Brasil

Doca, o número 2 do CV que driblou a maior e mais letal operação policial da história do Brasil

Doca era o principal alvo da Operação Contenção, realizada pelas polícias fluminenses na terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha e considerada a mais letal da história no país

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 30/10/2025
Doca, o número 2 do CV que driblou a maior e mais letal operação policial da história do Brasil
O Disque Denúncia do Rio está oferecendo R$ 100 mil para quem tiver informações sobre Doca | Reprodução

André Lyra de Oliveira, o Lápis, estava na comunidade do Quitungo, no bairro Brás de Pina, zona norte do Rio, quando dois homens atiraram contra ele.

Lápis morreu ali, por volta das três da manhã do dia 16 de setembro de 2021.

As ordens para executar o crime, segundo a polícia, partiram de Edgar Alves de Andrade, o Doca, principal líder do Comando Vermelho (CV) em liberdade — na hierarquia, ele está abaixo apenas de Marcinho VP e Fernandinho Beira-Mar, ambos presos em penitenciárias federais.

Doca era o principal alvo da Operação Contenção, realizada pelas polícias fluminenses na terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha e considerada a mais letal da história no país.

Ele, no entanto, conseguiu escapar.

Com mandado de prisão preventiva decretado antes da operação, Doca era um dos alvos das polícias fluminenses.

Segundo Victor Santos, secretário de Segurança Pública do Rio, o criminoso usou "soldados" do tráfico para fazer uma barreira e escapar da operação. O Disque Denúncia do Rio oferece R$ 100 mil para quem tiver informações sobre ele.

"O Doca, nós não conseguimos pegar nesse primeiro momento porque é uma estratégia que eles fazem", disse Santos em entrevista à GloboNews, afirmando que ao deixar os "soldados" à frente para serem presos com mais facilidade, isso acaba dificultando a prisão das lideranças.

Segundo consta em sua ficha criminal, Doca nasceu em 1970 em Caiçara — há divergências em registros das próprias autoridades se sua origem é Caiçara no Rio Grande do Sul ou Caiçara na Paraíba.

Ele entrou para o crime há pelo menos 20 anos. Em 2007, foi preso em flagrante por porte de arma e tráfico de drogas, na vila da Penha, zona norte da capital fluminense.

Relatou aos policiais, à época, que era militar. Anos depois, teve progressão de pena e foi para o semiaberto.

Nas ruas, foragido, Doca assumiu um papel importante na organização criminosa. Não era apenas mais um membro. Com papel de liderança, passou a gerenciar os recursos da facção, principalmente na região da Vila da Penha, e a orquestrar ordens de ações — como aquela que matou André Lyra de Andrade.

Doca tinha um motivo para querer André Lyra morto: disputa territorial na zona norte. Nos últimos anos, as milícias e o Comando Vermelho aumentaram suas disputas.

Em 2020, o Terceiro Comando da Capital (TCP) havia fechado parceria com a milícia da comunidade do Quitungo — área de interesse do CV—, que andava enfraquecida, para vender drogas por lá de forma velada. A comunidade fica a poucos quilômetros do Complexo da Penha.

Em março de 2020, alguns membros do TCP provocaram o CV: gravaram vídeos de dentro da Vila Cruzeiro, na Penha. Meses depois, em outubro, a provocação virou ataques em áreas do Complexo da Penha. O CV revidou e divulgou em redes sociais prêmios para quem matasse os rivais daquela região. Lápis foi um desses alvos.

Como líder do CV, Doca é considerado um dos principais responsáveis pela expansão da facção nos últimos anos.

Entre 2022 e 2023, a organização aumentou em 8,4% as áreas sob seu controle e retomou a liderança perdida para as milícias nos anos anteriores. E, hoje, responde por 51,9% das áreas dominadas por grupos armados na Região Metropolitana do Rio.

Essa disputa entre milícias e facções terminou com a morte, por engano, de três médicos na Barra da Tijuca, em outubro de 2023: Diego Ralf Bomfim, Marcos de Andrade Corsato, e Perseu Ribeiro Almeida.

Naquela ocasião, os criminosos confundiram Perseu com Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, filho de um miliciano. Segundo a polícia, a autorização partiu de Doca. Ao saber do engano, Doca teria mandado matar também os comparsas.

Longa lista de crimes

Policiais caminham ao lado de homens detidos

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Operação com mais de 100 mortos na terça (28/10) mirou o Comando Vermelho nos complexos da Penha e Alemão

Esses crimes não estão nem perto de serem os únicos crimes pelos quais Doca responde. A extensa ficha criminal — de 189 páginas — indicava 176 anotações criminais até 2023.

A maioria delas por tráfico de drogas, associação criminosa, roubos e furtos de cargas, homicídios, tortura e porte de armas.

Em dezembro de 2020, Doca foi acusado de autorizar também o homicídio de três crianças, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense: Lucas Matheus da Silva, de 8 anos, Alexandre da Silva, 10, e Fernando Henrique Ribeiro, de 12. Os garotos haviam se desentendido com um chefe do tráfico local por conta de um passarinho. Com o aval de Doca, os criminosos torturaram e mataram os garotos.

Como líder do CV, Doca também se envolveu, segundo investigações, com a compra e uso de drones lançadores de granada — usados na terça-feira (28/10) contra os policiais. A facção fez uso da tecnologia, pela primeira vez, em uma ação contra milicianos na zona norte do Rio.

Doca aparece ainda em outro caso de grande repercussão na mídia, no caso do TH Joias — o deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos. Preso em 2025, ele é acusado de tráfico de drogas, intermediação de armas para facções e lavagem de dinheiro por meio da venda de joias e bens de alto valor.

As investigações da Polícia Federal e da Polícia Civil apontam que o parlamentar atuava como elo entre chefes do tráfico e o poder público, movimentando recursos ilícitos em nome de prestígio e influência política. Segundo consta no processo, TH Joias chegou a relatar, por mensagem, para comparsas, que havia se encontrado com Doca e outras lideranças, num local desconhecido, para fechar negócios.