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Escândalo de corrupção, queda de popularidade e ataque a pedradas nas ruas: as difíceis semanas de Javier Milei na Argentina
Manifestantes cercaram sua comitiva e, entre gritos e insultos, atiraram pedras e outros objetos contra um veículo da sua caravana eleitoral

A cena foi de caos e marcou o ápice de duas semanas críticas para o presidente argentino, Javier Milei.
Na quarta-feira (27/8), Milei precisou ser retirado às pressas durante um ato de campanha na província de Buenos Aires.
Manifestantes cercaram sua comitiva e, entre gritos e insultos, atiraram pedras e outros objetos contra um veículo da sua caravana eleitoral.
O ataque obrigou o presidente a suspender o comício e aumentou as tensões frente às eleições provinciais, no próximo dia 7 de setembro, e do pleito legislativo de meio de mandato, em 26 de outubro.
Para Milei, as eleições são fundamentais. O presidente precisa aumentar o número de legisladores aliados no Congresso argentino e saber se detém capital político para buscar a reeleição, daqui a dois anos.
Tudo indicava que seu partido, A Liberdade Avança, chegaria como favorito para as eleições de meio de mandato, graças ao controle da inflação e ao dólar que não trazia maiores desagrados. Mas o panorama mudou.
Em reportagem publicada na segunda-feira (25/8), o jornal argentino La Nación destacou que a primeira quinzena de agosto foi a pior do mandato de Milei, em termos da confiança do público no seu governo.
O jornal informou que, segundo a Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires, o Índice de Confiança no Governo caiu, em um mês, de 2,45 para 2,12 pontos, o que representa uma queda de 13,6%.

Crédito,EPA
A avaliação foi realizada antes de 20 de agosto, quando ocorreu a publicação de áudios que relacionam a secretária e irmã do presidente, Karina Milei, a um escândalo referente a uma suposta rede de subornos na Agência Nacional de Incapacidade (Andis, na sigla em espanhol).
Os mercados reagiram negativamente ao ocorrido, segundo a agência de notícias AFP. Houve aumento do índice de risco país, que avalia o custo do endividamento do governo em moeda estrangeira.
Aqui apresentamos um resumo do que ocorreu na Argentina nas últimas duas semanas.
Os áudios vazados
Os áudios vazados foram gravados secretamente no ano passado. Neles, uma voz atribuída ao ex-diretor da Andis, Diego Spagnuolo, afirma que Karina Milei receberia suborno sobre o pagamento de remédios a pessoas com incapacidade.
Depois do vazamento, Spagnuolo foi destituído e o advogado Gregorio Dalbón, representante legal da ex-presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner (2007-2015), apresentou uma denúncia à Justiça argentina.
"Karina leva 3%", diz o ex-funcionário do governo em uma das gravações, segundo a agência AFP.
Spagnuolo também representou legalmente Milei e era presença assídua na residência presidencial. Ele também garante ter informado o presidente sobre o esquema de corrupção.

Crédito,Reuters
A irmã do presidente ainda não se manifestou sobre o escândalo, embora o caso tenha dominado as manchetes e as discussões nas redes sociais na Argentina.
Por outro lado, o presidente negou os fatos pouco antes do ato de campanha do qual foi evacuado às pressas.
"Tudo o que ele diz é mentira", declarou ele. "Vamos levá-lo à Justiça e demonstrar que ele mentiu."
Na última sexta-feira (22/8), o juiz federal Sebastián Casanello emitiu 16 mandados de busca relativos ao caso. Na ocasião, foram confiscados os telefones de Spagnuolo e de diretores da empresa farmacêutica Suizo Argentina, mencionada nas gravações vazadas.
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O caso envolvendo Karina Milei veio a público depois que, em 21 de agosto, a Câmara Baixa do Congresso argentino derrubou o veto presidencial a uma lei que declara situação de emergência no atendimento a pessoas com incapacidade e aloca mais fundos ao setor.
Paralelamente, o Senado argentinou rejeitou uma série de decretos presidenciais, que pretendiam reduzir o orçamento estatal, e aprovou o aumento dos valores destinados à saúde e às universidades públicas.
O analista político argentino Andrés Malamud resumiu, na sua conta no X (antigo Twitter), o histórico legislativo do governo nos últimos meses.
"Desde que assumiu, o governo enfrentou 34 votações legislativas", segundo ele.
"Foram 17 até março de 2025 e ganhou 15. Houve 17 desde abril de 2025 e perdeu 16. A composição do Congresso não se alterou, o dano foi totalmente autoinfligido."
As derrotas parlamentares, somadas à queda da confiança pública, fizeram com que o risco país voltasse a subir para 829 pontos básicos, um nível que não era observado desde o mês de abril.
Analistas indicam que este nível de risco dificulta para o governo conseguir dinheiro nos mercados internacionais para pagar a dívida que vence no ano que vem. Tudo isso representa um desafio para o programa de cortes comandado por Milei desde sua posse, em dezembro de 2023.

Crédito,Getty Images
Por outro lado, duas pesquisas realizadas pelas empresas de comunicação La Sastrería e Trespuntozero, publicadas na quinta-feira (28/8) também pelo jornal La Nación, mostram uma deterioração inédita da avaliação do governo Milei no país.
A imagem do seu governo caiu oito pontos nas últimas seis semanas. Milei caiu para o terceiro lugar no ranking de avaliação de dirigentes políticos, atrás do governador da província da Buenos Aires, Axel Kicillof, e da ex-presidente Cristina Kirchner — seus dois principais opositores.
Uma das pesquisas analisou a percepção do público sobre o caso dos supostos subornos.
62,5% dos entrevistados acreditam que os áudios refletem episódios graves de corrupção no governo, enquanto 32,8% consideram que se trata de uma operação política, que é a posição defendida pelo governo argentino.
Por isso, o partido A Liberdade Avança mantém expectativas moderadas sobre seu desempenho nas eleições de domingo, 7 de setembro. E também promove o discurso de que a oposição realizaria "todo tipo de fraude" na votação.