Mundo
As incríveis imagens de leões que abandonaram deserto para caçar na praia
A fotógrafa destaca que a leoa se tornou uma caçadora implacável, capaz de matar 40 animais marinhos em uma única noite
A foto é incrivelmente marcante: uma leoa olha à distância em uma praia coberta por pedregulhos na Namíbia, enquanto as ondas de tempestade quebram ao fundo. Ela protege sua presa, que não aparece na foto: a carcaça de um lobo-marinho-do-cabo.
A fotógrafa belga Griet Van Malderen capturou esta visão dramática de Gamma, uma leoa do deserto que aprendeu a caçar animais marinhos para sobreviver no inóspito ambiente da Costa dos Esqueletos, no noroeste da Namíbia.
Sua foto mereceu altas menções no prestigioso concurso Fotógrafo da Vida Selvagem do Ano de 2025, promovido pelo Museu de História Natural de Londres.

Crédito,Griet Van Malderen
Van Malderen passou dias aguardando para tirar a foto, observando Gamma do seu carro.
"Ela ficou vigiando o lobo-marinho o dia todo", conta a fotógrafa. "Realmente, é incrível observar seu comportamento começando a mudar."
Existem apenas 12 leões do deserto vivendo ao longo da Costa dos Esqueletos, de uma população total de cerca de 80 animais.
Eles se mudaram do árido deserto do Namibe para o litoral do Atlântico em 2017, em busca de alimento. Os leões alteraram drasticamente sua dieta e seu comportamento, para se adaptar ao novo habitat. E, aparentemente, eles se deram bem com a mudança.
"A foto mostra como esses animais são resilientes... eles mudam seu habitat para sobreviver", afirma Van Malderen.
"Estes leões são fortes. A vida é questão de sobrevivência e tudo é uma luta."
Retorno ao litoral
Van Malderen acompanhou Gamma crescer. Ela conheceu a leoa quando o animal tinha três meses de idade.
Agora, ela tem três anos e meio e é "quase adulta", segundo ela.
A fotógrafa destaca que a leoa se tornou uma caçadora implacável, capaz de matar 40 animais marinhos em uma única noite.
Gamma faz parte da primeira geração de leões a crescer na Costa dos Esqueletos, segundo o especialista em conservação Philip Stander, que acompanha os leões do deserto da Namíbia desde 1980.
Em 1997, Stander fundou a organização sem fins lucrativos Fundo de Conservação do Leão do Deserto. Ele afirma que a foto de Van Malderen é "muito significativa", pois mostra "o primeiro dia de Gamma sozinha na praia".
Os leões do deserto da Namíbia costumavam viver ao longo da Costa dos Esqueletos nos anos 1980, mas se retiraram para o deserto após uma seca. E conflitos com fazendeiros também dizimaram a maior parte da população, segundo Stander.

Crédito,Griet Van Malderen
Mais de 30 anos se passaram e os animais "encontraram o caminho de volta ao litoral", segundo ele.
Os leões se adaptaram a viver "no terreno mais inóspito que você pode imaginar, um enorme mar de dunas de areia, sem vegetação", explica Stander.
Para ele, "os leões do deserto são incrivelmente únicos". Eles mantêm o maior território de todos os leões e "são atletas de elite superpreparados".
O território de vida médio de um leão do deserto é de cerca de 12 mil km², explica Stander. Já um leão do Parque Nacional do Serengeti, na Tanzânia, tem tipicamente um território de vida de cerca de 100 km².
Os leões do deserto se adaptaram até a sobreviver sem água. "Eles conseguem a maior parte da sua hidratação da carne que comem", segundo Stander.

Crédito,Griet Van Malderen
Caçando na praia
"Estamos tão acostumados a ver leões na savana ou no topo de algum rochedo, como em O Rei Leão [1994], que, de fato, é surpreendente observar um na praia. Parece muito estranho e incomum", afirma a pesquisadora Natalie Cooper, do Departamento de Ciências da Vida do Museu de História Natural de Londres.
Os leões do deserto costumam viajar em grupos muito menores que os leões da savana, segundo Cooper.
"Geralmente, observamos com os leões que, nas áreas onde há mais presas, eles acabam em bandos com mais indivíduos e um território de vida menor", explica ela. "Nessa área, eles [andam] em pequenos grupos por grandes distâncias, para conseguir comida suficiente."
Isso faz com que fotografar os leões seja um desafio ainda maior.
"Como fotógrafa, é maravilhoso, pois esses leões estão sempre em movimento", destaca Van Malderen. "Eles não estão deitados, dormindo, mas sempre caçando para sobreviver."

Crédito,Griet Van Malderen
Em 2015, uma seca dizimou suas presas terrestres comuns, como avestruzes, órix e cabras-de-leque. Com isso, os leões encontraram novamente o mar e começaram a caçar as presas do litoral.
"Os animais marinhos foram uma bênção", explica Van Malderen. "As mudanças climáticas empurraram os leões para a costa e os forçaram a se adaptar de forma extraordinária, para sobreviver nas praias do litoral do Atlântico."
"É incrível" observar a mudança de comportamento dos leões ao longo de várias gerações, conta a fotógrafa.
A primeira leoa do deserto a ser estudada, mais de 30 anos atrás, "era especializada em [caçar] girafas. Agora, essa colônia de lobos-marinhos oferece aos leões um pouco de espaço para respirar."
Van Malderen conta que dois filhotes nasceram no litoral em março de 2025. Para ela, "será muito interessante acompanhar esta evolução".
Os leões do deserto da Namíbia são os únicos conhecidos que caçam presas marinhas.
"Nós os chamamos de leões marítimos, pois eles aprenderam a compreender o ecossistema do oceano e consumir alimento do mar", explica Stander.
Um estudo realizado por Stander concluiu que os corvos-marinhos, flamingos e mamíferos marinhos representaram 86% da biomassa consumida por três jovens leoas em um período de 18 meses.
"Embora seja uma população pequena, [esperamos] que os leões, agora, se recuperem, com o conhecimento do oceano. Mas precisamos protegê-los", destaca Stander.
Protegê-los significa minimizar os conflitos com os seres humanos que vivem na Costa dos Esqueletos.
Os guardas que acompanham os leões usam fogos de artifício para assustar os animais, quando eles chegam perto demais de assentamentos humanos, segundo Stander. Eles também criaram um sistema de cercas virtuais, que envia um alerta quando os leões as cruzam, para proteger os moradores e turistas da região.

Crédito,Griet Van Malderen
A fotografia também desempenha papel importante quando o assunto é a conservação.
Griet Van Malderen afirma que o principal objetivo do seu trabalho é promover a proteção das espécies que ela fotografa.
"[Minhas fotos destacam] a beleza, mas também a fragilidade desses animais", ela conta. "Sua resiliência é uma lição para todos nós. Para enfrentar as mudanças, nos adaptarmos e agir antes que seja tarde demais."
Philip Stander concorda que a foto transmite "uma lição muito bonita para nós, de que todos aqueles animais têm capacidade de se recuperar e ganhar novamente a beleza e a força por que são conhecidos."
"Só precisamos dar a eles uma chance."