Cotidiano
‘Mara’, a odisseia de uma elefanta na pandemia até chegar em Chapada dos Guimarães, em MT
Mara é uma elefanta de cinco toneladas que nasceu na Índia e chegou há décadas à Argentina para participar de espetáculos circenses. Também conheceu a vida de zoológico, até que em plena pandemia surgiu sua oportunidade de mudar de ares em um santuário de
28/06/2020
César e Fabio gostaram dela. Levavam pão. No dia anterior à partida do circo rumo a outra cidade, os irmãos foram no último espetáculo. Diante do espanto geral, Mara se aproximou do público e com a tromba entregou a César e Fabio pedaços de pão.
Em 1980, César Gribaudio, já estudante universitário, viu de dentro do ônibus um circo e um elefante que entrava em uma tenda. Reconheceu Mara. Telefonou a seu irmão e no dia seguinte a visitaram. Mara estava acorrentada. Quando viu os dois garotos, Mara chorou e gritou. Depois lhes ajudou a subir em suas costas, como quando era menor.
Em 1998, Mara tinha quase 30 anos, pesava mais de 5.000 quilos e já havia abandonando o negócio do espetáculo. Após a falência do Circo Rodas em 1995, foi levada, como depósito judicial, ao à época chamado Jardim Zoológico de Buenos Aires.
Dividia recinto com outras duas elefantas, Kuki e Pupi, com as quais nunca se entendeu. Ela era asiática e as outras, africanas. Elas se ignoravam mutuamente. Quando César Gribaudio, casado e com filhos, passou diante de sua jaula, Mara demonstrou o que é uma memória de elefante. Andou em direção ao fosso e esticou a tromba para tocar César. Na época, Mara havia começado a sofrer infecções nos pés. Pelos anos de correntes e porque os elefantes urinam com frequência: quando o cativeiro reduz seus movimentos, a urina encharca seus pés e gera doenças.
O tempo continuou passando. O Jardim Zoológico de Buenos Aires se transformou em Ecoparque e decidiu se desfazer de muitos de seus animais, os que pior lidavam com a rotina do confinamento. A orangotango Sandra, famosa porque um tribunal a declarou “pessoa não humana”, foi enviada a uma reserva brasileira em 2019 após uma longa batalha legal. Parece ter se adaptado bem à sua nova vida. Meses atrás, o santuário Elefantes do Brasil, dirigido pelo norte-americano Scott Blais, aceitou abrigar Mara.
Fazer uma viagem de 2.700 quilômetros com um elefante nunca é fácil. Em plena pandemia, com as fronteiras argentinas fechadas, ainda mais.
Em 9 de maio, Mara subiu ao caminhão que a levaria a uma nova vida. Os irmãos Gribaudio foram convidados para se despedir dela, mas a quarentena lhes impediu de ir ao Ecoparque. Mara partiu sem cerimônias.
O caminhão especial, com três veículos de escolta, atravessou ao Brasil pela fronteira de Corrientes e circulou durante 109 horas, sem outras paradas além das realizadas a cada três horas para assegurar-se de que a elefanta estava hidratada e tranquila, e duas noites de hotel.
Quando chegaram ao santuário em Mato Grosso, a primeira coisa que Mara fez ao descer do caminhão foi espojar-se pelo chão para se limpar. Provou manga, que não gostou, e goiaba, que, aí sim, aprovou. Dormiu um pouco, coçou as costas em uma árvore e comeu grama do solo pela primeira vez em sua vida.
Já mais ou menos adaptada, descobriu Ranaz, também elefanta africana, também antiga estrela do circo.
Inicialmente se farejaram e se tocaram com a tromba. Depois foram juntas caminhar. E não se separaram desde então.
Mara ainda tem 20 anos de vida. Deverão ser muito melhores do que os 50 anteriores.
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