Cultura
Cem anos do rádio no Brasil: conheça a história do Repórter Esso
Programa é um ícone do radiojornalismo nacional
05/08/2022
Testemunha ocular da história
Junto ao público, o Repórter Esso conquistou credibilidade e audiência. O Ibope media blocos de 15 minutos de audiência na época, segundo Klökner. “Não tinha como mirar a lupa para os cinco minutos do Repórter Esso, mas os blocos onde ele estava inserido tinham uma elevação de audiência de 25%, chegando a registrar aumento de 50% durante a Segunda Guerra”, conta. Seu slogan “O primeiro a dar as últimas” era levado a sério pelos ouvintes. E esse prestígio rendeu uma história que ilustra a confiança que as pessoas tinham no jornal. No dia 2 de setembro de 1945, a Rádio Tupi surpreendeu o público ao anunciar o fim da Segunda Guerra Mundial. A notícia, no entanto, não tinha ido ao ar ainda no Repórter Esso. E o conflito só foi considerado encerrado pelos brasileiros quando o locutor Heron Domingues entrou no ar repetindo, empolgadamente: “terminou a guerra! Terminou a guerra!”. Luciano Klökner detalha o caso: “Há duas versões. Pelo que se sabe, a Tupi teria recebido a informação da Associated Press (AP), e ela deu a notícia no ar. Mas houve um desmentido, e o contexto dessa notícia é que ela era verdadeira, mas os negociadores da rendição alemã pediram que a imprensa segurasse a informação. E a AP não segurou, repassou para as associadas dela. A outra versão me foi contada pessoalmente pelo [locutor] Luiz Mendes, amigo do Heron Domingues. Ele, Mendes, teria dado a notícia primeiro na Rádio Globo. E contam que houve um clamor público na Praça Mauá, onde funcionava a sede da Rádio Nacional, porque as pessoas perguntavam por que a notícia do fim da guerra não tinha saído no Esso”. O episódio ficou marcado ainda pelos detalhes que antecedem o dia histórico. Segundo Klökner, à época, foi bastante divulgado que Heron Domingues pediu à emissora para deixar uma cama de campanha na redação para conseguir dar a notícia em primeira mão, e isso era muito divulgado à época. O áudio original com o anúncio do fim da guerra perdeu-se com o tempo. Em 1956, por ocasião dos 20 anos da Nacional, foi produzido um disco com momentos marcantes da história da emissora, e Domingues fez uma reprodução do que foi ao ar na época. Esta simulação chegou até os dias atuais e pode ser ouvida abaixo: O crédito pelo anúncio do suicídio do presidente Getúlio Vargas também é disputado por diferentes jornais – mas a versão aceita pelos pesquisadores é que o povo acreditou, mesmo, quando ouviu no Repórter Esso. É o que contou à TV Brasil o radialista Antônio Carlos, que foi locutor da Rádio Nacional no início da sua carreira, nos anos 1950. Neste vídeo, ele reforça a relevância do Repórter Esso para os ouvintes e a sociedade: Posteriormente, a carta-testamento de Getúlio foi lida no programa: O Esso foi, como outro de seus slogans atesta, “testemunha ocular da história”. Até 1945, exclusivamente da Segunda Guerra Mundial. Com o fim do conflito, introduziu aos poucos notícias do país e também as regionais, de cada estado em que transmitia. Este áudio, cedido pelo pesquisador Luciano Klöckner, compila manchetes e notícias extraídas do Repórter Esso e fez parte do programa especial de 24 anos de irradiação do noticiário. Ouça: A mudança editorial, combinando notícias mais próximas dos brasileiros com a credibilidade já consolidada que possuía, rendeu-lhe histórias menos pomposas que os anúncios históricos, mas que demonstravam a força do programa junto ao público – e, ainda, o potencial de mobilização que o jornalismo tem na sociedade. É o caso da aterrisagem de um avião no aeroporto de Campo Grande em uma pista que estava às escuras. De acordo com o que narrou Klökner em seu livro, um apelo foi feito no Repórter Esso para que carros fossem levados para iluminar o local. Os motoristas compareceram, e a aeronave pousou com a ajuda dos faróis, sem que nenhuma das 14 pessoas a bordo ficassem feridas. Ouça outros trechos do Repórter Esso, direto do acervo da EBC: Edição que compilou as principais notícias da Segunda Guerra Mundial (trata-se de uma simulação, uma vez que os áudios originais foram perdidos): Edição especial de Pistoia, na Itália, transmitindo o toque de silêncio em homenagem aos pracinhas brasileiros mortos em combate na Segura Guerra Mundial (novembro de 1953): Edição do Repórter Esso que anuncia a morte da cantora Carmen Miranda, em 5 de agosto de 1955. O boletim traz uma obituário narrado pelo jornalista Sérgio Chapelin, que atuou como locutor na Rádio MEC nos anos 1960:Declínio
O radiojornalismo em geral foi atingido duramente pelo regime militar em 1964 - até mesmo o Repórter Esso, que tinha uma linha editorial cuidadosa para não desagradar a governos e autoridades. No dia 1º de abril daquele ano, uma das edições do Repórter Esso não foi ao ar - pelo menos em São Paulo. “Ali eu me dei conta que o processo da revolução já tinha se instalado”, conta o locutor Fabbio Perez, que faria o jornal das 8h pela Rádio Tupi. O mesmo aconteceu em diferentes emissoras e jornais impressos. O Repórter Esso sobreviveu até 1968 – na televisão, onde tinha estreado em 1952, durou até 1970. Na avaliação do pesquisador Luciano Klökner, o desgaste político que culminou com o fim do Repórter Esso tem a ditadura militar entre seus motivadores - embora não seja o único. “Houve queda de audiência motivada pela concorrência com outras emissoras e a televisão, e ainda o interesse da empresa [Esso] de distribuir verbas publicitárias, sem concentrá-la em um único programa”. Sua última transmissão no rádio foi ao ar no dia 31 de dezembro de 1968, na locução de Roberto Figueiredo. O fim de uma história de 27 anos ficou eternizado na voz emocionada do profissional (ouça o áudio recuperado pelo programa Todas as Vozes, que foi ao ar pela Rádio MEC):Série de reportagens
Em comemoração aos cem anos do rádio no Brasil, completados em 7 de setembro de 2022, a Agência Brasil publica uma série de reportagens sobre as principais curiosidades históricas do rádio brasileiro. Veja as matérias já publicadas: O centenário do rádio no país também será celebrado com ações multiplataforma em outros veículos da EBC, como a Radioagência Nacional e a Rádio MEC que transmitirá, diariamente, interprogramas com entrevistas e pesquisas de acervo para abordar diversos aspectos históricos relacionados ao veículo. A ideia é resgatar personalidades, programas e emissoras marcantes presentes na memória afetiva dos ouvintes.Mais lidas
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