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Ascensão da extrema direita no leste põe em alerta a política alemã
O muro caiu há 30 anos, com cidadãos da República Democrática Alemã (RDA) manifestando-se nas ruas. Agora, é hora de se rebelarem de novo. Desta vez, votando no partido-protesto. Essa é a mensagem que a extrema direita alemã, AfD (Alternativa para a Alemanha), conseguiu inocular no leste do país, em um momento decisivo para a política da Alemanha.
A classe política segura a respiração ante um possível triunfo dos extremistas de direita pela primeira vez em um Estado federado, que testaria o até agora implacável cordão sanitário contra eles e complicaria muito a formação de um Governo alternativo. Um apoio maciço ao AfD, como indicam as pesquisas, também poria em relevo que a fronteira invisível que separa o leste do oeste do país, habilmente explorada pelos ultradireitistas, permanece em vigor três décadas após a reunificação.
Cartazes do AfD, mas também outros que agradecem ao líder ultradireitista italiano Matteo Salvini, decoram a sala em que, às 19 horas de quinta-feira, se reúnem cerca de cem simpatizantes do partido. Na maioria, são homens, e muitos idosos, que encontram consolo para seu descontentamento nos discursos simplistas dos oradores. “Aqui somos todos antigos cidadãos da RDA. Estamos acostumados a ser contra o que é estabelecido”, explica Anka Thust, uma participante de 78 anos.
O AfD conseguiu estabelecer-se como porta-voz da insatisfação no leste do país por ser capaz de manter sintonia com o desconforto dos que se sentem prejudicados e mal recompensados, apesar dos esforços impostos à região pela reunificação e adaptação à nova realidade ocidental. O AfD capitaliza uma lacuna que em parte é real: os trabalhadores recebem em média 650 euros brutos (2.900 reais) a menos no leste, onde o PIB per capita equivale a apenas 73% da média de todo o país, e seus cidadãos estão claramente sub-representados nas instituições do Estado.
A essa convergência que não é nova se somam medos, desejos e frustrações que muitas vezes circulam por caminhos mentais, alheios às cifras e exacerbados pela extrema direita. O desprezo pela correção política e pelas elites de Berlim, e a rejeição ao que é estrangeiro, consolidou o apoio ao partido-protesto.
Resume bem essa amargura um frequentador de um bar em Naunhof (cerca de 8.000 habitantes, no Estado da Saxônia), que acha que “estão brincando” com "os antigos cidadãos da RDA". "Em 1989, íamos nos manifestar às segundas-feiras pela liberdade e agora encontramos uma televisão pública que é pura doutrina porque é contra a AfD", argumenta Jorg Schmidt, eletricista de 45 anos e defensor da extrema direita, que até 2015 votava nos social-democratas, mas que já não os apoia porque "se jogaram nos braços de Merkel e se esqueceram dos trabalhadores".
Ele acha, como tantos outros, que as últimas eleições europeias foram uma nova decepção, que terminou com a ex-ministra da Defesa, a conservadora, Ursula von der Leyen, como presidente da Comissão Europeia, quando não era sequer candidata. "É nisso que nós votamos?", ele se pergunta, como uma constatação de que a democracia atual é tão deficiente que requer um convulsivo do calibre do AfD. Mas Schmidt se queixa, acima de tudo, de que em Berlim não os escutam: “Os políticos do oeste vêm pouco aqui conversar conosco. Não conhecem a nossa realidade". Enquanto fala, encostado no balcão do bar, um homem se aproxima para lhe entregar seu cartão. É um membro do AfD, que ouviu o que ele estava dizendo e lhe diz que o partido está lá, para o que ele precisar.
Uma alternativa impossível
A Saxônia é o bastião do AfD. O Estado continua muito dependente da geração do carvão e da energia e, portanto, rejeita a aposta do Governo central na energia limpa. Os seis municípios de toda a Alemanha em que a extrema direita obteve melhor resultado (entre 35% e 29%) nas últimas eleições gerais estão neste Estado. Aqui, o AfD poderia até tirar a liderança da CDU, da chanceler Angela Merkel, o que provavelmente forçaria três ou até quatro partidos a se aliarem para formar um Governo alternativo à extrema direita. A CDU governa a Saxônia desde a reunificação.
Brandemburgo, outro Estado no leste da Alemanha, realiza eleições no mesmo dia. O SPD vem ocupando a chefia do Governo regional há 29 anos e agora, segundo as pesquisas, pode obter o pior resultado de sua história. Tal derrota aumentaria a hemorragia eleitoral vivida por um partido em um momento muito ruim e que está sem liderança na esfera federal e em queda livre nas pesquisas. Em 1º de setembro, dia das eleições na Saxônia e em Brandemburgo, expira o prazo para que os possíveis candidatos a presidir o SPD se apresentem.
Pouco depois, em outubro, será a vez de a Turíngia ir às urnas, outro Estado federado do leste e reduto de Björn Höcke, o líder indiscutível da ala dura do AfD. Juntos, os três Estados somam apenas oito milhões e meio de habitantes, num país de 82 milhões. Sua importância numérica é muito relativa, mas os sinais políticos que emergem desse impacto eleitoral ressoarão com força especial em um país que vive uma prolongada transição política com o anunciado final da era Merkel.
RISCO DE DIVISÃO NO AFD
Não estão em jogo só os partidos tradicionais nas eleições no leste. Diante das luzes de néon das pesquisas, difunde-se no AfD o temor de que um possível sucesso seja, ao mesmo tempo, o fracasso de um partido com graves fissuras internas, como reconhecem fontes dessa legenda de extrema direita.
Porque um triunfo no leste seria mérito inquestionável da ala mais dura do partido, que ameaça se fortalecer em todo o país. Se os duros triunfam, os membros considerados moderadostemem até que a legenda acabe se dividindo. Portanto, esta série de eleições regionais também determinará em grande medida a identidade do AfD, o principal partido de oposição na Alemanha, que nas últimas eleições gerais conseguiu 12,6% dos votos.