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A brasileira vítima de agressão sexual em trem de Paris: 'Em nenhum lugar do mundo você está segura'

O ataque aconteceu na manhã do dia 16 de outubro e ganhou repercussão após uma reportagem do jornal francês Le Parisien

PEDRO RIBEIRO/DA EDITORIA/COM BBC 23/10/2025
A brasileira vítima de agressão sexual em trem de Paris: 'Em nenhum lugar do mundo você está segura'
Jhordana Dias foi atacada por um homem dentro de um vagão em um trem em Paris | Arquivo Pessoal

Na última semana, a brasileira Jhordana Dias, 26 anos, foi vítima de agressão e tentativa de estupro dentro do vagão de um trem em Paris, na França.

O ataque aconteceu na manhã do dia 16 de outubro e ganhou repercussão após uma reportagem do jornal francês Le Parisien divulgar um vídeo em que Jhordana chora e pede ajuda, enquanto o suspeito é filmado saindo do trem.

A gravação foi feita por uma passageira que estava em outro vagão e ouviu os gritos de socorro da brasileira.

Até o momento, o suspeito não foi identificado.

Em entrevista à BBC News Brasil, Dias disse estar atordoada com o que aconteceu.

"A dor que eu estou sentindo... Eu estou até meio perdida. Às vezes as pessoas conversam comigo, eu não consigo responder ou fico meio aérea. O que eu mais quero agora é justiça."

'Ele puxou minhas calças, começou a me beijar'

Jhordana contou que pegou a linha C da rede de trens RER (Réseau Express Régional) por volta das 8h. Ao parar em uma determinada estação, vários passageiros desceram do veículo, entre eles um homem que a brasileira percebeu ter olhado para ela de uma forma "estranha".

A brasileira ficou sozinha no vagão, mas antes que a porta do trem se fechasse, viu o homem entrar novamente no veículo e caminhar em sua direção.

"Quando eu vi ele entrando, do jeito que ele me olhou antes, eu senti que eu ia ser atacada", relatou.

O suspeito se sentou ao lado de Jhordana. Com medo, ela tentou se levantar. Foi nesse momento que as agressões começaram.

"Ele puxou minhas calças. Eu lutando contra ele a todo momento, e ele me colocando sentada no banco. Ele começou a me beijar. O beijo não foi correspondido, então ele mordeu minha boca [...] Arranhou o meu rosto, deu um tapa no meu ouvido e eu fiquei perdida", lembra.

A brasileira começou a gritar por socorro. Uma mulher que estava no mesmo trem, mas em outro vagão, ouviu os gritos e foi ajudar.

Homem com rosto borrado apontando dedo para a câmera

Crédito,Arquivo Pessoal

Legenda da foto,Suspeito de atacar Jhordana desceu do trem após perceber que estava sendo filmado

Segundo Jhordana, ao perceber a presença de uma outra pessoa, o suspeito se assustou.

"Eu empurrei ele com força, e ele caiu. Aí eu já saí correndo e a minha única reação foi ligar para o meu irmão, porque eu não falo francês e o pouco que eu sei, eu esqueci no momento de desespero", relatou.

O irmão de Jhordana, Cícero Gomes, também mora na França. Ele estava em casa quando recebeu a ligação por chamada de vídeo.

"Quando ela aparece, a cara tava toda ensanguentada, porque ele mordeu na boca dela e cortou. Eu vi e falei assim: 'O que aconteceu?' E ela disse: 'Tem alguém tentando me pegar. Ele tentou me pegar. Ele está me agredindo e tudo'", conta.

Enquanto Jhordana falava ao telefone com o irmão, a passageira começou a filmar o suspeito.

No vídeo, é possível ver que ela pede, em francês, para o homem se afastar. Ele faz um sinal para ela parar de filmar e desce do trem na estação seguinte.

Atendimento na delegacia

Cícero conta que chegou à estação cerca de 15 minutos depois da ligação. A passageira já tinha chamado a polícia e acionado os seguranças do trem, mas o suspeito havia fugido.

No local, os policiais coletaram informações e levaram os brasileiros até a delegacia para fazer um boletim de ocorrência.

Segundo Cícero, em um primeiro momento, eles foram acolhidos pelas autoridades policiais, mas depois sentiram um certo "descaso" com a situação.

"Uma primeira mulher chamou a Jhordana e aí eu levantei. Ela falou que eu não entraria na sala e eu disse: 'Olha, ela não fala francês'. Aí nós começamos a discutir um pouco e eu falei 'é um crime de agressão sexual, tem uma seriedade muito grande nisso. Aí ela respondeu: 'Então eu não posso me ocupar de vocês. Vocês vão ter que aguardar'."

Os brasileiros contam que passaram o dia inteiro na delegacia e só saíram por volta das 17h. Os policiais coletaram DNA presente no rosto de Jhordana, tiraram fotos dos machucados e recolheram o casaco que ela estava.

Foto do rosto de uma mulher com hematomas

Crédito,Arquivo Pessoal

Legenda da foto,Jhordana sofreu agressões no rosto; suspeito tentou beijá-la e mordeu o lábio dela

O exame de corpo de delito de Jhordana foi marcado pra o dia 29 de outubro, quando a maioria dos machucados já vai ter cicatrizado. Por causa disso, eles procuraram um médico particular.

"Ele fez o laudo e constatou todas as agressões. Meu pescoço estava duro, tinha uma mordida, arranhão no rosto. Meu rosto ficou roxo", relatou Jhordana.

De acordo com Cícero, a justificativa dada pela polícia foi que a irmã não fala francês e precisa de um tradutor oficial para o corpo delito.

"Conversando com o policial, eu senti que aquilo ia ficar para debaixo do pano. Então eu já moro aqui tem mais tempo e vejo que tem muitas coisas que são abafadas, que eles não fazem muita questão de correr atrás, de investigar e mesmo de resolver", desabafou.

Procurado pela BBC News Brasil, o Ministério da Justiça da França disse que a investigação está em andamento.

Já a empresa responsável pelo trem, o grupo SNCF, disse que não ia se manifestar oficialmente e que era necessário procurar as autoridades competentes pela investigação.

'Nunca pensamos em viver isso na Europa'

Cícero mora na França há seis anos e diz que embora a segurança tenha piorado nos últimos anos, não imaginava ver a irmã passar por uma situação tão violenta.

"Em se tratando de Europa, nós nunca pensamos que poderíamos viver uma situação dessa tanto dela de ser agredida quanto eu presenciar um ente meu, querido, viver uma situação dessa", disse Cícero.

"Mas infelizmente essa situação está se tornando cada vez mais comum. Ela e minha mulher já foram seguidas outras vezes", acrescentou.

Uma mulher e um homem um ao lado do outro. Ela usa uma blusa preta e ele uma blusa vermelha
Legenda da foto,Jhordana e o irmão Cícero foram até a delegacia para registrar boletim de ocorrência após o ataque

O grupo Osez Le Féminisme, que defende os direitos das mulheres, disse à BBC que a agressão à Jhordana é chocante, mas não é um caso isolado na França.

Segundo um levantamento realizado pela organização em 2019, para combater assédio em transportes públicos, 97% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio, 60% foram vítimas de agressão sexual e 7% relataram ter sido estupradas nesses contextos.

"É inaceitável que a segurança das mulheres dependa do acaso ou da coragem individual. Elas devem ser protegidas por políticas públicas concretas e eficazes", disse a organização em nota.

Para Jhordana, o episódio reforça uma sensação de que as mulheres não estão seguras em nenhum lugar.

"Hoje em dia, ser mulher é difícil. Em lugar nenhum do mundo você está segura. É normal você ser ofendida por olhares."

"Não que isso seja normal, mas está se tornando normal", concluiu ela.