O grande problema da intoxicação por metanol acontece quando essa substância é metabolizada no fígado e vira ácido fórmico, que é o composto verdadeiramente nocivo ao corpo.

O objetivo do tratamento é impedir essa metabolização, diluindo a concentração de metanol.

Para isso, o paciente recebe mais álcool em doses controladas e monitoradas. É preciso manter o sangue do paciente com níveis constantes de álcool por um tempo prolongado, enquanto o metanol vai deixando o corpo por outras vias, sem ser metabolizado. Isso é combinado com hemodiálises, para filtrar o sangue.

Caso o corpo consiga metabolizar o metanol em ácido fórmico, essa substância pode atacar o sistema nervoso central e nervos óticos dos pacientes — levando a cegueira, danos cerebrais ou até a morte.

Por que o Brasil não usa antídoto mais eficaz?

Existe outro antídoto que é considerado mais eficaz para tratar intoxicação com metanol: o fomepizol. Esse antídoto é mais adequado, pois não provoca sintomas no paciente em tratamento, como a embriaguez.

No entanto, sua solução é considerada cara até mesmo para países desenvolvidos, disse à BBC News Brasil o médico Knut Erik Hovda, da organização Médicos Sem Fronteiras, que dedica mais de 20 anos ao estudo da intoxicação com metanol e esteve em diversos surtos atuando como médico e ajudando autoridades internacionais.

Uma dose de fomepizol pode custar até 1 mil euros (cerca de R$ 6,3 mil).

A patente do remédio já expirou mundialmente, mas as farmacêuticas não conseguem produzir o antídoto em uma escala grande o suficiente para fazer com que o preço caia.

Na terça-feira (30/9), o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que o governo brasileiro estuda criar uma reserva estratégica para garantir o acesso ao fomepizol, que não está sequer registrado no Brasil. A nota técnica do ministério divulgada na quarta não faz menção ao fomepizol — apenas cita o etanol como antídoto.

A MSF solicitou que o antídoto fosse colocado na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial de Saúde — para facilitar que o remédio seja importado até mesmo por países que não tem registro.

Mas os custos altos são uma barreira para diversos países.

Um estudo de 2017 concluiu que os custos hospitalares para pacientes tratados com fomepizol foram 3,3 vezes maiores do que os de pacientes tratados com etanol em um surto de contaminação na República Checa entre 2012 e 2014.

Notificações

Outro ponto considerado fundamental por especialistas é tornar público para a população a existência do problema da intoxicação por metanol.

Muito sintomas são considerados vagos e comuns a outros tipos de males menos perigosos. Mas a intoxicação por metanol pode matar ou causar danos permanentes se não for tratada com rapidez.

Muitas pessoas contaminadas sequer percebem que pode se tratar de algo tão grave. A melhor forma de conscientizá-las sobre o problema é alertar que outros casos semelhantes de intoxicação por metanol estão acontecendo na sua região — e que ao apresentar qualquer sintoma semelhante elas devem buscar atendimento imediato.

Para aumentar a publicidade em torno do assunto, o ministério da Saúde está solicitando a todos os profissionais de saúde que façam notificação imediata de todos os casos suspeitos de intoxicação por metanol.

Todos os casos suspeitos devem ser imediatamente notificados ao Centro Nacional de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) do seu Estado, que monitora riscos de saúde pública.

"A notificação é no caso suspeito. Não precisa aguardar o fechamento do diagnóstico para fazer a notificação do caso suspeito", disse o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na quarta-feira (1/10).