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Por que Putin quer fomentar gravidez entre jovens, inclusive adolescentes

A ideia é simples: quanto mais cedo uma mulher começa a ter filhos, maior a probabilidade de ter mais

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 27/04/2025
Por que Putin quer fomentar gravidez entre jovens, inclusive adolescentes
A guerra com a Ucrânia é um novo fator no declínio demográfico da Rússia | Getty Imagens

Desde o início de 2025, pelo menos 27 regiões russas introduziram pagamentos únicos para estudantes universitárias grávidas e até mesmo jovens em idade escolar.

Esses são bônus pagos por governos locais em diferentes partes do país, que variam de 20 mil a 150 mil rublos (R$ 1,3 mil a R$ 10,2 mil), e visam revitalizar a maternidade em um país cuja taxa de natalidade vem diminuindo constantemente.

A ideia é simples: quanto mais cedo uma mulher começa a ter filhos, maior a probabilidade de ter mais.

Mas especialistas estão convencidos de que isso é um mito, e a medida já gerou polêmica entre os russos.

Acredita-se que a situação demográfica da Rússia se deva, em parte, à queda acentuada de nascimentos no contexto da guerra prolongada com a Ucrânia e ao êxodo de parte de sua população.

Em 2024, apenas 1,2 milhão de pessoas nasceram na Rússia, o menor número de crianças nos últimos 25 anos.

Mas, apesar dos incentivos que o Estado paga às mulheres por cada filho e de sua retórica de propaganda agressiva, a Rússia não conseguiu escapar da crise demográfica.

Em busca de uma saída, as autoridades agora estão recorrendo a mulheres cada vez mais jovens.

Jovem grávida usando um laptop apoiado no colo

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Os governos locais russos introduziram incentivos para a gravidez, mesmo entre adolescentes

Os pagamentos, que começaram este ano, são direcionados principalmente a estudantes universitários em período integral e a estudantes grávidas do ensino médio.

Na maioria das regiões, mulheres jovens com menos de 25 anos têm direito a esses benefícios, mas até agora apenas um pequeno número os recebeu: no total, não mais do que 310 casos desse tipo foram registrados desde o início do ano, de acordo com uma investigação do serviço russo da BBC.

Destes, 66 são estudantes que receberam pagamentos em diferentes regiões da Rússia.

Em março de 2025, várias regiões expandiram os pagamentos para estudantes grávidas, uma faixa etária em que as gestações têm diminuído constantemente.

Em 2023, de acordo com a Agência Federal de Estatísticas da Rússia (Rosstat), meninas entre 12 e 17 anos deram à luz cerca de 9 mil bebês, e aproximadamente 40% das gestações nesse grupo terminaram em aborto.

Os números sugerem que as mulheres jovens na Rússia ainda estão relutantes em dar à luz. De acordo com o Ministério da Educação e Ciência, em julho de 2024, quase 18 mil estudantes em universidades russas estavam criando filhos com menos de três anos.

Incentivos para mães jovens

Os polêmicos incentivos geralmente são pagos sem nenhuma condição quanto à renda ou estado civil da mulher, normalmente antes do parto.

A região de Kemerovo, no sul da Rússia, foi uma das últimas a aderir a essa tendência, introduzindo um pagamento único de 100 mil rublos (cerca de R$ 7 mil) para estudantes grávidas.

Em meados de abril, as autoridades relataram que 515 meninas menores de idade engravidaram no país em 2024, quase um terço a mais do que em 2023. Quatro delas tinham menos de 15 anos.

Mulher grávida ao lado de uma criança já mais velha

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Desde 2016, apesar de todos os esforços das autoridades, declínios históricos nas taxas de natalidade foram registrados na Rússia

A medida gerou polêmica até mesmo entre figuras leais ao governo de Vladimir Putin.

A deputada Ksenia Goryachova chamou o que está acontecendo de "normalização da gravidez na adolescência", observando que "quando uma menina dá à luz outra criança, não é heroísmo, mas uma tragédia".

No início de abril, o Ministro do Trabalho, Anton Kotyakov, tentou explicar que esses pagamentos não visam incentivar nascimentos mais cedo, mas sim apoiar mães jovens em circunstâncias difíceis.

E o governo se distanciou dessas políticas. As autoridades não planejam introduzir medidas nacionais para desencorajar a gravidez na adolescência e consideram as ações dos governos regionais "arbitrárias".

A introdução de pagamentos nesses departamentos pode ser explicada pelos padrões atualizados para avaliação do desempenho dos governadores, que foram introduzidos pelo presidente Vladimir Putin em novembro de 2024.

A taxa de fecundidade total apareceu entre os indicadores usados ​​para avaliar o trabalho dos líderes regionais.

Crise demográfica

O número de nascimentos na Rússia caiu drasticamente na década de 1990, de 2 milhões em 1990 para 1,2 milhão em 1999. Em meio à crise econômica e à instabilidade social, muitas pessoas adiaram ter filhos ou se recusaram a tê-los completamente.

Desde o início dos anos 2000, houve crescimento, em parte estimulado pela introdução de incentivos à maternidade em 2007: um bônus inicialmente concedido para o nascimento do segundo filho e posteriormente estendido ao primeiro.

Em 2014, o país atingiu seu pico pós-soviético de quase 1,94 milhão de nascimentos. Mas, desde 2016, apesar de todos os esforços das autoridades, iniciou-se um novo declínio, atingindo não apenas o nível da década de 1990, mas também, talvez, o do final do século passado.

Uma possível explicação para esse declínio é o êxodo de migrantes da Rússia, cujos recém-nascidos também foram incluídos nas estatísticas russas. Outra é a guerra na Ucrânia, embora ainda não haja pesquisas disponíveis sobre seu impacto na fertilidade. Mas sabe-se que o conflito contribuiu para a emigração.

Estimativas de longo prazo apenas preveem uma maior deterioração da situação.

Até 2046, a população do país poderá diminuir para 138,77 milhões de pessoas (era de 146,45 milhões no início de 2023), de acordo com a Agência Federal de Estatísticas da Rússia.

Mulher segurando um teste de gravidez

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Número de nascimentos na Rússia caiu drasticamente na década de 1990

Os perigos da gravidez entre jovens

A BBC conversou com demógrafos russos e britânicos e ouviu um veredito inequívoco de ambos: é impossível aumentar a taxa de natalidade a longo prazo com iniciativas financeiras destinadas a promover o nascimento de primogênitos, e não há exemplos dessas iniciativas na prática em todo o mundo.

"Posso afirmar com responsabilidade que qualquer tentativa de estimular a taxa de natalidade entre os primogênitos nunca funcionou em nenhum lugar nas últimas décadas, nem na Rússia nem no exterior", afirma o demógrafo russo independente Alexei Raksha.

"O mesmo se aplica às tentativas de rejuvenescer a taxa de natalidade. Isso também não funcionou em nenhum lugar, e acredito que nunca funcionará", completa.

O professor de Oxford John Ermish também não acredita que tentar rejuvenescer a taxa de natalidade por meio de iniciativas financeiras possa funcionar.

"Nenhum país no mundo teve sucesso porque, em geral, essas são medidas temporárias, seguidas por um aumento na fertilidade, mas depois um declínio", afirma.

Ermish é ainda mais cético quanto à hipótese de que é possível aumentar a taxa de natalidade entre mulheres de 15 a 19 anos.

"No Reino Unido e nos Estados Unidos, se está lutando contra a gravidez na adolescência, porque ela frequentemente cria problemas sociais e prejudica a saúde da mãe, além de não resultar em famílias grandes como as autoridades gostariam."

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a gravidez na adolescência (entre 10 e 19 anos) está associada a riscos maiores para as mães e seus filhos.

As meninas têm maior probabilidade de desenvolver complicações, como eclâmpsia (convulsões causadas pela pressão alta), inflamação pós-parto e infecções graves.

Crianças nascidas dessas mães têm maior probabilidade de nascer prematuramente, com baixo peso ao nascer e problemas de saúde nas primeiras semanas de vida.