História de MT

Conheça a extraordinária história de Zé Cassiano, de 93 anos, um dos primeiros moradores do antigo Capão do Negro em VG

Zé CassiAno, neto de exs-escravos dedicou-se inteiramente à sua vida na difusão da cultura da baixada cuiabana, ao mesmo tempo que foi um dos primeiros moradores daquela região

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA 18/02/2024
Conheça a extraordinária história de Zé Cassiano, de 93 anos, um dos primeiros moradores do antigo Capão do Negro em VG
Página 12 | Zé Cassiano: “lembro de uma cacimba que ficava próximo a escola e que o pessoal vinha pegar água

Na rua Ari Paes Barreto, uma das mais movimentadas que liga o bairro da manga ao Cristo Rei, existe uma casa no início do morro que muita gente pode passar e viajar no tempo ouvindo a história de um de seus primeiros moradores: José Cassino de Oliveira, de 93 anos, o Zé Cassiano.

Ex-verdureiro, roceiro, feirante, tocador e dançador de cururu, siriri e congada. Em sua residência tem um pátio tranquilo e leva a uma capela em forma circular, e diversas estátuas de santos.

A capela e o pátio ficaram conhecida como a “casa dos cantadores e dançadores de cururu”. Mas a residência, que fica próximo ao Posto de Saúde do bairro(e que antes funcionava o grupo escolar velho) não tem apenas uma importância histórica e religiosa.

Ela também foi uma das primeiras a ser construída no antigo bairro do Capão do Negro, hoje Cristo Rei.

Zé Cassiano, neto de exs-escravos dedicou-se inteiramente à sua vida na difusão da cultura da baixada cuiabana, ao mesmo tempo que foi um dos primeiros moradores daquela região.

A década era de 40 e uma onda de colonos e descendentes de exs-escravos, mulatos, cafuzos e mamelucos cruzavam a pé, em carroças ou a cavalo das cidades de Cáceres, Poconé e Nossa Senhora do Livramento para uma região de grande extensão de terras onde eles poderiam plantar suas roças.

Arquivo Página 12/Odenil Sebba
Arquivo Página 12/Odenil Sebba

Os colonos começaram a chegar, viajando dezenas de quilômetros, entre eles a família de Zé Cassiano que chegou na regão em 1947.

Os migrantes vieram de municípios de São Luís de Cáceres(Cáceres), Arraial de São Pedro d’El Rey (Poconé), Nossa Senhora do Livramento, Rosário Oeste, Diamantino, Vila Bela da Santíssima Trindade, Acorizal e dos Distritos de Jangada, Cocais e Beri.

Eles começaram a habitar aquela região e construíram suas residências de pau a pique(barrote) e fizeram suas roças, que passou a ser chamar roção.

A região é onde hoje localiza-se o aeroporto Marechal Rondon, o bairro morro da confusão(manga), a colônia união, a lagoa do jacaré e construmat.

Esses retirantes precisavam, de alguma forma, bancar dias de comida, transporte e acomodação para eles, e não carregavam grandes somas de dinheiro consigo. “Quando cheguei aqui eu era criança e tinha um mato sem fim. E fomos morar na área do aeroporto. E já tinha umas dez a quinze famílias morando lá e todo mundo tinha roça no local que era chamado de roção”, afirma Zé Cassiano. Ele recorda ainda dizendo que já existia a lagoa do jacaré, onde hoje é a região do Parque do Lago, “eu me recordo que plantava maxixe para vender de porta em porta em um carrinho de mão”, disse.

A história de Zé Cassino e de sua família que foram para a região do Capão do Negro(hoje bairro Cristo Rei) atrás de oportunidade poderia ter sido apenas uma das dezenas de histórias que marcaram a construção daquela região e que, entre meados das décadas de 40 e 50, viu gerações viajarem rumo as novas terras em Várzea Grande, fugindo da pobreza e da fome.

Arquivo Página 12/Odenil Sebba
Arquivo Página 12/Odenil Sebba

Zé Cassiano foi um dos protagonistas de uma história de migração que colonizaram o grande bairro do Cristo Rei, incluindo aí os bairros da manga, construmat e Parque do Lago, e não foi contada, pelo menos não em detalhes, “lembro dos primeiros moradores como Seo Mongênio, Seo Pedrinho e Seo Mário”, cita Zé Cassiano com a voz embargada.

As terras do grande bairro do Cristo Rei, era uma sesmaria doada pelo imperado Dom Pedro II para a família do major João Vieira e que era casada com dona Escolástica de Azevedo, Nhá Corá, de uma família abastada de Poconé.

Arquivo Página 12/Odenil Sebba
Arquivo Página 12/Odenil Sebba

Coube ao major, após a morte de seus pais, assumir a grande vasta propriedade de terras da região, compreendendo alameda Júlio Muller, manga, construmat, região do aeroporto, antigo Capão do Negro, roção e lagoa do jacaré.

A sesmaria era registrada na arquidiocese de Cuiabá e ultrapassava 300 mil hectares e era toda nua, sem nenhuma cerca.

A família do major João Vieira residia próxima a ponte Júlio Muller(ponte velha), eles tinham escravos que tocavam os trabalhos de plantação de cana de açúcar e criação de gados leiteiros. Após a morte do major João Vieira, em 1912, a administração da propriedade coube a viúva Nhá Corá até 1933, quando veio a falecer.

A partir daí, seu filho primogênito Abelardo Azevedo, o Belinho - que chegou posteriormente - ser vereador do novo município de Várzea Grande, após a emancipação em 1948.

Sem mãos de obras para ‘tocar’ a vasta área de terras, Belinho doa a área para a Prefeitura de Cuiabá, pois Várzea Grande era o 3º Distrito de Cuiabá.

E o que afirma o historiador e religioso, Odenil Sebba. “Belinho doou as terras do grande Cristo Rei para a Prefeitura de Cuiabá, pois Várzea Grande pertencia a Cuiabá e era um distrito. É após ele doar começou a chegar migrantes vindos dos municípios de Poconé, Livramento e Cáceres”, disse Sebba.

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Professor e Historiador Odenil Sebba 

Segundo ele, o início da formação do bairro foi uma miscigenação de migrantes das cidades vizinhas e de exs-escravos e negros livres que trabalhavam nas usinas de cana de açúcar nas fazendas as margens do rio Cuiabá como Usina Itaici e que fugiram de lá, “o primeiro bairro foi colônia de trabalhadores e que passou a se chamar Colônia União. Eles começaram a trabalhar com agricultura de subsistência. E passaram a vender seus produtos na região do Porto”, afirmou Odenil Sebba.

No dia 26 de abril de 1958, através da lei municipal 101, a Prefeitura de Várzea Grande, já emancipada, doa 206.702 mil hectares ou 2.067.020.000,00(dois milhões de metros quadrados)para a arquidiocese de Cuiabá, sob Dom Orlando Chaves, na região da Colônia, compreendida pelo Capão do Negro, Campo de Aviação e Matadouro para a construção do Instituto Cristo Rei, o seminário interno da igreja católica.

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Escritura de Doação da Prefeitura de Várzea Grande para a Arquidiocesse de Cuiabá

No decreto de doação a Prefeitura deu um prazo de dois anos para que a arquidiocese fizesse a construção, ou a área retornaria para o município.

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É o que recorda o padre Felisberto Samoel da Cruz. Segundo ele, o nascimento do bairro Cristo Rei só ocorreu com o desejo de mudar o internato do seminário da igreja católica, que funcionava anteriormente na igreja Bom Despacho em Cuiabá.

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Padre Felisberto Samoel da Cruz

O bispo da época, Dom Orlando Chaves, pediu uma área ao prefeito Júlio Domingos para a construção de um seminário na região denominado de Capão do Negro. “Mas, antes mesmo de dois anos, em 1958, Dom Orlando, lança a pedra fundamental e começa a construção do Seminário. Em 20 de agosto de 1969, Dom Orlando, funda a Paróquia do Cristo e nomeia o padre Antônio Tomé Colussi, como primeiro vigário, dando início, assim, ao nome do bairro Cristo Rei”, afirma o padre Felisberto.

O bucólico Cristo Rei foi formado pela região da Colônia União, Vila Fragelli, aeroporto Marechal Rondon, bairro morro da confusão(manga), morro vermelho(antigo loteamento das CR 5), lagoa dos patos, lagoa do jacaré, e construmat.

Arquivo Página 12/Odenil Sebba
Arquivo Página 12/Odenil Sebba

Seja sobre quatro rodas ou a pé, a região tem seus ‘tesouros’ históricos sendo descoberto ao longo do caminho, muitos dos quais ainda estão sendo desenterrados. Como a história de Seo Gervásio, como lembra o historiador Odenil Sebba: “ele fazia colchão de capim corona e vendia na feira do Porto”, disse.

Ou como o comerciante Seo Aristides que também vendia produtos da lavoura na feira do Porto e foi um dos primeiros moradores.

Arquivo Página 12/Odenil Sebba
Arquivo Página 12/Odenil Sebba

Ou João Saturnino do Nascimento, o Seo Joãozinho, carreteiro da região, ou mesmo Senhor José Sampaio e funcionário da CR-5, Antônio Oliveira Ribeiro, um dos primeiros moradores da manga e que também foram protagonistas da história.

E como lembra o nonagenário Zé Cassiano, ao recordar a história do primeiro grupo escolar da região, o chamado grupo velho, “lembro de uma cacimba que ficava próximo da escola e o pessoal vinha pegar água, lemnro também de um estudante chamado Peba e que quebrou o pote da escola e todos ficaram sem água”, recorda em risos Zé Cassiano, mas, com lágrimas nos olhos.

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